sábado, 4 de julho de 2020

A VOZ DO SILÊNCIO



Certa vez, assim que consegui dormir, senti meu duplo desprender-se do corpo físico e, numa vontade irrefreável, olhei para meu lado direito para, desta forma, ver um homem com vestes brancas, olhar sério e uma espécie de pequeno turbante na cabeça aplicando algum tipo de passe energético ao longo do meu corpo.
Passado algum tempo senti-me extremamente leve e levantei-me; ele então pôs a destra em minha nuca e fui automaticamente transportado para uma casa de umbanda.
Este homem não dirigiu uma palavra para mim, mas tinha extrema confiança nele e deve ter sido por isto que continuei calmo, mesmo sem saber o que fazia por ali. Observei que os trabalhos no terreiro estavam quase para terminar. O homem então aproximou-se de um médium que entrou em transe mediúnico por meio da incorporação. O homem, já incorporado no médium pela roupagem de um preto-velho, olhou em minha direção e mentalmente solicitou que me colocasse a sua direita e ficasse em espírito de oração pelo consulente que atenderia a seguir.
A pessoa em questão encontrava-se extremamente ditosa e agradecida à Deus pela oportunidade de, mais uma vez, poder dialogar com a entidade amiga.
Sentado no banco da assistência, concentrado no que necessitava dizer ao amigo espiritual no momento da consulta e em prece, nosso amigo mantinha os olhos cerrados em oração até que um membro da corrente mediúnica chamou-lhe pelo nome e solicitou que sentasse em frente à entidade, visando o início de seu atendimento.
Já sentado em frente ao Pai-velho, ele observava atentamente todos os procedimentos que a entidade realizava para que sua consulta pudesse iniciar-se. Após alguns minutos o preto-velho a ele perguntou:
— Como vai suncê, zifio Félix?
— Bem melhor agora, vovô, graças a Deus!
Mentalmente fui informado de que Félix encontrava-se em tratamento espiritual a fim de, pela misericórdia divina, conseguir alcançar a bendita convalescença para a enfermidade psicoemocional que o limitava a vivenciar uma existência plena em fé e humildade e, pensando nesta situação, foi que a entidade indagou a seu consulente:
— Suncê continua a realizar os procedimentos que lhe passamos?
— Sim vovô! Nunca pensei que defumação e culto no lar, uma vez por semana, poderiam trazer diferença tão significativa no ambiente do meu lar e em minha vida.
— Também continua a fazer uso do banho de ervas, meu filho?
— Sim, vovô!
— Graças a Deus, né zifio, por isso que Nêgo véio tá percebendo suncê com energia formosa, mas junto com esta formosura este Nêgo também observa reflexos de uma energia de preocupação a fazer com que a rotação de seu chacra cardíaco esteja um pouquinho alterada.
— Pois é vovô, são àqueles problemas, sabe? É difícil lidar com eles. O senhor poderia aplicar um passe energético em mim para melhorar esta situação energética que observou em meu chacra?
— Nêgo inté pode e vai fazer zifio, mas este problema está sendo provocado pelo que está afligindo suncê, então é melhor primeiro tratar a causa, num é mesmo? Por isso primeiro Nêgo vai escutar o que está lhe fazendo sofrer para depois aplicar o passe, entende?
— Entendo sim vovô e é por isto que estava tão ansioso para falar com o senhor.
— Então fala zifio, Nego está aqui só para escutar suncê!
Ao escutar o amigo espiritual proferir estas palavras em uma vibração de intensa ternura e afeto, sem que conseguisse explicar por quê, Félix desabou em incontido pranto; então, aproveitando a divina oportunidade de trabalho, o Pai Velho pegou seu cachimbo, fechou os olhos em oração e aplicou-lhe um passe energético para posteriormente cruzar-lhe com uma vela.
Instantes após a realização de tais procedimentos o pranto de Félix cessou, sua respiração voltou à normalidade e ele conseguiu abrir os olhos. Foi então que ele disse à entidade:
— Nossa vovô, estou sentindo-me bem melhor!
— Graças a Zambi, nosso pai, né zifio?
— Isso! Graças a Deus vovô!
— Sabe zifio,enquanto suncê deixava escoar o seu sofrer em forma de lágrimas, Nêgo véio, com a força de Deus, conseguiu aplicar um passe em suncê.
— Minha respiração está até melhor, vovô!
— Graças a Deus zifio, mas para que, com a força de Zambi, suncê continue em vibração de bem-estar é vital que o filho fale sobre o que tem provocado tal sofrimento, entende?
