ÍNDICE:
Prefácio…………………………………………………...2
Prólogo……………………………………………………4
Capítulo I (momento de despertar)…………………....7
Capítulo II (momento no mar)…………………………12
Capítulo III (um momento no tempo)………………....29
Capítulo IV (um momento de
contrariedade)………..38
Capítulo V (momento para Levy)……………………..41
Capítulo VI (momento para Lílian)……………………46
Capítulo VII (momento para Efram)…………………..54
Capítulo VIII (o primeiro momento da
jornada)……...66
Capítulo IX (o segundo momento da
jornada.............71
Capítulo X (a jornada em seu terceiro momento)…...73
Capítulo XI (o quarto momento da jornada)………….77
Capítulo XII (o quinto momento da
jornada)…………84
Capítulo XIII (o sexto momento da
jornada)…………95
Capítulo XIV (momento de
considerações sobre a jornada)…..................................................................99
Capítulo XV (momento de
travessia)………………..118
Capítulo XVI (momento de
reflexão)………………...127
Capítulo XVII (momento para uma
análise sobre o tempo)…………………..............................................137
Capítulo XVIII (momento para o
perdão)…………....147
Capítulo XIX (momento para
exercitar amor)……...155
Capítulo XX (momento para a
umbanda)…………...160
Capítulo XXI (momento para
esclarecimentos)…….177
Capítulo XXII (momento de preparação
para o reencontro)………….................................................183
Capítulo XXIII (momento para conhecer
Lucas)…...188
Capítulo XXIV (momento para reflexões
adicionais)195
Capítulo XXV (momento para rever o
mar)…………209
Capítulo XXVI (momento para o
reencontro)……….218
Capítulo XXVII (momento para mais um
reencontro)………….................................................224
Capítulo XXVIII (momento para
descobertas e autoconhecimento)………….....................................240
Momento para o e epílogo……………………………253
Posfácio………………………………………………...264
PREFÁCIO:
Segundo a definição gramatical, o momento é um
espaço de tempo indeterminado, a ocasião precisa em que sucedem ou se dão
certas circunstâncias.
Em uma só encarnação passamos por inúmeros
momentos ordinários, corriqueiros como, por exemplo, a hora de dormir,
acordar, alimentar-se, trabalhar, higienizar-se, sorrir, pensar, sentir e agir.
Ao contrário do que possa parecer numa
primeira análise, estes momentos são muito importantes e essenciais para nossa
sobrevivência e aprendizado sobre qual a melhor forma para realizá-los a fim de
que possamos otimizá-los, ensiná-los e evoluírmos.
Na verdade, estes momentos, comuns,
servem de ensaio, preparação a moldar a nossa forma de pensar, sentir e agir
quando nos depararmos com outra forma de momento: àqueles
extraordinários.
Momentos extraordinários são ocasiões
oportunizadas para que possamos colocar em prática tudo o que aprendemos sobre
o proceder ético para com Deus, nós próprios e o nosso próximo.
Ao nos depararmos com tais momentos,
devemos refletir bastante e eticamente antes de agirmos, pois
todas as ações que semearmos produzirão frutos que serão, obrigatoriamente
e em tempo certo, coletados por seus semeadores.
A grande diferença reside no fato de que o
tempo da semeadura é o agora, mas o da colheita não nos cabe determinar, pois
pode ser em uma encarnação, duas, três, séculos, milênios ou pelo tempo
determinado por Deus.
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Plantar as sementes do bem envolve disciplina,
foco, amor e muita paciência. Quem as planta, começa a entender que a
pressa não fará com que brotem ou frutifiquem mais rápido, então este semeador
encontra condições de desenvolver e ampliar o divino sentimento da fé em Deus.
Assim, gradualmente, semear os grãos da
caridade, do perdão, da alegria e da esperança, tornam-se momentos ordinários
para eles, assim como dormir e acordar; todavia também os prepara para os
momentos extraordinários e que são justamente àqueles que servem de teste para
sabermos se, com Cristo e seus divinos mensageiros, estamos domando as nossas
más tendências e agindo, para conosco mesmos e com o próximo, conforme a lei de
amor ensinada pelo mestre Jesus.
Tudo o que, hoje, coletamos de felicidade foi
exatamente resultado destas mesmas sementes, por nós plantadas, outrora e assim
também o é com os grãos dos infortúnios semeados.
A história que veremos a seguir, assim como a
nossa própria vida, foi feita de momentos.
O seu objetivo é exultarmos a
importância de sermos usuários de todo o tempo que tivermos
disponível para plantarmos os grãos do amor, pois a coleta das
sementes plantadas e de natureza oposta a estas produzem dor, tristeza e
remorsos que só poderão ser resgatados ao entendermos a importância da prática
da lei de amor, ainda que somente pela força do tempo.
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PRÓLOGO:
Desde a infância, sem que soubesse explicar, sempre me vi envolto em
pensamentos e sentimentos que me provocavam profunda tristeza. Apenas o que eu
conseguia reparar era que em certos momentos, ocasionalmente, minha mente
vagava para um tempo que não sabia definir, mas que me provocava intenso
contentamento, todavia, quando minha consciência retornava para o momento
presente, todo este júbilo virava imenso pesar, não porque eu não fosse
extremamente feliz com minha família na atual encarnação, mas porque aquele
contentamento não seria possível reviver.
Passaram a infância e a adolescência com a ocorrência destes fenômenos,
mas sem que eu conseguisse explicá-los.
Somente na juventude, ha cerca de vinte e cinco, trinta anos atrás foi
que em certo dia, de repente, acordei sem nunca mais sentir a mórbida saudade e
a posterior melancolia.
Nesta época eu praticamente não possuía conhecimento sobre a umbanda e
pouquíssimo sabia sobre o espiritismo ou qualquer doutrina que trate das coisas
do espírito.
Todavia sempre tive fé em Deus, assim, em um destes momentos em que rogava
a Ele, por meio de preces, uma explicação para aquele mistério, fui
espontaneamente agraciado com a informação de que, a partir daquele dia, eu
ficara livre das recordações e da melancolia.
Não recebi muitas informações e acredito que não possuía condições para
recebê-las na época, todavia fui esclarecido que havia sido abençoado e que
somente deveria ser grato a Deus, pois apenas em tempo certo eu conseguiria
entender o que houve.
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Dito isto, preciso ressalta que a história contida neste livro não diz
respeito a minha pessoa, mas que, sem dúvidas, fez-me entender como ocorreu a
benção recebida por mim há tanto tempo atrás.
Pois somente Deus e meus familiares mais próximos poderiam testificar o
tamanho da benção por mim recebida devido as consequências benfazejas deste ato
de misericórdia divina, porque foi como se o divino criador, curando algo que
causava intenso sofrimento psíquico, houvesse libertado a mim de minha própria
prisão.
Na realidade, poucos dias após a conclusão desta experiência, eu fui assistir
a um filme de animação que se passava justamente no período da história antiga
em que se passa parte de nossa história. Antes de seu término, sem que soubesse
explicar, estava muito emocionado e sensível com toda uma história que eu já
conhecia completamente, mas que naquele dia tocara profundamente em minha
sensibilidade. Fiz uma prece rogando a Deus para que serenasse minhas emoções e
Ele a atendeu, além disto, como uma graça divina, algum amigo espiritual
disse:" não se preocupe com o ocorrido, um dia você a tudo
entenderá".
Também é importante dizer que as informações contidas nesta história
também vieram a esclarecer o extremo e intrigante fascínio e respeito que
sempre despertou em mim a figura do grande legislador hebreu, desde a infância.
A respeito disto, inclusive, não haveria como não mencionar um embate de
ideias travado com meu pai (que fora seminarista durante a adolescência),
quando eu tinha apenas nove anos de idade, a respeito do libertador do povo
hebreu.
O embate deu-se porque eu defendia, com todas as forcas de uma pueril
argumentação, a ideia de que a missão do grande legislador hebreu fora muito
mais difícil, penosa do que aquela realizada pelo mestre Jesus.
Em minha infante consciência havia a noção de que, por ser filho de Deus
e um só com o pai, Jesus pouco sofrera por já saber tudo o que lhe
aconteceria.
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Foi assim que meu pai apresentou para mim toda a história da vida de
Jesus, esclarecendo o fato de que ter a habilidade de conhecer o porvir não o
eximia do sofrimento em constatar a intensidade da maldade presente entre os
seres humanos. Enfim, orientou que eu procurasse conhecer, a fundo, a história
de Jesus da mesma forma que eu conhecia a história de Moisés. Recordo que ele
encerrou o dialogo dizendo: " Saia dos gibis e vá estudar um pouco mais a
bíblia, então nos voltaremos a conversar".
Depois que estudei sobre a história de Jesus, não foi preciso retomar o
diálogo com o meu pai, por que pude compreender o que ele antes explicara. Após
tal leitura passei a refletir no tamanho do sofrimento e do exemplo, ofertado
por Jesus, para que todos nós tivéssemos condições de buscar nos libertarmos do
mal por meio da prática de seus luminosos ensinamentos: amar a Deus acima de
todas as coisas e ao próximo como ele nos amou.
Mais de uma década depois, quando já estudava os textos espiritas, foi
que compreendi, de fato, o imenso amor de Jesus pela humanidade. Um amor tão
intenso, impoluto, sublime que o levara a preparar-se por dez séculos a fim de
que pudesse encarnar entre nós, seus irmãos de jornada.
Atualmente, eu tenho o discernimento entre a missão de Jesus e a do
grande legislador hebreu, pois este conduziu todo um povo até a liberdade,
enquanto Jesus veio a nos ensinar os procedimentos para que toda a humanidade
possa alcançá-la: praticando a lei do amor, primeiramente a Deus, mas também
em relação ao próximo.
Foi desta forma que, desde a infância, entendi a importância de amar a
Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a si mesmo.
Já há muito tempo entendo que Jesus é incomparável, todavia o meu amor ao grande libertador do povo hebreu, nesta encarnação, jamais precisou ser ensinado, uma vez que era nato, profundo e potente. Era algo sobre o qual nunca consegui compreender até que Deus abençoou-me com o esclarecimento dos amigos do plano maior.
