sexta-feira, 27 de julho de 2007

O Guardião das matas

Escrito sob inspiração mediúnica por Pedro rangel Telles de Sá.


O Guardião das matas

Certa vez, em um terreiro de umbanda, uma entidade amiga pediu que eu fosse fazer uma obrigação nas matas. Até aí tudo normal se este espírito amigo não tivesse me solicitado que antes de realizar a referida obrigação eu acendesse um charuto, abrisse uma marafa e oferecesse ao exu das matas pedindo licença para utilizar aquele ponto de forças da natureza e proteção e amparo para aquela obrigação que eu iria realizar.
Não entendi o porquê desta solicitação em relação ao exu e fiquei protelando por três dias a realização desta obrigação.
Quando foi a noite do terceiro dia, ao adormecer, meu duplo foi irresistivelmente atraído para uma região de matas que se encontra perto de minha casa. Vale a pena ressaltar que eu não tenho muita afinidade com a mata principalmente por ter um medo terrível de cobras. Mas lá estava eu de frente para a mata nas altas horas da noite. Interessante que o “sonho” era meu e o espírito, é óbvio, também, mas eu não tinha o mínimo controle sobre as ocorrências que aconteciam nele.
De repente, fui irresistivelmente atraído por mata adentro e fechei os olhos morrendo de medo. Por quanto tempo esta atração durou eu sinceramente não sei, só sei que quando eu abri meus olhos me vi de frente com um ser que deveria medir certamente mais que três metros de altura, seu corpo era mais musculoso que o de qualquer super-herói que eu tenha conhecido na ficção terrestre, sua face era magneticamente sedutora e impreterivelmente dura, não sei dizer por que mas aquele ser não me passava nenhum sentimento de medo mas sim um tremendo respeito, tanto que inconscientemente, quando dei por mim, estava em posição de reverência e ajoelhado a seus pés.
Apesar do respeito eu não pude sopitar a minha curiosidade e perguntei:
— Ó magnânimo ser, por caridade vós poderíeis dizer à minha pessoa quem sóis e o que eu faço aqui?
— AHahahahahahahahahahahahhahahahaha!!!!!!!!!
Dele eu escutei uma gargalhada estrondosa e devo afirmar que seu tom de voz era cavernoso e gutural.
— Não precisa usar essas palavras difíceis comigo não camarada, no dia-a-dia eu sei que várias palavras de seu vocabulário chegam ser até mesmo chulas, não é verdade?
— Sim, respondi mas é que eu só queria demonstrar um pouco de respeito para com o senhor.
— Senhor, eu? Ahahahahahahahahahahahahahahahahahaha !!!!!!!!!!!!!!
E outra vez deu mais uma gargalhada gutural para depois responder:
— Camarada, tenho que te falar duas coisas; primeiramente é que eu não sou senhor de nada e ainda estou muito longe de merecer do criador a oportunidade de receber algo de que eu possa me assenhorar para receber de você este tratamento; segundo, se você de fato quer demonstrar algum respeito por mim então seja quem você realmente é, seja verdadeiro: converse comigo da mesma forma como você fala com os outros no dia-a-dia, aí sim você estará me respeitando. Não tente jamais aparentar para mim ser o que não é por que pode ter certeza que eu conheço o mais íntimo dos recônditos da alma humana e sei que a beleza desta reside em se assumir imperfeita como é e perfectível como deve ser.
— Tudo bem companheiro,posso te chamar desta forma, não é?
— Sim !!!
— Pois então companheiro, como eu estava dizendo, será que você poderia me dizer quem é e o que eu faço aqui?
— Meu camarada,vamos por partes. Suponha que você tivesse vários tesouros, cada um em uma localidade diferente, e me responda: você teria condições de estar presente simultaneamente em cada uma destas localidades para proteger os seus tesouros de malfeitores?
— Não.
— Mas o seu tesouro teria que ser protegido de qualquer forma, não é?
— Sim.
— Então responda como você resolveria este problema?
— Bom, a resposta nem é tão difícil assim e eu digo que resolveria o problema colocando seguranças em cada um dos lugares onde eu tivesse um tesouro.
— Muito bem camarada se você que é um ser humano, membro de uma raça ainda tão imperfeita e materialista que é a raça humana, pôde encontrar uma resposta satisfatória a esta questão imagine então que solução o Divino Criador obteve para que a sua divina obra, que é a natureza, não fosse maculada em seus mais diversos e específicos reinos que são: vegetal, mineral, aquático, telúrico, ígneo, eólico e cristalino!
— Espere aí, então você está querendo dizer...
— .....sim camarada, com isso eu quero dizer que pelo fato da criação divina ser tão incomensuravelmente extensa e infinitamente contínua Ele achou por melhor colocar em cada um de seus pontos de forças da natureza um guardião que pudesse se ocupar da proteção de seus mistérios.
— Meu Deus, isto é incrível!
— Sim, camarada mas isto ainda não é tudo, tenho ainda mais uma questão a propor pra você, me diga o que aconteceria se qualquer pessoa quisesse entrar em qualquer uma de suas propriedades onde se encontra seu tesouro?
— Eles seriam impedidos de entrar pela guarda de seguranças.
— Exatamente. E qual seria a única forma legal deles adentrarem sua propriedade?
— Bem, a única forma lícita de qualquer pessoa entrar em uma de minhas propriedades seria se esta possuísse um crachá de identificação, porque a apresentação deste crachá a qualquer um dos seguranças tornaria explicitamente claro que a referida pessoa tem autorização para penetrar em minha propriedade.
