domingo, 10 de março de 2013

NA OUTRA MARGEM DO RIO





 Séculos e séculos atrás, em território norte-americano próximo ao rio Colorado, viveu um povo de pele vermelha que precedeu a tribo dos Navajos.
Recordo que o inverno preparava-se para encerrar suas atividades e a neve despedia-se do solo e das formações rochosas quando escutei pela primeira vez a história que lhes apresento a seguir. Este povo não veste mais a roupa da carne, o clima e a Mãe-terra também não se encontram da mesma forma de quando eles andaram entre nós. Muita coisa mudou e outras tantas ainda estão para se modificar em meio ao desenvolvimento cíclico com que o Grande Espírito*(Deus) designou para aprimoramento de sua criação e criaturas. Esta história inicia-se com o chefe Pedra-roxa chamando ao seu pupilo para dar início ao aprendizado de uma nova atribuição:



“− Venha filho, pois hoje será o primeiro dia de sua preparação para tornar-se um atravessador. Você ficará aos cuidados de um dos nossos mais experientes atravessadores: o irmão Pedra Branca.
− O grande chefe Pedra Branca?!? Será uma honra!
− Não filho, de inicio é só trabalho mesmo! Se você o desempenhar corretamente teu próprio trabalho será tua honra!
Ao entregar o aprendiz para o atravessador o chefe Pedra Roxa tornou às suas obrigações.
− Chefe Pedra Branca como devo proceder no aprendizado de hoje?
− Sente-se e observe como é o trabalho, as dúvidas serão esclarecidas posteriormente.
− Sim grande chefe, mas...
− Diga!
− É que eu tenho uma dúvida.
− Diga!
− É que entendo a importância da presença do atravessador na Grande Travessia*(desencarne), pois bem poucos estão em condições de realizá-la sozinhos ao deixarem o corpo de carne, mas acredito que o mesmo não acontece na travessia a que serei iniciado a partir de hoje, que é justamente na direção oposta.
− Antes de entender a importância você primeiro tem que entender a necessidade.
− Como assim?
− Observando filho! Sente-se e observe como é a travessia no Grande Rio da Vida!
O chefe entrou no rio e solicitou que a primeira alma a passar para a outra margem fizesse o mesmo.
Quando a jovem pele vermelha entrou o rio, que estava calmo tornou-se tormentoso devido a uma forte e inexplicável correnteza que de repente se formou.
A jovem receou em prosseguir e intencionou retornar, mas o chefe estendeu-lhe a destra com segurança tão intensa que ela seguiu adiante.
As águas estavam real e terrivelmente caudalosas e o aprendiz não entendia como a correnteza não os carregava rio abaixo.
Quando estavam exatamente na metade do rio o grande chefe pediu que ela fechasse os olhos. Confiando na segurança daquele ser ela assim o fez. O chefe a segurava pelo braço esquerdo e levantou o direito aos céus.
Realizou profunda oração, mas o aprendiz observou que o rio continuava caudaloso. Então, de uma só vez, o chefe desceu o braço direito e o mergulhou nas águas. Pegou um pouco da água com a mão, ergueu aos céus mais uma vez e derramou seu conteúdo na cabeça da jovem.
Neste instante, como se fosse mágica, o rio tornou a ficar calmo e o chefe Pedra Branca terminou a travessia da jovem até a outra margem.
Retornando a margem da Grande Pátria*( plano espiritual ) o chefe perguntou ao pupilo:
  Esta começando a entender sobre necessidade?
− Sobre a necessidade acho que sim, mas estou com muitas dúvidas.
− Acalme-se filho, pois ainda tenho mais uma travessia a realizar. Depois conversaremos.
−Sim senhor!
O chefe Pedra Branca solicitou que a outra alma a ser atravessada entrasse no rio e um jovem pele-vermelha assim o fez. O rio tornou-se caudaloso, mas nem tanto como ocorrera na travessia da jovem. O chefe realizou os mesmos procedimentos que fizera com a jovem, atravessou-o e tornou a margem da Grande Pátria para conversar com seu pupilo.
− Grande chefe eu posso falar?
− Estou aqui só para te escutar filho!
− Chefe por que as águas do Grande Rio da Vida ficam tormentosas quando as almas a serem atravessadas nelas adentram?
− Filho, uma existência humana não deve ser pautada pelo erro, mas pelo acerto. Um erro só tem valor, se for servir como guia ao caminho do acerto, se não é só um erro. É muito importante que o ser humano procure sempre o caminho do acerto, mas acontece que na outra margem do Grande Rio da Vida, não é nada fácil o homem encarnado acertar o caminho da paz, do amor, da solidariedade e da alegria.
− Por que chefe?