Que a leitura desta história, ocorrida entre vinte e cinco a trinta anos
atrás, também possa abençoar a sua vida imensamente, da mesma forma que me abençoou e vem abençoando até os dias de hoje!
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CAPÍTULO I - MOMENTO DE
DESPERTAR
Estava bastante sonolento antes de deitar,
ainda assim, já acomodado na cama, realizei uma prece e, instantes após,
adormeci. Eis que, talvez por minha consciência haver recém-despertado do
estado de vigília, acabei por sentir-me um pouco entorpecido, mas avistei a
presença de alguém que, de prontidão, me aguardava.
Era o irmão Erasmo que, nos últimos meses,
vinha me acompanhando e orientando na preparação de trabalhos a serem
futuramente realizados.
Ele explicara, anteriormente, trabalhar na umbanda sagrada pela falange dos
marinheiros. Possuía estatura mediana, aparentava ser uma pessoa de meia-idade,
tinha uma aparência agradável e uma forma bem direta de dialogar e passar
informações. Ele aguardava meu desprendimento parcial do corpo físico.
Observando o estado de leve torpor em que me
encontrava, Erasmo solicitou que eu fechasse os olhos e aplicou um passe
energético em meu benefício.Tal procedimento fez com que, em poucos instantes,
a tontura fosse definitivamente embora. Ele, então, disse a mim:
— Ainda sem realizar plenamente as
preces e meditações a que foi orientado proceder momentos antes de deitar-se
para dormir, não é mesmo companheiro?
— Não tenho como negar, irmão Erasmo, eu
realmente não agi conforme orientado.
— Companheiro, nem as vicissitudes da vida ou
as atividades rotineiras devem impedir-lhe ou alterar o seu propósito de firmar
suas orações a Deus e a seus mentores antes de deitar-se. Se você assim o
fizer, não será necessário a aplicação de passes energéticos, em seu benefício,
para aclarar a tua consciência quando momentaneamente te afastares do invólucro
carnal. Compreenda que realizo este procedimento, a teu favor, porque assim sou
ordenado por minha senhora; assim você precisa entender que o que faço é devido
à necessidade da execução da tarefa, não por que tenha o dever automático de
auxiliá-lo, ou por que me compadeça do entorpecimento causado por tua
imprevidência, pois o mais importante é a tarefa, então executo o meu papel
para ela poder ser devidamente realizada.
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Devo confessar que me encontrava intimamente
desconcertado com aquelas ponderações que, ainda que tão diretas, eram
plenamente necessárias e justas. Talvez aguardando o finalizar de minhas
reflexões a respeito do que me dissera, Erasmo continuou, ao perceber que o
objetivo fora alcançado:
— Da mesma forma que eu, você também
deveria executar corretamente a função que foi a ti, designada. Orar e meditar
é custoso para você? Entenda que também é custoso para mim, ter de realizar
tarefas que seriam perfeitamente dispensáveis se você agisse com correção antes
de deitar-se para adormecer, pois, enquanto aqui estou ministrando-lhe passes e
proferindo palavras para aguçar, em ti, o processo de autorreflexão, saiba que
existem pessoas aguardando tua presença na realização da tarefa desta noite,
entende? O lenitivo a estas pessoas está sendo adiado não por um
motivo de força maior, mas pelo teu desleixo. Até percebo que se encontra
envergonhado com o que lhe digo e a vergonha é um bom sinal, pois mostra arrependimento,
contudo sem um desejo de mudança e uma vigorosa troca de atitude, ela pouco lhe
será útil, compreende?
— Perfeitamente, irmão Erasmo, você tem toda a
razão. Procurarei modificar meu padrão comportamental com mais afinco.
— Espero que assim realmente o faça
companheiro, pois é você que tem atrasado seu aperfeiçoamento mediúnico para a
seara da caridade, mas dito isto, vamos trabalhar?
— Vamos! Procurarei dar o meu melhor para a
execução da tarefa que me for designada.
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— E eu não tenho como esperar menos de
você, mas vamos, pois, já é chegada a hora.
Tocando com a ponta do dedo indicador de cada
uma de suas mãos nas laterais do meu crânio, ele determinou que eu fechasse os
olhos e fixasse o pensamento no mar sagrado, então, em questão de instantes, fomos
transportados para a orla de uma praia. Ele, então, disse:
— A tua tarefa o aguarda, assim como o
beneficiário da misericórdia divina. A depender de mim, primeiramente
executaríamos a tarefa e, somente após, procuraria esclarecer teus
questionamentos conforme tua capacidade de compreensão, todavia, como disse
antes, sou servo leal de minha senhora e é ela quem lhe permite que o contrário
seja realizado, assim peço-lhe que apresente sua dúvida, mas sem olvidar os
necessitados das bênçãos divinas.
— Irmão Erasmo, gostaria de entender como
pudemos parar aqui se não volitamos.
— Simples, companheiro: a mola motriz de nossa
movimentação esta noite foi a força do pensamento direcionado. Este é um
procedimento pouco mais complexo que a volitação, mas você sabe fazê-lo.
— Eu?
— Perfeitamente! Teu espírito imortal sabe,
mas ele, formatado que está em tua atual encarnação, precisa ser trabalhado
para plena execução de tal atividade; desta maneira, orando e meditando antes
de adormecer, facilitará em muito tal trabalho.
— Da forma como fala, irmão Erasmo, tenho a
impressão de que estou retardando, vigorosamente, o desenvolvimento do meu
procedimento de aprendizagem extra-corpórea.
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— Correta está a tua observação, companheiro,
mas não sinta pesar, pois o processo de mudança está em suas mãos e, se é
possível mudança, para que mesmo serviria qualquer pesar, não é mesmo?
Fiquei tão impressionado com a lógica direta
daquele revigorante pensamento que disse:
— Você tem toda a razão, irmão Erasmo!
Com fé em Deus, eu vou mudar!
— Isto companheiro! É assim que se fala e
percebo, em ti, focos iniciais de um despertar consciencial, mas eis que é
chegada a hora. Vamos trabalhar?
Sorri com a espontaneidade resoluta daquele
chamamento e respondi-lhe, sincera, mas somente:
— Vamos!
Ele, então, aproximou-se de alguns seres que
pela vestimenta, magnetismo e postura militar deduzi serem guardiões. Na
realidade, Erasmo conversava com um deles, àquele que, pela insígnia anexada ao
uniforme, deduzi ser o líder daquela guarnição. Foi justamente ele que,
empunhando a destra em riste, deu o comando para que cada um ficasse
posicionado em realizar a tarefa que lhes cabia àquela noite. Retornando para
perto de mim, ladeado a ele, disse-me Erasmo:
— Minha tarefa, por hora, está cumprida.
Deixarei você ao cargo do meu chefe, Exu da Praia.
Ele, então, estendeu-me a destra e eu devolvi
o gesto, dizendo:
— Obrigado por tudo!
Erasmo sorriu e, logo após, entrou mar
adentro, desaparecendo em frente aos meus olhos. O guardião, então, posicionou-se
à minha frente e, sem dizer ao menos uma palavra, passou a fitar-me
incansavelmente. Minha primeira reação foi um frio na espinha, pois aqueles
olhos negros e resolutos pareciam perscrutar os segredos de minha alma,
mas não desviei o olhar já que aprendi que Exu não faz o mal, dai então,
mentalmente, observei que o que ele sondava em mim, eram minhas limitações e
imperfeições no que diz respeito à mediunidade e ao seu desenvolvimento; a
seguir senti meu corpo mais leve como se algo negativo houvesse sido retirado
de mim e, nesse momento, ele deu uma estrondosa gargalhada para continuar a
olhar-me fixamente e foi assim que, olhando em seus olhos, vi refletidos os
meus equívocos desleixados no campo mediúnico: cada um deles! O guardião então,
sem tirar os olhos de minha direção, passou a balançar a cabeça negativamente
como se quisesse trazer-me autorreflexão. Não saberia precisar por quanto tempo
este procedimento ocorreu, mas observei que, ao terminar, sentia-me ainda mais
leve. Então cheguei a conclusão que aquele guardião, muito possivelmente,
estaria aplicando alguma forma de magia mental desvitalizadora para me
descarregar de energias negativas, provenientes de minhas faltas no campo
mediúnico, preparando-me, assim, para os trabalhos da noite.
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Enquanto refletia a respeito, o Exu deu outra
sonora gargalhada e parou de balançar a cabeça para tornar a fitar-me, porém,
desta vez, seu olhar tornou-se um espelho de todas as minhas intenções e
propósitos positivos no que tange à mediunidade. Aquele olhar foi fazendo-me
sentir empoderado, forte e capaz. A cabeça do Exu passou a balançar
positivamente e aquela sensação positiva foi aumentando em meu ser até que meu
corpo sacudiu-se todo, então o Exu da Praia deu mais uma gargalhada. Foi então
que pensei compreender a atuação daquele ser: primeiramente,
manipulando magísticamente o fator desvitalizador, ele me
descarregara para a seguir e, já empregando o fator vitalizador, poder
fortificar em mim os bons propósitos.
Devo dizer que aquela atuação revigorava e
reverberava em mim profundo sentimento de gratidão a Deus e a toda falange dos
guardiões. Ainda que silenciosamente, eu parecia escutar e compreender tudo
aquilo que aquela entidade queria que eu entendesse através de seus gestos. Foi
aí que ela, como confirmando minhas confabulações, tocou-me o ombro e disse:
— Quase tudo!! Hahahahahahaha!!!!
— Cabra!
— Sim, senhor Exu da Praia!
— Senhor só existe um e está no céu. Eu sou
tratado enquanto Exu da Praia ou Exu.
— Perdão.
— Não há o que perdoar! Há o que se entender!
Você compreendeu o que eu disse?
— Sim.
— Então está tudo certo. Cabra?
— Sim, Exu da Praia.
— Sua preparação ao trabalho terminou.
Assuma-o!
— Perdão, mas como assim?
— Teu trabalho o aguarda. É só isso.
— Qual trabalho?