— Entendo sim vovô. Sabe, tenho até vergonha de falar, mas é que são os mesmos problemas que já falei com o senhor em oportunidades anteriores: a inveja cerca minha vida de maneira imperiosa, mas o pior são as faces em que ela se manifesta tais como maledicência e fofoca. Tento fazer tudo que o senhor passa para mim, mas as pessoas continuam a agir vibrando estas energias para comigo.
— E é bem provável que continuem mesmo, zifio.
— Como assim vovô!?! Todos os procedimentos que o senhor solicitou que eu fizesse, não foram para esta situação melhorar?
— Os procedimentos que este Velho passou para suncê são para o filho melhorar.
— E eu até melhoro, mas de que isto adianta se o comportamento das pessoas torna a adoecer-me?
— Mas é isso que Nêgo tá falando zifio, o tratamento é para estes comportamentos das pessoas não adoecerem mais suncê.
— Tipo uma vacina?
— Isto zifio! O tratamento que estamos realizando com suncê é de imunização.
— O senhor acha possível que eu consiga?
— Claro zifio! Suncê nasceu pra isso e é por isso que teus mentores espirituais disponibilizaram a suncê esta tarefa, quando de sua programação reencarnatória.
— Sério vovô? O senhor nunca havia falado sobre isto antes.
— Sério zifio! Nêgo fala agora, por que agora suncê tem condições de escutar.
— Mas por que uma prova tão difícil, vovô?
— Os filhos que querem fazer uma cirurgia, primeiro devem conhecer o corpo humano; os filhos que querem ensinar, primeiro devem aprender; assim como os filhos que desejam sabedoria, necessitam primeiramente entender sobre as dificuldades da vida.
— Mas tinham que ser dificuldades tão penosas?
— Jesus ensinou que para segui-lo devemos tomar a nossa cruz, não foi zifio?
— Mas esta cruz é muito pesada vovô!
— Zifio, à cada qual segundo suas obras. Suncê inté pode, mas num é formoso dizer que sua cruz é mais pesada ou mais leve que a de outra pessoa, já que todos têm a necessidade de evolução espiritual, mas ela acontece segundo ações realizadas em existências pretéritas e em como, com elas, conseguimos aprender e praticar as lições ensinadas pelo divino mestre Jesus.
— Até que não estou comparando vovô, só queria que a minha fosse mais leve!
— Zifio, mas quando suncê diz que sua cruz é pesada, suncê necessariamente não está falando que existem outras mais leves carregadas por outras pessoas?
— É verdade vovô, mas por que isto?
— A verdadeira profundidade e realidade de todas as coisas, só Deus pode dizer, zifio,mas pensa e responde para este Nêgo: o que anula a escuridão?
— A luz.
— O que anula o ódio?
— Amor.
— O que anula a descrença?
— A fé.
— O que anula o maldizer?
— O bem dizer.
— O que anula o mau comportamento?
— O bom comportamento.
— Então zifio tá dizendo pra Nêgo véio que um bom comportamento de sua parte anula o mal comportamento do outro?
— Isto vovô!
— Então para anular o mau comportamento do outro o que suncê deve praticar?
— O bom comportamento, mas entenda que por mais que eu aja da melhor forma, percebo, várias vezes, as pessoas não se comportando eticamente para comigo, então como acabar com este mau comportamento delas?
— Suncê é responsável por suas próprias ações zifio, assim como cada filho é responsável pelas deles.
— O tratamento que estamos realizando com suncê é para anular o efeito do mau comportamento dos outros em você, ainda que ele persista indefinidamente no outro, mas para que isto ocorra, suncê deve ter bons comportamentos para com eles, pois, como suncê mesmo disse prara Véio, só o bom comportamento anula o efeito do mau em ti, assim como só a busca da Luz anula o efeito da escuridão em ti, da mesma forma que só o amor tem potencial para anular o efeito do ódio em ti.
— Meu Deus, é verdade vovô! Agora penso que estou começando a entender.
— Pensa meu filho: o que anula a empáfia daquele que não escuta o seu próximo só por este encontrar-se em condição economicamente inferior?
— A modéstia.
— O que anula o orgulho daquele que tem muito conhecimento, mas que escolhe a quem escutar apenas baseado neste critério?
— A humildade.
— O que anula a inflexibilidade daquele que age de forma implacável para com o próximo devido às suas posses e ao seu conhecimento.
— A benevolência da tolerância.
— E o que anula o arrependimento por haver agido assim com tantas pessoas.