− Por que quando o homem está na carne lembra muito de comer bem, vestir bem, morar bem, andar bem e aparentar estar bem, mas se esquece que a vida plena está aqui: na Grande Pátria!
− Bem me recordo disto!
− E para comer bem, vestir bem, morar bem e andar bem eles geralmente olvidam os valores do espírito e, assim, cometem os primeiros erros. Se não se corrigem e se espiritualizam voltam a cometer erros, mas não se engane: os erros que se seguem são apenas para justificar o primeiro! Assim ocorre desde que o Grande Espírito colocou o homem para andar sobre a Mãe-terra.
− Acho que começo a entender Grande chefe: quanto maior for a significação de um erro ou dos erros cometidos por uma alma que fará a travessia para a carne, mais tormentosa torna-se a água do rio.
− Muito bom aprendiz! Fico satisfeito por seu entendimento!
− Na verdade acho que não sou nem eu. O senhor explica com tanta paciência que tudo parece mais fácil de ser entendido!
− Pode não parecer aprendiz, mas tudo que hoje digo já está aí dentro de você. Só estou, aos poucos, reavivando sua memória!
− É mesmo? E para que?
− Para você recordar daquilo que é e sempre foi: um atravessador!
− Eu?!?
− Sim! Por que o espanto? Uma fruta será sempre uma fruta, um animal  será sempre um animal e um atravessador será sempre um atravessador!
− Não recordo de já haver sido um atravessador!
− Então, responda-me àquilo que somente um atravessador pode saber!
− Mas não sou atravess...
− Responda-me filho!
− Mas o senhor nem fez a pergunta!
− Responda-me!
− Na realidade eu tenho é uma dúvida a solucionar, pois se as águas do Grande Rio da Vida ficam tormentosas pela significação que as almas a fazerem a travessia dão aos erros praticados quando estavam na carne, como tornam a ficarem serenas?
− Responda-me e a si próprio, pois a resposta está dentro de você!
− Então era essa a pergunta que o senhor queria que eu respondesse? Àquela que só um atravessador sabe a resposta?
− Pergunte-se como você poderia saber da pergunta a que eu estava solicitando que você respondesse se eu mesmo nem não a fiz!
− Coincidência não pode ser.
− Nem tem como, pois àquele que já foi considerado por seu povo como sábio líder espiritual não tem que acreditar em coincidências!
A memória do pupilo voltou no tempo em que havia sido líder espiritual de seu povo. Recordou-se de seus atributos e atribuições àquela época e, sem conseguir explicar o porquê, focou nos procedimentos de cura. Assim, resgatou em suas lembranças os mais variados tipos de rituais de cura e lembrou de um complexo, mas que se finalizava de forma simples: dentro de um rio.
Neste instante ele abriu os olhos e viu o Chefe Pedra Branca sentado, de olhos fechados e com discreto sorriso nos lábios. Estranhamente ele entendeu que o Grande Chefe compartilhava de seus pensamentos.
Tornou a fechar os olhos e voltou a lembrar do ritual complexo que se finalizava no rio: após todos os procedimentos realizados com barro, água de rio, cânticos, rezas, encantamentos e defumações que duravam semanas e ás vezes meses, o membro da tribo já curado de seu estado vegetativo, era levado até o rio onde fora colhida a água para trabalhar o barro.
Primeiramente o líder espiritual entrava até a metade do rio e após chamava aquele que recebera tratamento. Após as últimas rezas o líder jogava o barro trabalhado na direção da correnteza do rio para que o mal fosse diluído e a saúde, principalmente mental, emocional e espiritual, fosse renovada na vida do enfermo.
Por último, e talvez o ritual mais importante, o líder espiritual conversava com o enfermo sobre os comportamentos, pensamentos e sentimentos que o levaram àquele deplorável estado de saúde e tornava a perguntar se, enquanto vivesse, ele seria um guerreiro que lutaria para combatê-los dentro de si.
Diante da resposta positiva o líder levantava a destra aos céus e pedia ao grande Espírito que a imantasse com a energia renovadora. Após, e de uma só vez, descia a mão para dentro do rio para também entronizá-la com a energia renovadora das águas.
Com a destra em forma de concha ele colhia a água e tornava a levantá-la aos céus para só depois derrama-la na cabeça do enfermo. Recordou-se que este ritual significava que o enfermo estava deixando não só a sua moléstia, mas também os comportamentos, emoções e pensamentos que a provocaram serem levados pela correnteza do rio. A partir daquele momento o enfermo tornava-se um novo ser, uma nova criatura.
Tornou a abrir os olhos e viu o grande chefe Pedra Branca já de pé e visivelmente emocionado diante dele. Este disse-lhe;    