— Tudo o que precisava ser dito e feito, foi
feito: agora é com você! Só devo recordá-lo de que tudo o que você necessita
encontra-se dentro de você. Eu e meus companheiros aqui
estamos apenas oferecendo suporte para que você tenha condições de fazer
tudo o que precisa ser feito. Boa noite!
E, com aquela explicação, ele calou-se.
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CAPÍTULO II - MOMENTO NO MAR
Honestamente? Não havia entendido nada. O
irmão Erasmo dissera que eu fora levado até o local para, com Deus, tentar
auxiliar uma pessoa. Não vou nem falar da minha sensação de incapacidade em
poder auxiliar alguém com todas as minhas imperfeições, até mesmo por que, para
que alguém pudesse ser ajudado, eu primeiramente deveria vê-lo, mas onde
estaria tal pessoa? Percebi que o guardião continuava a ouvir mentalmente
minhas dúvidas e inquietações, mas seu olhar firme e inabalável em direção ao
mar fez-me recordar de que tal ordem a ele fora dada, ou seja, caberia a ele,
tal qual a mim, apenas obedecê-la.
Desta forma, passei também a observar o
rebentar das ondas na areia. Em seguida, aproximei-me mais da água, mas somente
até onde ela cobrisse os meus pés à altura do tornozelo, fechei os olhos e
passei a realizar uma atividade de relaxamento que, curiosamente, trouxe à
minha consciência, ensinamento já aprendido anteriormente e relativo
à necessidade de abrir-se para o sagrado antes da realização de qualquer
procedimento magístico e/ou religioso em campos de força da natureza.
Assim, pude perceber consciencialmente encontrar-me diante do mar, este espaço tão sagrado, como se estivesse a lazer. Envergonhei-me de meus pensamentos e imediatamente ajoelhei-me ao solo. Recordando-me de lições anteriores, tracei pequena cruz na areia e então, já de olhos fechados, roguei ao divino criador que em mim, fossem encerrados todos os pensamentos e sentimentos mundanos em relação àquele ponto de forças da natureza para que, a partir daí, eu pudesse apenas sentir e vivenciar todo o aspecto religioso daquele local à qual fora levado para fazer o bem.
12
Inundado por aquele amor divino, tornei a fechar os olhos e realizei sentida prece de gratidão ao Criador por estar vivenciando tal momento.
Sentindo-me completamente renovado, voltei a abrir os olhos e me virei de
modo a retornar para próximo do guardião, no local onde anteriormente
estava, todavia o que avistei estancou-me o passo, pois pude observar que um
homem, de aproximadamente trinta e cinco anos e ligado a um cordão
fluídico prateado, estava sentado em uma cadeira próximo de onde eu anteriormente
me encontrava.
Não entendi como aquela pessoa aparecera ali e
só pude concluir tratar-se de quem eu deveria procurar auxiliar naquela noite.
Respirei profundamente em gratidão ao divino criador pela oportunidade de
trabalho e aproximei-me da pessoa em questão, todavia enquanto andava em
direção a ela, notei estranhamente que ela parecia não conseguir enxergar a mim
e pude comprovar minha dedução quando, já de frente para ela,
constatei ignorar minha presença.
Pensei bastante para tentar entender a razão
daquela situação, já que o guardião ainda em nada deveria auxiliar-me,
e só pude chegar a conclusão de que nossos níveis conscienciais
estavam tão diversos que eu, vibratoriamente, estava invisível para
ele.
Para que ele pudesse me ver, eu deveria densificar minha energia até que me tornasse perceptível. A grande questão é que eu não tinha a menor noção de como agir para transformar meus pensamentos em realidade.
Ocorre que dentro de mim, havia pensamentos que me fizeram chegar àquela conclusão a respeito do fato que ocorria, mas eu nunca recebi uma orientação sobre como proceder para resolver o impasse.
13
Olhei para a lua cheia no firmamento e
tal beleza, por um instante, parecia até mesmo haver levado a ansiedade de
minhas preocupações. Pensei, pensei e pensei, mas intui que não chegaria
até a resposta da equação somente pela razão, pela lógica, afinal, eu poderia
até não saber, mas Deus, que sabe de todas as coisas, poderia intuir-me sobre
como deveria agir para conseguir fazer o bem ao próximo. Ajoelhei-me ao lado do
homem e, de joelhos, fiz uma prece ao divino criador:
“Senhor Deus, agradeço pela oportunidade
de aprendizado que a mim, está sendo ofertada esta noite. Ainda que muitas
vezes um tanto relapso seja com o aprendizado acerca das coisas do espírito,
gostaria de saber um pouquinho mais do que agora sei para poder auxiliar este
irmão aqui sentado ao meu lado, pois ele não consegue enxergar-me. Tenho uma
dedução a este respeito para a solução deste problema, todavia não
sei como concretizá-la, contudo ao senhor, que sabe de todas as coisas, ainda
que eu não saiba como, rogo que me ilumine a este respeito, não em nome da
vaidade, do orgulho e da presunção, mas em nome da caridade, senhor Deus. Aqui
hoje estou apenas como instrumento de Tua vontade, assim aja como melhor Lhe
aprouver, mas não permita que este nosso irmão, devido às minhas limitações,
fique sem o lenitivo de que veio para receber de Ti. Que assim seja!!”
Descerrei os olhos e imediatamente me virei em
direção à pessoa sentada, assim constatei que ela, ainda, não podia
enxergar-me. Nisto, uma voz feminina disse a mim:
— Nem poderá!
Levantei-me e, ao virar-me, vi uma mulher
com aproximadamente 1,70 m, traços delicados, mas também firmes, em
que se destacavam os olhos amendoados na mais perfeita coloração marrom
clareada. Refazendo-me do susto, então disse a ela:
14
— Perdão, se eu me assustei, mas é que
eu ainda não havia lhe visto.
— Nem poderia!
— Mesmo? Por qual motivo?
— Porque estava
num nível vibratório diverso do qual me encontro.
— Entendi, então você densificou sua energia
para fazer-se visível a mim. Foi isso?
— Exatamente!
— Se não for muita petulância, teria como
você auxiliar-me a realizar este procedimento?
— Hoje não será necessário.
— Não? Como ajudarei, então, este nosso irmão
aqui sentado?
— Por meio da prece!
— Mas se devo ajudá-lo por meio da prece,
por que apareceu para mim?
— Você não orou a Deus, pedindo
orientação para fazer o bem?
— Sim, isso!
— Estou aqui para te explicar como
proceder para executar tua tarefa desta noite.
— A senhora esteve aqui este tempo, mas só
consegui vê-la há instantes.
— Você deve aprender a ser mais
responsável pelos seus atos, pois, como disse o companheiro Erasmo, uma boa
prece, antes de deitar-se, faria toda a diferença para você.
— Entendo. Posso fazer uma pergunta?
15
— Certamente.
— Pude ver instantaneamente o irmão
Erasmo, assim que ele foi buscar-me esta noite. O mesmo ocorreu com o Exu da
Praia, todavia apresentei certa dificuldade em visualizar o irmão que se
encontra aqui sentado, mesmo estando ele, assim como eu, encarnado. Pude então
deduzir que, se houvesse realizado preces corretamente antes de deitar, então
não estaria tão distraído para realizar a tarefa que me
foi incumbida esta noite, não é assim?
— Perfeitamente.
— Posso, depreendendo deste raciocínio, fazer
uma nova pergunta?
— À vontade.
— Como avistei o irmão Erasmo e o
Guardião da Praia instantaneamente, mas tive dificuldades em ver você que, até
mesmo, teve que densificar sua energia para fazer-se visível a mim, então
deduzo que sejas um espírito superior, é isto?
— Não percebo ninguém enquanto inferior a
mim e, se não há ninguém inferior a mim, então não acredito ser superior a
ninguém.
— Perdão, talvez não tenha me expressado
corretamente. Refiro-me à categoria de classificação dos espíritos segundo as
faculdades adquiridas e imperfeições das quais ainda precisam se libertar,
entende?
— Certamente, meu irmão. Apenas digo não possuir capacidade de julgar se meu proceder ao longo das encarnações e no intervalo entre estas poderiam fazer com que eu fosse enquadrada nesta ou naquela categoria, compreende? Procuro apenas pautar os meus atos pelos ensinamentos do mestre Jesus.
16
— Para assim fazê-lo, necessito calar o meu
ego e deixar que Cristo viva em mim, isto não e
nada fácil. Entender que a evolução espiritual é individual, mas
que ocorre somente à medida que se expande a compreensão de que todos nós
fazemos parte de uma coletividade, que somos também responsáveis por ela. Que o
pouco que temos, será o suficiente para o bom desenvolvimento de um irmão que
ainda não possua o grau de entendimento que você possa compartilhar. Que este
mesmo irmão, quase sempre, também tem algo a contribuir para teu crescimento
espiritual, justamente naquilo que ainda não te esforçaste o suficiente para
aprimorar. Até hoje vejo que, ainda que tenha a ensinar, também possuo muito a
aprender. Entende?
— Penso que sim.
— Hoje já aprendi que todas
as relações que desenvolvi ao longo das
jornadas reencarnatórias nunca foram para me dar a sensação de posse,
assim nunca existiram, ao logo das encarnações, meu pai, minha mãe, meu irmão,
minha irmã, minha família, minha vizinhança, minhas amizades e assim
por diante. Todos foram oportunidades ofertadas pelo divino criador para que eu
pudesse obter o aprendizado necessário para minha evolução espiritual e, ao
longo das jornadas, tentar contribuir com a evolução deles e de outros. Todos
devem ser nossos pais, nossas mães, nossos irmãos, nossas irmãs,
nossos vizinhos, amigos, enfim nosso próximo. Para que isto seja possível,
devemos dilatar a nossa percepção acerca do amor.
— Tenho procurado ampliar meu entendimento
sobre este divino sentimento e a aplicabilidade desta compreensão a favor de
nossos irmãos de jornada, mas compreendo que, com o amparo do mestre Jesus,
posso ampliar, ainda mais, o alcance desta capacidade de amar, não para ser
melhor que ninguém, mas para ser melhor que eu mesma, pois foi para isto que
todos nós fomos criados: amar, amar e amar indistintamente.
— Todos somos um, todos temos Um, mas só
iremos aos braços de Um, quando amarmos a todos como um, ou seja, com Um.