— Perfeitamente, agora lhe proponho a última questão camarada: sabendo que cada ponto de forças da natureza tem um guardião, o que qualquer pessoa deveria realizar antes de fazer qualquer oferenda religiosa ou magística num ponto de forças da natureza?
— Bem, pela forma como você está explicando qualquer pessoa antes de realizar qualquer oferenda deveria mostrar tipo um “crachá ” para o guardião do ponto de força da natureza e, me atrevi dizer, sabendo que todo exu é um guardião poderia até adivinhar que este “crachá” , no caso, poderia até mesmo tomar forma de uma marafa aberta e um charuto aceso, eu estou correto?
— Sim, e agora você chegou aonde eu queria, ou seja, você sabe por que foi trazido até aqui, não sabe???
— É, agora eu sei.
— E qual foi este motivo?
— O fato de uma entidade há três dias atrás ter pedido para eu fazer uma obrigação nas matas e eu estar adiando esta tarefa até agora.
— Olha camarada, o que você falou, você sabe que é uma meia-verdade, você não gostaria de completá-la?
Acho que é desnecessário dizer o quanto envergonhado eu estava pelo fato de saber que ele, por ser um grande conhecedor da alma humana, sabia da outra metade da minha história.
— Bom companheiro exu, a outra metade da minha historia, como eu sei que você bem sabe, reside no fato de eu ter adiado esta obrigação pelo fato de que a entidade amiga que a solicitou ter determinado que, antes que eu assim procedesse, eu oferecesse uma marafa e um charuto para o exu das matas pedindo licença para usar o espaço sagrado da natureza e o amparo e a proteção para a obrigação que seria realizada a seguir.
— E você até agora ainda não realizou a obrigação por não ter entendido o porquê de a entidade amiga ter lhe solicitado que fizesse antes a oferenda para o guardião das matas se isto antes nunca havia sido feito certo?
— Sim.
— E você não consegue realizar nada se não souber o porquê, certo?
— Sim.
É importante destacar que eu respondi esta última pergunta de boca aberta e admirado de como um exu é, de fato, um grande conhecedor da alma humana. Mesmo assim, ainda, me atrevi a fazer uma pergunta.
— Mas e aquelas pessoas que fazem suas obrigações nos pontos de força da natureza sem antes fazer uma oferta para o guardião deste ponto de força?
— Ótima questão camarada e eu lhe digo que tudo é questão de nível de consciência.
— Como assim?
— Ora camarada, consciência entende? As pessoas que desconhecem a importância de se oferendar aos guardiões dos pontos de forças da natureza antes de realizarem uma obrigação, ou seja, as que desta importância não têm consciência fazem suas obrigações e a espiritualidade responde aos seus anseios (de acordo com o seus merecimentos) da mesma forma que responde a uma pessoa que fez a oferenda para o guardião. Agora a partir do momento que a pessoa entende a importância desta oferenda e deixa de realizá-la as conseqüências disto eu respondo nem por palavras minhas mas me utilizo d’aquelas pertencentes àquele que está a direita do Criador “..muito será cobrado d’aquele a quem muito for dado.”
— Mas então quer dizer que você é o guardião das matas?
— Errado camarada. Eu sou um guardião das matas e sirvo ao meu senhor que é O guardião das matas, ou como dizem vocês umbandistas, O guardião de Oxóssi. E lhe digo mais companheiro, jamais se sinta importante por estar diante de um guardião das matas,sinta-se,antes,responsável.Entenda que a vitalização nos campos do conhecimento é um dos atributos dos quais eu, no aspecto positivo, procuro honrar em meu mistério, ou seja, auxiliar a retirar das trevas da ignorância àqueles que dela desejam sair.
Já no aspecto negativo eu também, e sempre, sigo as atribuições a mim fornecidas pelo Criador e procuro punir àqueles que se utilizam mal em qualquer campo na área do conhecimento, seja paralisando-os ou esgotando-os em seus próprios negativismos.
Agora acorde camarada, meu recado já foi dado e está na minha hora, porém, nunca esqueça de se lembrar de jamais se sentir importante pelos conhecimentos que lhe foram passados esta noite, antes, sinta-se responsável. Responsável por conhecer a importância destes conhecimentos. Responsável por sua própria evolução.Responsável por passar este conhecimento adiante.Responsável porque “muito será tirado d’aquele a quem muito for dado”.
Acordei em minha cama pensando em como a vida, por vezes, é engraçada: fui me deitar relutando em fazer a obrigação nas matas por não querer oferendar, antes, a exu por que não haviam me informado a importância do gesto: eu queria alguma explicação antes para depois eu fazer a obrigação.
Mas acordei conhecendo a explicação e me sentindo responsável até demais por esta informação, desejando até mesmo nunca dela ter tido conhecimento; daí então comecei a sentir um forte cheiro de marafa em meu quarto e olhei para o relógio de parede: era meia-noite em ponto.
É, pensei, a responsabilidade era grande mas eu havia entendido o recado e iria, assim que amanhecesse, fazer minha obrigação nas matas realizando, antes, uma oferenda ao guardião deste ponto de forças; afinal depois do esclarecimento do sonho fazer esta oferenda era minha obrigação e eu iria realiza-la com todo o respeito e responsabilidade.

Ass: Um amigo espiritual.