− Parabéns!
− Por que Grande chefe?
− Por responder-me e, desta forma, começar a recordar-se que, de fato, é aquilo que nunca deixou de ser: um atravessador!
− Acredito que ainda não entendi completamente, mas se este é o começo imagine até o final!
− Um passo de cada vez atravessador-aprendiz, mas agora me responda: em seus tempos de líder espiritual qual sentimento você observava como o maior responsável pelo aparecimento de enfermidades nos membros da tribo? Aquele que se desenvolve silenciosamente?
− Deixe-me ver: o ódio é terrível, mas nada silencioso, com a tristeza sucede a mesma coisa...
− Reflita meu pupilo! Reflita!!!
− Creio que o maior agente de enfermidades na tribo era o neto do orgulho e do egoísmo: o remorso.
− E quais são os pais do remorso, meu aprendiz?
− A culpa e o arrependimento.
− Quando você realizava o ritual no rio, em benefício de um enfermo, notava a imediata mudança de padrão vibracional na vida dele?
− Não. A conquista era gradual desde que a batalha do homem consigo mesmo fosse constante.
− E qual atitude era grande facilitadora da cura?
− O Grande Espírito trabalhou e fez a grande Mãe-terra para nela dispor suas criaturas. Estas trabalham para a sobrevivência de toda a coletividade. Assim deve ser com a criatura humana também filha Dele: ela também deve trabalhar para o sustento e sobrevivência de toda sua coletividade. Trabalho chefe Pedra Branca: quem trabalha não só fisicamente, mas também mental e emocionalmente, tem grandes chances de curar-se do remorso. O trabalho é a resposta: principalmente em favor do outro.
− Muito bom aprendiz-atravessador! Agora percebo germinar em você as condições necessárias para entender o significado do porque das águas do Grande Rio da Vida tornarem ao seu estado natural após o atravessador usá-las para banhar a cabeça da alma que fará a travessia para a carne.   
− Fico grato por sua consideração.
− Quando o atravessador convida uma alma que fará a travessia para a carne a adentrar o Grande Rio da Vida, esta o faz trazendo entre a fé e a esperança de sucesso na nova jornada, o sentimento do medo e do remorso.
− Estou entendendo.
− O atravessador ergue a destra aos céus e clama ao Grande Espírito a imantação dela com energia renovadora, depois a mergulha no rio para entronizá-la com a energia renovadora das águas.
− A água colhida com a destra neste instante já é uma água encantada e encanta a alma que tem a sua cabeça molhada por ela com a benção do esquecimento das existências pretéritas que ela apresentar. Renovar não é criar do zero, mas tornar novo outra vez e isto só é possível com o esquecimento das existências vivenciadas na carne preteritamente.
− Fantástico!
− Como a turbulência da água no rio é causada basicamente pelo medo e pelo remorso, trazidos principalmente pelas lembranças das existências passadas, e como estas são apagadas antes do fim da travessia a turbulência cessa, uma vez que sua causa é eliminada.
− Impressionante! E o que acontece com a alma quando consegue realizar a viagem para a carne?
− Não sei!
− Não sabe? Mas o senhor é um atravessador!
− Exatamente. Assim como você já o foi e tornará a ser: um atravessador! Aquele que atravessa!
− Como assim chefe?
− Quem traz as almas até a margem do Grande Rio da Vida que ladeia nossa terra espiritual para que sejam atravessadas a outra margem são os Grandes Chefes Encaminhadores; quem as recebe na margem que ladeia a terra dos seres de carne, são os Grandes Chefes Concebedores, você já viu tanto a uns quanto a outros?
− Não senhor!
− Já se perguntou por quê?
− Por que sou um atravessador e esta é minha função: atravessar!
− Você aprende rápido jovem aprendiz atravessador! Em breve será um laborioso servidor da Mãe-terra! Aliás, assim como o é todo atravessador: um filho do Grande Espírito e servidor do elemento terra.
O ensinamento terminou, mas o aprendiz solicitou ao grande chefe Pedra Branca que lhe permitisse alguns instantes de reflexão, à beira do rio, sobre a lição aprendida.
Com o consentimento do Chefe o aprendiz sentou-se à beira do Grande Rio da Vida. Enquanto isto, na contraparte física daquele plano etérico e na margem oposta, um índio pele-vermelha encarnado e que acabara de receber sua primeira iniciação para tornar-se futuramente líder espiritual de sua tribo refletia sobre os ensinamentos aprendidos, mas sem conseguir deixar de pensar sobre o que de fato existia lá: na outra margem do rio.”
 