Um é o senhor Deus, nosso pai e um é a unicidade que só pode
ser desenvolvida ampliando-se a noção de amor.
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As informações que passava para mim, como eram
passadas, além da vibração de amor intensa que conseguia captar daquele ser,
traziam uma sensação de alegria, paz e confiança na providência divina tão
grande que mareava meus olhos de emoção e apenas fortaleceram minha crença
de que estava diante de um espírito superior, ainda que ele, provavelmente pela
genuína humildade, assim não se reconhecesse. Respirei profundamente, para
serenar as emoções, e indaguei:
— Você emana uma gigante energia de paz
e bem-estar, sabia? Poderia saber o seu nome?
— Bondade sua, meu irmão. Estes
sentimentos benfazejos que você consegue sentir e captar são provenientes
tão-somente do amor de Deus materializado neste ponto de força da natureza e
potencializado por Sua luz misericordiosa a nos iluminar, na noite de hoje, com
o brilho irradiado dos astros no firmamento. Quanto a minha identidade, posso
dizer que somos indistintamente Maria.
— Somos? Mas consigo ver somente a
ti.
— Outras de nós estamos aqui, mas eu fui
a designada a auxiliar-te na tarefa desta noite. Nosso nome não importa, apenas
o trabalho em nome do Cristo e de Nossa Mãe divina. O que realmente importa é
sermos um com o Um, entende? Levar o bem-estar e amor ao próximo é que
deve ser nossa única identidade.
— Entendo que você seja uma irmã
pertencente à falange de Maria. Compreendo também o tanto de abnegação,
altruísmo, benevolência e caridade que praticou e continua a praticar com
devoção tamanha que te fez meritória em estar agregada nesta corrente de
intensa luz a favor do Cristo e da humanidade e, honestamente, não me vejo, em
absoluto, enquanto merecedor de estar diante de um ser divino como você.
18
— Você, quase sempre, manifestando
este menosprezo por si mesmo, não é meu irmão? Sou um ser tão divino como
você, como qualquer ser humano, pois todos viemos de Deus. A vaidade é um
perigo, a falsa humildade também, contudo, não o observo emanando tais
vibrações ao dialogar comigo, todavia tenha muita atenção
a desvalorização que você possui acerca de suas
potencialidades e qualidades enquanto ser humano, filho de Deus e
irmão em Cristo, pois é ela que te faz julgar-se imerecedor das bençãos de
Deus e, deduzindo deste autojulgamento, se não te sentes merecedor
das bençãos do Alto, para que fazer preces, não é mesmo? Para que
meditar e fazer tua parte no papel que lhe cabe enquanto mediador dos amigos
espirituais, não é verdade?
— Custa-me crer que a senhora me conheça a tal
ponto!
— Senhora, só a nossa Mãe no céu. Pode
chamar-me de você.
— Tudo bem. Imagino que vocês devam ter
tanto trabalho, que me vejo surpreendido com a análise acertada que você acaba
de realizar em relação a como tem sido meu proceder com as coisas do espírito.
— Esta tua surpresa também diz muito
deste menosprezo, entende? Entre os encarnados é comum o uso de máscaras
tanto para não perceberem quem vocês sejam, mas também para continuarem na
comodidade de serem quem vocês são, entretanto, na pátria espiritual estas
máscaras não funcionam em absoluto. Em você, por exemplo, é notória a
transparência e retidão em querer seguir o caminho trilhado por Jesus, mas para
continuar a andar por esta estrada, você precisa trabalhar, com Deus, a
respeito destes pensamentos e sentimentos perniciosos a respeito de si próprio,
compreende?
— Entendo sim.
— Então vamos agir?
— Certamente. O que devo fazer?
19
— Vamos colaborar para o bem-estar deste
nosso irmão.
— Se for possível, de modo
a auxiliá-lo da melhor forma, teria como você explicar o porquê dele
encontrar-se estático, paralisado como uma estátua? Parece que ele se encontra
aprisionado na cadeia de seus próprios pensamentos.
— Muito bem observado, meu
irmão! Esta tua percepção é fruto do desejo de fazer bem ao próximo. No
caso deste irmão, ele assim se encontra devido a estar em estado
comatoso.
— Ele encontra-se em coma, no leito de um
hospital, é isso?
— Exatamente.
— Todo mundo que se encontra comatoso
fica neste estado?
— Nem todos, pois muita coisa depende dos
aspectos mentais e emocionais.
— Interessante você dizer isto, pois
consigo captar nele muito sentimento de culpa.
— Tua sensação está correta.
— Verdade?
— Certamente. Nosso irmão Lucas sente-se
extremamente responsável por desastre causado a sua família.
— Meu Deus!
20
— Meu Deus!
— No plano físico ele encontra-se
comatoso devido ao aneurisma, contudo no plano espiritual ele
encontra-se neste estado devido à culpa.
— Deus do céu! Há quanto tempo isto
ocorreu?
— Cinco anos.
— Cinco anos! Ele encontra-se neste
sofrimento há cinco anos?
— O tempo passa diferente entre o mundo
terreno e o espiritual e, nisto, a relatividade não é só teoria, mas uma
realidade e, ainda que esteja junto a matéria pelo cordão fluídico, a imersão
no sentimento de culpa perturba ainda mais a percepção da passagem temporal.
— Meu Deus!!! Tudo isto é trágico e muito
triste.
— Verdade, meu irmão, mas em tudo está
presente a misericórdia divina, inclusive nas tragédias.
— Disto não tenho dúvidas, mas é muito
difícil entender, sabe?
— Meu irmão, nós necessitamos que você
utilize suas habilidades em benefício do nosso irmão Lucas. Para que isto
ocorra conforme planejado pelos mentores dele, será necessário que você
compartilhe o necessário dos sentimentos e pensamentos presentes nas memórias akashicas
relacionadas a certa encarnação de nosso companheiro.
— Desculpe-me perguntar, mas isto não seria
invasão de privacidade de minha parte?
21
— Teu respeito pelas coisas do divino é
justa e real, mas a realização de tal procedimento só seria antiético se não
houvesse a permissão do Alto, por meio dos mentores espirituais de nosso irmão.
— Entendo, mas é que não sei fazer o que me
disse e creio que deva ser um procedimento bastante complexo para ser aprendido
em uma noite.
— Teu raciocínio possui bastante
coerência, até mesmo por que vocês dois encontram-se encarnados, mas é por isto
que utilizaremos a tecnologia.
— Como é? Tecnologia?
— Perfeitamente. Você sentará ladeado a nosso
irmão Lucas, então nós plugaremos um conector em seu crânio. Antes de sua
chegada ao mar sagrado, eu já plugara tal dispositivo no crânio de Lucas, para
que um mentor espiritual realizasse todo o procedimento junto ao corpo mental
dele e com ele pudesse dialogar, o que já estão fazendo há algum tempo,
inclusive Lucas foi informado de que, em instantes, você também participará do
diálogo junto a eles, após haver aceitado a realização do trabalho para que foi
designado esta noite.
— Antes de começar, teria como você falar
um pouco a respeito de tal aparelho?
— Pouco, sim. Somente o necessário para o bom andamento da tarefa, até mesmo por que vocês, encarnados, ainda não têm condições de compreender tal tecnologia, mas para simplificar, posso dizer que este dispositivo permite o acesso e compartillhamento de memórias akáshicas.
22
— É surpreendente e, com certeza, aceito,
sim, o convite.
— Então, sente-se, por favor!
— Sentei-me e aquele ser de intensa luz, então
disse a mim:
— Feche os olhos, respire profundamente,
sinta o relaxamento induzido pelo rebentar das ondas do mar e permita-me
conduzi-lo ao caminho da prática da caridade.
Fechei os olhos e, após um tempo que me
pareceu muito breve, passei a apresentar indefinível leveza no pensar
e no sentir. Uma paz enorme invadiu o meu ser e levou-me a manifestar um
profundo sentimento de gratidão. Foi assim que minha consciência despertou no
local onde estavam Lucas e seu mentor espiritual a fixarem, em mim, o olhar.
A falangeira de Maria e o mentor de Lucas
brevemente se cumprimentaram e se despediram.
A seguir, o mentor de Lucas, que possuía barba
e cabelos grisalhos em uma cor quase acinzentada, olhar profundamente sereno e
com uma energia carismática abundante, então saudou-me:
— Olá, meu irmão! Sou conhecido como
Carlos. Fez uma boa viagem?
— Parece que viajei para dentro de mim
mesmo e foi tudo muito rápido, mas o nível de lucidez que estou
manifestando e a grande sensação de bem-estar levam-me a afirmar que fiz uma
ótima viagem.
Os dois sorriram diante
de minha espontânea afirmação, então Carlos continuou:
23
— Eu e Lucas estávamos conversando sobre
a chegada de um irmão encarnado que se predispusera em estar conosco, na noite
de hoje, para atuar em prol de seu bem-estar.
Nisto, Lucas, então, disse:
— Exatamente, irmão Carlos! Graças
a Deus! Após o tempo em que estou sendo preparado, hoje será possível o
início do meu processo de cura
.— Nossa, meus amigos. Estou sentindo-me como
se estivesse sendo ansiosamente aguardado enquanto, na verdade, nem mesmo
sei como posso colaborar, inclusive tenho até mesmo uma dúvida, mas não
sei se posso manifestá-la.
Carlos, então, respondeu:
— Antes do início dos trabalhos você não
pode, mas sim deve esclarecer qualquer dúvida, para que tudo possa fluir
naturalmente.
— Irmão Carlos, é que espanta-me ver o
nível de lucidez do Lucas aqui onde estamos, enquanto em seu corpo astral seu
grau de consciência é praticamente inexistente. Ele tem noção a este respeito?
— Certamente que sim, mas vamos deixar
que ele mesmo possa respondê-lo:
— Então companheiro, como o irmão Carlos
disse, eu tenho ciência de que meu corpo físico encontra-se comatoso em leito
de hospital e que meu corpo astral, por ser o mais próximo deste, em muito
reflete o coma, no entanto também fui esclarecido de
que, aqui onde estamos, depois que forem trabalhadas em mim as
moléstias mentais decorrentes de um profundo sentimento de culpa, conseguirei
liberar um real perdão a mim mesmo por tudo que aconteceu a Catarina e Laura,
todavia existem outras etapas a serem percorridas até que
meu corpo seja beneficiado pelos tratamentos que aqui vem
ocorrendo e eu possa, enfim, despertar.