— O desejo de mudança.
— E se o comportamento para alcançar a mudança almejada não for possível em uma encarnação, está tudo acabado?
— Não vovô Deus é bom e por isto é que existe a reencarnação!
— Este Nêgo aprecia suas palavras, meu filho, mas responde para Nêgo véio: àquele que reencarna com desejo de mudança, na busca de sua evolução espiritual, torna à carne para mudar o outro ou a si mesmo?
— A si mesmo.
— Suncê sabe por que?
— Não, vovô.
— Por que Jesus ensinou que para alcançarmos nossa evolução espiritual devemos pegar a nossa cruz e seguí-lo, não a cruz do outro, mas a nossa; assim, meu filho, tenha para com o outro sempre o bom comportamento, independentemente das circunstâncias.
— Entendo vovô, apenas gostaria que fosse mais fácil.
— Então zifio, dando continuidade em seu tratamento, segundo orientação de seus próprios mentores espirituais, Nêgo véio vai passar um procedimento muito formoso para o filho e que é conhecido como: a voz do silêncio.
— Como assim, vovô? Quando alguém praticar um mau comportamento para comigo eu devo calar-me e pronto?
— A voz do silêncio, zifio, é a voz de Deus, nosso pai.
— Quando alguém praticar contigo algo que suncê julgar como mau comportamento, suncê deve silenciar sim, para escutar a voz de Deus; para tanto suncê fará uma oração ao Criador rogando para que àquele mau comportamento não faça reverberar em ti a voz da ira e da tristeza, mas sim a voz do silêncio, àquela que anulará a voz do mau comportamento alheio e a voz do dissabor que tal comportamento provoca em tua alma. Inicialmente será o teu silêncio, um silêncio até mesmo forçado (já que o desejo natural humano é a reação brusca e com potencial para devolver a dor que lhe infringem), mas com fé e permanência na oração, suncê há de alcançar o silêncio que vem de Deus, que é exatamente àquele em que Ele silencia a voz do outro, a voz do mundo e a tua própria voz para que só a Dele se faça presente. Então será neste momento de entronização do Pai contigo que conseguirás praticar o bom comportamento, não por que isto anulará o mau comportamento alheio, mas o efeito deste em você, lembre zifio do ensinamento sagrado: “à cada qual segundo suas obras”.
— Mas vovô, já sendo eu meio quieto, esta ação não poderá fazer com que o mau comportamento do outro para comigo seja reforçado?
— Filho, por que Jesus ensinou é que este Nêgo véio repete: “à cada qual segundo suas obras”. Aja sempre praticando o bem. Se alguém praticar-lhe o mau, pratique a voz do silêncio para que Deus possa abençoar suncê em seu agir. Pratique a voz do silêncio em sua vida ao menos duas vezes ao dia, pois serão nestes momentos de oração que suncê há de alcançar mais contato com Deus e com seus mentores espirituais, conseguirá ouvir a voz Dele e praticará o bom comportamento independente das circunstâncias. O treino fará com que suncê se sinta mais próximo de Deus e, desta forma, zifio, nada te abalará, nem mesmo o que suncê avaliar como mau comportamento alheio, entendeu zifio?
— Puxa vovô, entendi sim, não tenho nem como lhe agradecer.
— E nem precisa, zifio, pois somente à Deus toda honra e toda glória. Vá na força e na luz de Zambi, nosso Pai!
— Que assim seja!
O atendimento acabou, pouquíssimo tempo depois a entidade desincorporou, aproximou-se de mim e tornou a tocar em minha nuca. Foi assim que acordei, de imediato, em cima de minha cama.
Não sei se foi a empatia com o consulente, a energia amiga da entidade benfazeja, ou a oportunidade divina do trabalho (tanto na oração, quanto na escuta), mas levantei-me já numa imensa alegria que se manifestava em forma de lágrimas.
Lágrimas de amor, pranto de reflexão e choro de gratidão por haver aprendido sobre a voz de Deus, audível por meio da oração, alcançável por meio de Seu amor e divinamente representada por três palavras: VOZ DO SILÊNCIO.

Obrigado, senhor Deus! Obrigado, mestre Jesus! Obrigado a toda a falange dos preto-velhos ( ainda que os senhores digam que só devemos agradecer a Deus), por toda a oportunidade de aprendizado!

Um comentário:

Karol disse...

Pedro, vc não vai acreditar que eu, depois de tanto tempo vim aqui em seu blog hoje e estou com vc em minha mente desde cedo!
Saravá a falange dos nossos vovôs que incansavelmente nos ensinam a viver melhor!

Grande abraço, Saudades, karol!