  

 Eu, assim como alguns outros de minha tribo,fui este índio encarnado e devo esclarecer que não entendi muito bem quando escutei tal história pela primeira vez e que me foi narrada como forma de fixar os ensinamentos aprendidos pelo líder espiritual da tribo a que pertencia. Somente a prática e o passar das luas foi que me trouxeram esclarecimento. Passo-a para vocês para que também se tornem atravessadores:
Vocês que têm ódio atravessem o rio do perdão e passem para a margem do amor, vocês que estão aflitos atravessem o rio da paz e encontrem a mansuetude na outra margem, vocês que estão tristes atravessem o rio da alegria e alcancem a margem da felicidade, vocês que estão descrentes atravessem o rio da esperança e cheguem a margem da fé.
 Vocês não precisam de iniciação para realizar tal tarefa, apenas de boa-vontade. Nós precisamos de vocês! Precisamos que vençam seus medos e limitações na tarefa de auxiliar ao próximo e atravessem o rio da sinceridade para alcançarem a confiança. O mundo passa por um grande processo de transformação energética, eletromagnética, psíquica e vibratória e necessitamos que confiem no Grande Espírito e tornem-se atravessadores de si mesmos para que tenham paz de espírito e, assim, alcancem condições de auxiliar ao próximo da melhor forma possível.
Façam isto e, com a permissão do Grande Espírito, nós teremos a honra de os atravessarem quando chegarem vossos momentos de realizar a Grande Travessia no Grande Rio da Vida.

Ao trabalho aprendizes!!!!



Mensagem do Chefe Águia Branca