24
— Muito bem explicado, Lucas.
Após o trabalho da noite de hoje, acreditamos que você estará plenamente curado
do sentimento de culpa em todo o aspecto mental. Certamente que, no aspecto emocional,
as benesses recebidas por aqui surtirão efeito; mas o próximo passo será a
complementação deste processo no campo emocional para que, então, tua
consciência reassuma o seu corpo astral de forma mental e emocionalmente
saudável e, mais adiante, este processo se repita em teu corpo físico.
Portanto, meu irmão, nós ainda temos, em Cristo, um pouco mais de trabalho à
frente.
Preciso fazer uma observação e dizer como é
espantosa a complexidade de todo o mundo interno que existe no ser humano.
Vejamos em relação ao Lucas, por exemplo, pois se no corpo físico
encontrava-se comatoso há cinco anos e, no corpo astral, existia todo
o reflexo da enfermidade no plano físico aliado a uma perniciosa enfermidade
psíquica alimentada pelo sentimento de culpa, bem aqui, na dimensão mental, ele
encontrava-se perfeitamente lúcido e isto para mim, é incrível,
extraordinário, sabe? A perfeição de Deus manifestada na criação do ser humano
em toda sua complexidade, sim, mas também em todo o potencial para ser e
refletir Sua divina luz em todas as camadas de que é feito, pois,
em cada uma delas está presente a manifestação de Seu amor e o poder de
Sua misericórdia.
— Carlos sorriu em minha direção como se
meus pensamentos fossem totalmente acessíveis a ele e disse:
— Companheiro Lucas, o que acha de
explicar a nosso o irmão sobre o procedimento que realizaremos hoje?
— Perfeitamente, irmão Carlos! Então
companheiro, hoje eu terei acesso a memórias akashicas relacionadas a
uma encarnação pela qual passei há certo tempo. Segundo o que a mim, foi
esclarecido, o acesso a tais informações fará com que eu entenda
certos aspectos da triste situação em que me encontro nesta encarnação e este
despertar em minha consciência iniciará todo o processo de convalescença mental
e emocional que, em tempo certo, acabará se refletindo em meu corpo físico.
25
— Perfeito Lucas! Aqueles dispositivos
conectados em seus corpos astrais permitirão com que, aqui, você compartilhe de
suas recordações com o nosso companheiro, que também terá acesso a outras memórias
akashicas a fim de que possa executar a tarefa a contento.
Sem sofrear minha curiosidade, perguntei ao
irmão Carlos:
— Como ocorrerá este processo?
— No aspecto mental, mas tudo ficará mais
claro quando você o estiver vivenciando.
— Haveria a possibilidade de você
explicar por que eu devo compartilhar de memórias que são íntimas ao Lucas?
— Escutar, não apenas ouvir, as pessoas
compartilhando as dores em sua existência, contribuindo para que elas as
superem e tenham uma vida mais saudável, especialmente nos aspectos emocionais
e mentais, não é assim que você, um dia, pretende ganhar o pão nosso de cada
dia?
— Sim, mas eu sou apenas um estudante!
— Permita-me complementar tua informação,
hoje, no plano terreno, você é apenas um acadêmico que estuda as ciências
psíquicas e que ainda está quase na metade do curso, mas o que você fará por
lá, será apenas um reflexo do que você já exerce por aqui devido à capacidade
adquirida em existências pretéritas. O compartilhamento mnemônico permitirá a
você, em tempo certo, o auxílio ao companheiro Lucas.
— Tenha fé, companheiro, para que, de
alguma forma, contribua com a saúde psíquica de seus irmãos de jornada assim na
terra, como no céu. Aliás, aqui no plano espiritual isto já ocorre e, no plano
terreno, acontecerá em tempo certo.
— Que assim seja!
Assim, foi com um sorriso que o irmão Carlos disse a nós:
26
— Vamos trabalhar, meus irmãos?
No que respondemos, pelo menos de minha parte,
apenas um pouquinho temeroso:
— Vamos!
— Então peço que se acomodem aqui, na mesma
disposição em que seus corpos astrais estão sentados em frente ao mar, no plano
terreno.
Lucas sentou-se à direita enquanto eu, à esquerda, em uma espécie de poltrona
reclinável disponibilizada no ambiente. O irmão Carlos, de frente para nós,
então disse:
— Eu conduzirei todo o processo
mnemônico. Lucas nos levará para uma de suas vidas passadas onde foi criada a
situação que contribui para seu sofrimento na atual jornada terrena.
Primeiramente, ele nos conduzirá ao local geográfico onde aconteceu tal situação,
após, conduzido por mim, sua tela mental fixará em um ponto físico da natureza,
existente naquela localidade, onde ele mais se sentia em paz. Esta paisagem
ficará, um certo tempo, compartilhada em vossas telas
mentais para ser realizada a calibração necessária à manutenção de uma saudável
condição cerebral em todos os vossos corpos. Em seguida, Lucas estará em
plena recordação da vivência desta sua existência passada. Durante este
período, poderei comunicar-me com qualquer um de vocês dois, mas vocês não
terão condições de se comunicarem entre si, compreendem?
— Sim, irmão Carlos!
— Então fechemos nossos olhos para que
seja iniciada a primeira parte de qualquer atividade em nome da caridade: a
oração.
27
“ Senhor
Deus, nosso pai, criador do céu e da terra, estamos aqui, reunidos em Teu santo
nome, para que se cumpra toda a Sua vontade em nossas vidas, de modo
a que, cada vez mais, sejamos instrumentos confiáveis, bondosos e
misericordiosos de Seus desígnios. Que todas as atividades desta noite sejam
realizadas pelos mais profundos sentimentos de caridade, equilíbrio, ponderação
e amor. Cala em nós, senhor, todas as más tendências, para que o Teu querer
possa falar, agir, cuidar e proteger a todos nós. Que assim seja!”
— Ainda de olhos fechados, meus irmãos,
vamos iniciar os trabalhos desta hora.
— Irmão Lucas, agradeço por tua confiança
e peço que permita-me conduzi-lo, pelo som de minha voz, a uma jornada para
dentro de si mesmo.
28
CAPÍTULO III - UM MOMENTO NO TEMPO
Após a realização de todos os procedimentos,
observei, para minha surpresa, que a referida encarnação de Lucas estava
relacionada ao Egito de alguns milênios atrás e que o ponto de força por ele
evocado era à sombra de palmeiras localizadas à beira de um rio que eu, sem
saber o motivo, tinha convicção de que se tratava do rio Nilo.
A beleza daquela paisagem natural era
deslumbrante e até mais bela do que qualquer expressão de arte que poderia
conceber Monet em suas obras, todavia, não se enganem, a vibração que
pairava no ar, àquela época, era extremamente carregada de pavor,
tristeza, melancolia e apreensão como nunca sentira em toda a minha
vida, pois o ar chegava a ser até mesmo pesado para respirar. Procurei reforçar
minha confiança em Deus por meio da oração e conseguir concentrar-me nas cenas
que se desenrolavam em minha frente.
Quilômetros distantes daquela paisagem, foi
possível observar um homem que, ainda em outra roupagem corpórea, estranhamente
soube tratar-se do companheiro Lucas. Seu nome era Efraim e ele preparava, com
semblante carregado, um frasco do que poderia ser algum medicamento ou um
possível veneno.
Após constatar que ninguém presenciara a cena
que ali se desenrolara, Efraim, emocionalmente descompensado, retornou, a
passos velozes, para junto de gigantesco acampamento, onde se encontravam
dezenas de milhares de pessoas. Ele foi direto para junto de pequena tenda,
onde o aguardava sua mãe, Maya.
— Filho, onde você esteve, que demorou por
tanto tempo? Quase perde sua preleção com nosso irmão, Arão!
29
— Estava resolvendo questões necessárias
antes de continuarmos nossa jornada. De mais a mais, cheguei a tempo,
não foi? Acalme-se!
Ela tentara abordar certa questão com o filho na manhã daquele dia, mas sem
sucesso, assim, habilmente, tentou retomar o assunto dizendo:
— Tenho andado preocupada com você, meu
filho, pois a mansuetude que você deseja transmitir em palavras, não
corresponde à tempestade emocional que sinaliza o seu olhar. Está acontecendo
algo em que eu possa ajudar?
Preciso dizer ser incrível o tamanho da
serenidade que exalava Maya; todavia, a candura na expressão vocal, a ternura
expressa em seu semblante, destacado pela sua longa cabeleira grisalha e amor
em seu olhar, não foram o suficiente para uma resposta compreensiva de Efraim,
que apenas lhe disse:
- Está se preocupando à-toa. Agora
cale-se, pois preciso ir até junto dos anciãos e do Conselho de nosso povo para
escutar o que tem a nos dizer o nosso irmão Arão.
Homem generoso e proativo, mas totalmente
mergulhado na inebriante, mas ilusória sensação de prazer das relações carnais,
foi-se nosso companheiro Efraim em direção onde estavam concentrados os líderes
daquela comunidade.
Foi em cima de pequena elevação, que Arão
falou para àquela pequena assembleia:
30
— Irmãos amados, nosso líder solicitou
que concentremos nossas orações ao Eterno e vivamos em espírito de oração em
nossa jornada, pois nosso Deus esteve com ele e o informou de que, em breve,
faraó partirá, com suas tropas, em direção a nós, por isso…
— ... Estamos próximos da capital e
seguimos viagem a pé, deste jeito seremos dizimados pelos homens de Faraó.
— É verdade! O que será de nós?
— Valei-nos, ó Eterno! O que faremos quando o
povo perceber a aproximação de Faraó e seus asseclas?
Com muito custo, Arão retomou a palavra:
— Irmãos, tenham fé e busquem a paz que
só vem do senhor, nosso Deus, pois a palavra Dele nunca fez e jamais fará
curva. Ele prometeu nossa libertação e não a nossa morte, então, por
que duvidarmos tendo Ele já feito tantos prodígios para que Sua
palavra se cumpra em nossas vidas? O Eterno solicitou a Moisés que transmitisse
a palavra para vocês de modo a serem o que são, ou sejam, líderes do
nosso povo! Esta palavra ainda não deve chegar até as massas, a fim
de que não desanimem, então sejamos incentivadores de sua boa vontade, de
seu ânimo e de sua esperança rumo à liberdade!
Neste exato momento precisei ter mentalmente
com o irmão Carlos, na intenção de esclarecer grande inquietação que passou a
tomar conta de meu ser ao pressentir que o líder daquelas pessoas pudesse ser o
grande legislador hebreu.
Então, ele disse a mim:
31
— Pois não, companheiro, externe as palavras
que traduzem tamanha agitação interior.
— Irmão Carlos, preciso perguntar: este
Arão que estou a experienciar no resgate mnemônico do companheiro
Lucas, é o Arão bíblico? Arão, irmão de Moisés?
— Sim!
— Então o que Lucas está recordando são
eventos relativos ao êxodo bíblico?
— Sim!
— Não entendo, porque sempre pensei que
esta época houvesse sido de grande alegria para o povo hebreu, mas o que estou
sentindo é um pesar, uma vibração tão negativa que talvez só haja algo similar
no umbral e não consigo entender o porquê.
— Irmão, a psicoesfera que você
consegue sentir em relação a este lugarejo tem sua motivação em duas razões: a
primeira delas diz respeito ao sofrimento da comunidade egípcia em decorrência
de todo o sofrimento das perdas de suas plantações, gados, residências, amigos
e familiares provocados por eclipse, chuvas de enormes granizos, doenças,
pestes e mortes; desta forma, o que ocorreu para que fosse fomentada a alegria
de um povo, foi a causa da extrema desgraça de outro.
— Meu Deus, é verdade, você está
falando sobre a ótica dos vencidos! Nunca havia parado para pensar desta
forma! Mas isto me faz pensar em outra coisa, pois observe, irmão
Carlos, vamos tomar como exemplo um juiz que sirva à qualquer comarca terrena,
quando ele tem que deliberar uma sentença entre duas partes que estão em
contenda, ele não vai agir buscando o estabelecimento da vingança ou
da punição, mas sim o da reparação, por exemplo, se eu furto algo de alguém e
vou parar em juízo, o meritíssimo não vai proferir uma sentença para que minha
vítima seja vingada, nem para que eu seja punido, mas para haver uma reparação
em relação ao prejuízo que causei a outrem, então como Deus, o juiz mais
perfeito de todos, haveria de causar tanto mal ao povo egípcio para provocar o
bem ao povo hebreu? Não consigo compreender, por mais que tente!
32
— Você disse bem, companheiro, Deus não
age por vingança ou punição, mas sim por Justiça proveniente do equilíbrio
perfeito de todo o Seu amor com Sua razão, sendo assim Ele reparou todo um
tempo de servidão com a liberdade. Voltemos ao exemplo que
você trouxe ao diálogo: ainda que você tenha furtado a outra pessoa e
o juiz tenha proferido uma sentença reparatória, você teria ficado ditoso com
qualquer sanção reparatória proposta pelo juiz? Não se sentiria punido pelo ato
cometido se lhe fosse imposta privação de liberdade, uma semi-liberdade,
prestação de serviço comunitário ou mesmo uma reparação do valor indevidamente
apropriado de outrem? Ou aceitaria tudo de bom grado?
— Deus que é Justiça, também O é em amor,
assim antes que seja promulgada a sentença reparatória, Ele envia inúmeras
oportunidades para que o infrator se arrependa e mude o rumo de sua jornada
para um caminho de empatia, arrependimento e caridade, mas havendo a
continuidade das infrações, será necessária a vinda da ação reparatória, uma
vez que Ele criou Seus humanos filhos para a prática do
amor incondicional na evolução de Sua obra.
— Então o senhor Deus realmente
enviou às dez pragas ao Egito?
— Não! Foram os egípcios, em especial na
pessoa de Faraó, que com sua soberba trouxeram as dez pragas até si.
Companheiro, posso até mesmo dizer a você que o jugo dos egípcios em relação
aos hebreus não era severo em todo o Egito, mas não posso omitir que o
era na maior parte de seu território. Onde não havia esta severidade, o
escravo hebreu nem mesmo escravo se sentia, já naqueles locais em que a extrema
austeridade estava presente, uma parte dos hebreus encontrava-se acomodada pela
ilusória sensação de dever cumprido que uma rigorosa administração autoritária
provoca (muitas vezes à força da chibata), enquanto outra parte encontrava-se
descontente, mas sem uma liderança a lhe indicar outro caminho.
33
— Assim, o mestre Jesus, intermediando a
vontade de Deus, nosso Pai, esteve com Moisés em vários momentos para guiá-lo
em sua jornada, e isto bem antes de aparecê-lo enquanto uma sarça ardente
.— Meu Deus! Sério?
— Sim companheiro! A sarça ardente foi
apenas uma forma física para que Moisés passasse a crer que Deus estava com
ele, porque os vários sonhos em que recebera as orientações de Jesus, no que
dizia respeito à sua tarefa, não foram suficientes para que Moisés calasse seus
receios enquanto sentir-se o desafiador de todo um imenso império. Não um
império qualquer, mas o maior império daquela época e um dos maiores que já
existiu na história da humanidade. Quando Moisés O viu, em estado de vigília,
enquanto sarça ardente, não teve mais como recusar ao Seu chamado.
— Estas coisas que você diz, são surpreendentes,
irmão Carlos, mas fazem todo o sentido.
— Moisés, companheiro, entre outras coisas,
foi um grande mago.
— Perdão em interromper, irmão Carlos,
mas você está dizendo que Moisés foi um mago, quer dizer então que ele se
utilizava de magia?
— Sim companheiro! Não compreendo teu
espanto.
34
— É que, sabe irmão Carlos, acho essa
coisa de mexer com magia muito perigosa.
— Você acha?
E, dizendo isto, pude ouvi-lo soltar uma
gargalhada tão espirituosa que até eu mesmo, sem que soubesse o porquê, passei
a sorrir. Foi então que ele disse.
— Companheiro, magia tão-somente significa
invocar poderes e propriedades divinas e acioná-los. O verdadeiro mago é aquele
que encontra-se aliançado com as Forças Divinas através de intensa fé
e em conformidade aos desígnios da Lei Maior e da Justiça Divina. Moisés foi
assim, meu irmão, era um iniciado na origem, no meio e, certamente, um dos
maiores que já houve, tamanha a intensidade de sua fé e de sua moralidade com
as coisas divinas.
Na época, ainda sem entender consciencialmente
os conceitos que estavam sendo a mim apresentados, conseguia compreendê-los
emocional e espiritualmente por meio da transparente lógica de seu conteúdo. O
irmão Carlos, assim, prosseguiu.
— Sabendo, Deus, desta intensa habilidade de
Moisés, então o utilizou como um veículo para a manipulação de Seu poder e
libertação do povo hebreu. As pragas presentes nos relatos bíblicos, então, são
efeitos da aliança do Divino Criador com Moisés: Deus, em sua infinita
misericórdia, explicava previamente `a Moisés sobre fenômenos da natureza
que iriam ocorrer através de Seu comando, a fim de que
ele, conhecedor dos fenômenos secretos da natureza, pudesse captá-los,
manipulá-los e movimentá-los conforme prévia orientação do Onipotente,
assim, através de uma espécie de contrapeso,
tais fenômenos naturais eram potencializados.
35
— Contrapeso? Como assim, irmão Carlos?
— Por exemplo, uma tempestade, em certas
regiões, é algo corriqueiro e, às vezes, até prejudicial pelo intenso e
ininterrupto volume de precipitação, assim, uma estiagem em tal localidade
seria uma benção, certo?
— Certo.
— Agora pense em uma localidade inóspita,
seca e desértica. Uma chuva seria uma benção, não é mesmo? Entenda que
Deus sabe o que faz, sendo assim, vários fenômenos raros, naturais e
sincronizados foram por Ele programados para ocorrerem no exato período em que
ocorreram. Moisés, enquanto mago, atuou somente para manipulá-los em
cumprimento aos desígnios divinos, para que todos, Nele, cressem.
— Enquanto no Egito choveu abundantemente, por
dias, em meio a enormes e infinitos pedaços de granito, na mesma época, outra
localidade, acostumada a altos índices pluviométricos, experimentou um
benfazejo período de estiagem. Magia, companheiro, não é nada perigosa, mas sim
coisa muito séria que deve ser estudada a fundo para que o mago não cometa
equívocos que prejudiquem a si mesmo e/ou a outrem, todavia o que forma um mago
valoroso não é o volume de conhecimento magístico que obtenha, mas sim a
imensidão de sua fé e de sua moralidade, pois são estes os fatores que,
respectivamente, o intensificam e polarizam.
36
— O que escuto é surpreendente!
— A humildade, a obediência ao
Pai e o amor a Deus e ao próximo foi que fizeram de Moisés um exímio mago. A
intensidade de sua magia, vinha do esforço em ser um servo do poder de
Deus. E foi Deus, o seu amor a Deus e experiência no uso da magia que
o tornou intocável à fúria de Faraó, ou você pensa que o chefe
supremo do império egípcio assistiu passivamente aos efeitos que as pragas produziam
em sua nação e em seu povo? Não, meu irmão, pois Moisés foi preso algumas
vezes, mas nelas todas escapou do cativeiro sem o derramamento de uma única
gota de sangue. Soldados que intentavam contra sua vida
eram prática, momentânea e literalmente paralisados com o uso de
magia alimentada pelo amor de Deus, enquanto o povo conseguia ocultá-lo entre
os seus. Inúmeras vezes ele estava, em secreto, em reunião com os anciãos,
quando, repentinamente, ausentava-se, às pressas, do local para evitar ser
preso por soldados que apareciam na intenção de aprisioná-lo, entretanto,
companheiro, cá estamos na noite de hoje não para estudarmos a história de vida
do grande legislador hebreu, não é mesmo?
— Certamente. Agradeço todas as informações já
prestadas, mas, Irmão Carlos, antes que possa retomar a atividade colaborativa
em prol do nosso irmão Lucas, preciso dizer o quão, para mim,
é surpreendente saber que o próprio mestre Jesus, em várias oportunidades,
guiou os passos de Moisés em sua tarefa, pois, sinceramente, eu pensei que
ele houvesse sido guiado por seus mentores e mensageiros espirituais.
— Não se espante, irmão. Na maior parte
do tempo, Moisés foi orientado por seus mentores e guias. O que eu disse, foi
que, em vários momentos, ele foi guiado pelo próprio mestre Jesus, tamanha era
a importância da tarefa que tinha a executar e, é claro, ao infinito amor do
divino mestre.
37
IV -
UM MOMENTO DE CONTRARIEDADE
Agradeci ao irmão Carlos por todas as
informações prestadas e, em espírito de oração, pude retomar a atividade em
benefício do companheiro Lucas. Assim, instantaneamente vi que Efraim, horas
após a escuta da preleção de Arão junto aos anciões e já no princípio da noite,
andava, a passos largos, em direção a uma tenda que não a de Maya, sua mãe. Surpreso,
fiquei, quando entrou secretamente em uma tenda onde o aguardava uma belíssima
moça. Ela tinha a pele bronzeada com uma inigualável morenice natural, os
cabelos negros, longos e sedosos combinavam perfeitamente com traços
fisionômicos de rara beleza e cujas maiores expressões era os lábios
carnudos e os olhos amendoados e hipnotizadores com um castanho-claro da cor de
mel. Lilian era seu nome e ela, que aguardava por Efraim, disse-lhe:
— Preciso ser rápida, pois Levy está
prestes a voltar!
— Sim, sim, vim às pressas e esperançoso em
uma resposta positiva sua à minha proposta; então o que me diz?
— Efraim, tenho muita estima por você, mas não
posso voltar ao Egito contigo. Meu esposo, Levy, a quem muito amo, é um
homem de fé e crê que nosso futuro está em outra terra, que nosso Deus
necessita que sigamos outro caminho e é por isto que não tornarei com você ao
Egito.
Efraim, pálido de surpresa pela inesperada
resposta, falou:
38
— Lilian, meu senhorio, é homem de
muitas posses e generoso. Tenho certeza de que se voltássemos para sua
casa seríamos recebidos de braços abertos. Vamos voltar, Lilian! O caminho
que há pela frente é muito incerto. Voltando, eu te trataria como uma rainha e
não da forma abrutalhada como seu marido convive com você. Você é linda demais,
carinhosa demais para viver desta forma. Eu nunca conseguirei olvidar àquela
única noite em que estivemos juntos, pois o calor do teu corpo e a maciez dos
teus lábios são inesquecíveis! Vamos ser felizes!
— Efraim, meu caro, você é o melhor amigo de
meu esposo, por favor, aja como tal! Estivemos em intimidade uma vez, não nego,
mas para você aquela vez deverá ser o suficiente, pois eu não tenho como lhe
ofertar algo a mais. Sei que você me tem em grande estima,
contudo àquela ocasião que para você é inesquecível em bem-estar,
para mim, foi quase que infernal e já falei a você em como me senti
logo após estarmos juntos e isto não por que lhe tenha aversão
Efraim disfarçou a contrariedade ao ouvir
aquelas palavras, até mesmo por que sabia o nível do enfeitiçamento, que fora
empregado, para conseguir concretizar sua intenção naquela oportunidade e que,
em boa parte, fora as consequências deste sortilégio que provocaram mal-estar
em Lilian, mas isto ela não poderia saber de forma alguma.
Lilian, por sua vez, retomou o diálogo
finalizando:
— Efraim, sempre serei grata pelo teu
imenso carinho por mim. Para mim, a gratidão é um dos mais belos
sentimentos que um ser humano pode manifestar a outrem e é isto,
somente isto que posso oferecer. Espero que seja muito feliz no seu retorno ao
Egito, mas eu não terei condições de lhe acompanhar.
39
Efraim mordeu discretamente os lábios para
tentar disfarçar a decepção e disse à sua amada:
— Lilian, é como você disse, Levy, de
fato, é o meu melhor amigo e o que sinto por você jamais cessará, mas saberei
respeitar tua decisão e ser, tão-somente, o amigo mais leal que puder ser. Se
você não vem comigo, não há por que retornar ao Egito com minha mãe, assim,
também seguirei neste novo caminho.
— Então estamos acertados, Efraim, tudo
bem! Mas precisamos encerrar esta conversa antes que Levy retorne.
— Tudo bem!
— Por favor, tome cuidado ao deixar a
tenda, para não ocorrer comentários junto à comunidade.
Efraim saiu sorrateiramente da tenda com o
coração ardendo em desapontamento. Afastou-se um pouco do agrupamento,
sentou-se atrás de uma grande pedra e pôs-se a tremer em desespero, pois sua
paixão febril por Lilian o fazia crer que para tê-la em definitivo, deveria
sacrificar a sua mais leal amizade: Levy.
40
CAPÍTULO V - MOMENTO PARA LEVY
Levy, filho de Rebeca e Uriel, seria camponês
por hereditariedade. Ele foi o único rebento de sua família devido
a problemas ovarianos apresentados por sua mãe, após o seu nascimento.
Os pais de Levy serviam a um nobre da casta
egípcia. Ele enquanto um competente lavrador e Rebeca como auxiliar dos
serviços domésticos. Levy era dotado de imensa aura carismática e cresceu junto
a Alim, filho de seu senhor, Radamés, que possuía grande apreço por ele. Quando
Alim, por volta dos doze anos, faleceu após haver caído de uma montaria, na
mesma época do óbito de Uriel por causas naturais, isto só fez com que
aumentasse o afeto de Radamés por Levy.
Levy, de fato, cresceu como lavrador e exercia
a atividade com a mesma habilidade de seu pai, mas usufruía de regalias que
eram inimagináveis frente à maior parte dos camponeses daquela época.Ainda que
ótimo lavrador, Levy era viril, possuía um corpo atlético e desde a tenra idade
nutria o desejo de ser um guerreiro, assim, ao completar doze anos, Radamés a
ele proporcionou o aprendizado de técnicas de autodefesa, luta e táticas
militares.
Aos catorze anos Levy apaixonou-se por sua
prima, Lilian, com dezesseis anos e que possuía até algum interesse afetivo
pelo primo, mas não a ponto de fazê-la amá-lo inicialmente, já que apesar de
ser pessoa deveras agradável aos olhos, não tinha muito tato para lidar com a
sensibilidade feminina.
Aos quinze anos poderíamos dizer que Levy era
um soldado pronto. Quem o olhasse a esta idade e a certa distância, poderia
facilmente deduzir que se tratava de jovem soldado, não somente pela estatura e
físico avantajado, mas também pela tamanha perícia no manejo de armas e no
combate corpo-a-corpo. Levy gostava de desafiar-se constantemente, deste jeito
não era raro encontrá-lo envolvido em brigas.
41
Certa noite, quando contava dezesseis anos, observou, a distância, que três
homens encurralavam um adolescente de praticamente doze anos de modo a lhe
tomarem uma bolsa. Mesmo sabendo ser aguardado em casa para, a partir daquela
data, tornar-se esposo de Lilian, ele partiu a passos largos em direção aos
três malfeitores e disse:
— Deixem este menino em paz!
Os três olharam imediata e simultaneamente
para Levy e, em um primeiro momento, pararam o que estavam fazendo, mas quando
julgaram tratar-se apenas de outro adolescente disseram:
— Não temos nada contra ti.
Mexa-se daqui agora ou vai sobrar para você.
— Levy os encarou de cima a baixo e somente
respondeu:
— Têm certeza?
Mas os três não responderam. Armaram-se
em um semi-círculo, como já estavam acostumados, e avançaram em direção a Levy.
A intenção era fazê-lo atacar o homem central enquanto lateralmente um dos dois
tentaria agarrá-lo para derrubá-lo ao chão. O homem ao centro partiu com o
braço levantado convicto de que sua destra acertaria ao rosto de Levy a ponto
de tonteá-lo para que seus comparsas pudessem imobilizá-lo, mas Levy, com
extrema agilidade, defendeu-se velozmente do golpe de modo que seu adversário
teve que virar imediatamente para sua esquerda a fim de retomar ao
equilíbrio e não tombar ao solo.
Neste exato momento, Levy o agarrou por trás e
o jogou, com extremo vigor, em direção ao adversário em sua direita,
derrubando-os ao chão. Espantado com tamanha agilidade e força, o oponente que
ainda estava em pé nem viu o golpe que o fez tombar ao chão desacordado. Levy
virou-se para os demais infratores com os punhos em riste, mas estes partiram
em disparada do local. Somente, naquele momento, Levy respirou profundamente e
virou-se em direção ao garoto que, com os olhos arregalados, disse:
42
— Muito obrigado moço, o senhor acabou de me
salvar daqueles homens. Acredito que eles estavam pensando que tenho comigo algo
de valor, enquanto, na verdade, o que possuo são apenas frascos de medicamentos
preparados por minha mãe e que precisam ser entregues na casa do ancião Gael.
— Vejo que aqueles malfeitores conseguiram
golpeá-lo a ponto de danificar as suas vestes, mas diga-me, de onde você
conhece o ancião Gael?
— É que frequentemente minha mãe prepara
alguns medicamentos com ervas para ajudá-lo.
— Eu também conheço o ancião Gael. Estes
medicamentos que ele utiliza já trouxeram muito lenitivo ao meu corpo, quando
em recuperação dos exaustivos treinamentos. Ele, certa vez, disse que tais
medicações eram preparadas por uma erveira muito hábil e de nome Maya, você a
conhece?
— Conheço sim! Maya é a minha mãe! Ela sabe
mexer com ervas tão bem que até os egípcios, algumas vezes, dela se utilizam
para amenizar ou curar enfermidades que nem mesmo os sacerdotes conseguem.
— Sei bem quem é a sua mãe, garoto, mas ainda
não sei quem é você.
— Meu nome é Efraim! E o seu?
— Eu sou Levy. O velho ancião que você procura
reside perto de onde moro. Você quer que eu o leve até lá, por precaução?
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— Certamente que sim, senhor, muito obrigado!
Naquele exato instante iniciou-se uma profunda
amizade. Levy conduziu Efraim até a moradia de Gael, mas pelo caminho, enquanto
passava em frente a residência do amigo, seu olhar cruzou, pela primeira vez,
em direção aos de Lilian e foi a partir dai que ele, mesmo ainda adolescente,
sem saber explicar porque, encantou-se por ela a ponto de jurar para si próprio
que um dia seria sua.
Com o passar dos anos, aquela amizade só se
fortaleceu, ainda mais quando Levy tornou-se órfão de mãe. Este foi um fato que
o abalou profundamente, mas ele resignou-se pela fé em Deus e pela presença das
cantigas ensinadas por ela e que sempre lhe fariam companhia, em qualquer
circunstância.
Os anos transcorreram céleres. Levy já
desposara Lilian e a amava profundamente, tratando-a com todo o desvelo que lhe
era possível, mas a paixão exacerbada de Efraim só fazia aumentar e levá-lo ao
despeito de pensar que poderia fazê-la bem mais feliz. Efraim cresceu e tornou-se
um mago muito eficiente, todavia se a fé em sua magia o fazia um mago
habilidoso, sua obsessão por Lilian e as
práticas magísticas sucessivas, ao longo dos anos, para fazê-la
submeter-se à vontade a dele, acabou por torná-lo um mago negativo.
Eis que dez anos após o início daquela
amizade, Efraim, aproveitando relativa ausência de Levy, que cumpria
atendimento a um obrigatório e temporário chamado para servir no exército,
conseguiu conjurar um encantamento que, por algumas horas de uma noite, acabou
por ativar confusão mental em Lilian e uma extrema exacerbação de sua libido,
fazendo-o, levianamente, alcançar o sucesso em suas intenções.
Lilian levou dias para se recompor espiritualmente daquela noite fatídica e foi
somente após muito benzimento e tratamento fitoterápico de Maya que ela
conseguiu recuperar-se plenamente.
44
Sendo um hábil manipulador das situações
psicológicas, Efraim, assim, passou a argumentar com Lilian que estava muito
arrependido pela conjunção carnal que ocorrera entre eles, que deveria haver
pensado primeiramente nela uma vez que, com o grande caráter que possui, jamais
conseguiria se perdoar e permanecer ao lado do esposo que, a propósito, também
era o seu melhor amigo, assim propôs que se ela não conseguisse esta paz
interior para continuar a viver ao lado de Levy, ele estaria sempre de braços
abertos para acolhê-la e recebê-la como sua amada, contudo nunca obteve
resposta a respeito de suas intenções.
Poucos meses depois, estava por iniciar-se na
região o advento do fenômeno conhecido enquanto a décima praga sobre o Egito.
Observando que não lograra êxito em suas intenções junto à Lilian e tendo como
certa a vitória do povo hebreu sobre Faraó, Efraim foi novamente ter com ela e
lançou a proposta de, se o Faraó realmente confirmar a partida dos hebreus da
terra do Egito, eles simularem estar em fuga por três dias, mas ao fim do
terceiro dia retornarem até o Egito implorando o perdão do amo de Efraim.
Devido a sua alta habilidade com a magia
e ao constante emprego desta junto aos nobres egípcios, contava Efraim que
seria perdoado, assim não haveria como Levy retornar ao Egito em busca da
esposa sem correr risco de morte. Enquanto pensava em uma resposta, Lilian era
frequentemente bombardeada por magia negativa de indução de sua vontade à proposta
lançada por Efraim.
Um tempo após o fim da décima praga e já no
terceiro dia de fuga das terras do Faraó, foi que Efraim buscou a Lilian para
obtenção de uma resposta. Ocorre que, ao contrário do que esperava, a decisão
de Lílian foi oposta ao que arquitetara seu desequilibrado estado emocional.
Reitero que Efraim era um homem generoso e proativo. Inúmeras foram as ocasiões
que ajudara, com suas ciências ocultas, a quem buscava um alívio, um lenitivo
para seu sofrer, todavia também foi um sem fim de vezes que se utilizara destas
práticas, servindo aos nobres egípcios, para causar malefícios a outrem.
Sim, queridos companheiros, até aquele
momento, em termos de prática magística, Efraim era a real
definição do conceito de paradoxo, todavia a contar do terceiro dia conhecido
como êxodo bíblico, a luz da bondade eclipsou-se em seu ser, na desesperada
atitude egoica para satisfazer a ventura de ter a mulher amada ao seu lado,
pois no dia anterior, já prevendo uma possível resposta negativa de Lilian, foi
que ele preparou pequeno frasco de irrastreável veneno, junto a
outros medicamentos, para livrar-se de Levy e, assim, conseguir sucesso em suas
intenções.
45
CAPÍTULO VI - MOMENTO PARA
LÍLIAN
Lílian, que se casou, aos dezoito anos, com o
primo Levy, era órfã de pai e mãe, assim foi criada por sua tia
materna, Eloah. A partir dos doze anos, muitas de suas noites passaram a
ser preenchidas por atividades de desdobramento e sonhos premonitórios. Sua tia
não entendia estas manifestações e ficava muito aflita quando sua sobrinha
relatava a ela os episódios que ocorriam. Como Eloah possuía
problemas cardíacos muito graves, Lílian passou a ocultá-los dela.
Notável era a lucidez das experiências
extracorpóreas vividas por Lílian. Ao despertar destas vivências, possuía
impressionante discernimento dos episódios ocorridos; desta forma, para ela,
eram muito claras as orientações de seu mentor, Gamaliel. O que ela temia em
relatar a sua tia, acabava por buscar esclarecimentos junto a ele.
Ao completar dezesseis, anos, Lílian obteve
uma experiência com seu mentor e que muito marcou a sua vida. Nesta
oportunidade, Gamaliel disse a ela que a maior importância em um espírito
reencarnado era aproveitar, com sabedoria, as oportunidades de crescimento
espiritual, ofertadas pelo divino criador, por meio das mais diferentes formas,
mas que sempre ocorrem em ciclos cuja periodicidade é determinada por Ele,
segundo o aprendizado de seus humanos filhos; assim solicitou que Lilian
passasse a ver o desenrolar dos fatos que acontecessem em sua vida da mesma
forma que ela, uma ótima lavradora, se utilizava dos ciclos lunares para
plantar e colher, pois há tempo para tudo.
Há o tempo para semear e o tempo para colher,
tempo para dormir e tempo para acordar, tempo para aprender e tempo para
ensinar. Lembrou-lhe Gamaliel que uma lua mais indicada para a colheita de
raízes, não é a mais indicada para a colheita de ramos e folhas, assim por mais
que se tenha uma imensa vontade para se alimentar, por exemplo, com uma
beterraba, deveríamos aguardar a chegada da lua minguante sem nenhuma forma de
alarde ou desespero, pois quando fosse a hora certa da lua girar em
torno da terra, modificando a incidência de raios solares que recebe, ela
seria, então, minguante. Gamaliel recordou a Lílian que pouco adianta ter o
conhecimento das coisas, dos fenômenos naturais e deles não se utilizar para
plantar e colher nas horas mais precisas, da mesma forma, pouco resolve ter o
conhecimento que estava adquirindo com os amigos espirituais e não utilizá-los
para, por exemplo, falar, calar-se, ou escutar quando for o ciclo mais
apropriado para a execução de tais ações.
46
Disse Gamaliel que da mesma forma que devemos
respeitar os ciclos da lua e dos astros para melhor plantar e colher, também
devemos, com Deus, respeitar os ciclos para lidar conosco e com o próximo o
melhor possível. Após muito dialogar com Lilian, naquela noite, e certificar-se
de que ela aprendera sobre os conteúdos ministrados, Gamaliel esclareceu a ela
que, em breve, uma bela semente seria plantada no terreno de seu coração e que
ela deveria, com humildade, prudência e sabedoria, respeitar os ciclos divinos
da vida para que ela pudesse crescer, naturalmente, e transformar-se em
frondosa árvore.
No dia seguinte a esta experiência, Eloah,
ao iniciar o entardecer, teve um mal súbito e desencarnou. Imenso foi o
sofrimento de Lilian com o fenômeno que ocorrera com sua tia, pois ainda que
natural e inevitável, ainda que tivesse plena consciência e provas da
continuidade da vida em outro plano de existência, a morte sempre simboliza o
fim de um estágio para que outro possa ser iniciado. Lílian tinha certeza que
sua tia Eloah continuaria a existir em outro plano, mas não saberia
se e quando poderia vê-la por mais uma vez que fosse e isto causava uma
tristeza que, apesar de episódica, era bem profunda; contudo recordou-se das
palavras de seu mentor e, com fé em Deus, creu que um novo ciclo se iniciaria
em sua vida. Um ciclo criado pelo Divino criador que a tudo sabe, tudo pode e
que quer sempre o melhor para os seus filhos. Esta certeza trouxe grande paz a
Lílian e eis que, ao anoitecer daquele mesmo dia, em acordo de seu amo com um
certo Radamés, vieram buscar-lhe alguns homens para que pudesse, a partir
daquele instante, viver junto a sua parente mais próxima, que era sua outra tia
materna, Roberta. Foi assim que Lílian conheceu Levy.
Lílian percebia em Levy um sujeito
extremamente altruísta e generoso e isto fez com que facilmente criasse uma
relação de forte proximidade com ele, ainda que, inicialmente, não fosse amor,
já que paralelamente à sua bondade, o primo de Lílian possuía um tanto de
imprudência no desejo de ser o melhor lutador da localidade, assim no auge da
adolescência e da virilidade, constantemente chegava em casa com ferimentos pelo
corpo devido a brigas. Lílian não conseguia entender como um homem de
coração caridoso poderia parecer-lhe tão bruto; além disto, era um pouco
estabanado em demonstrar seu afeto a ela, pois, ao abraçá-la, as mãos dele, sem
que tivesse intenção, acabavam sempre por desmanchar o seu penteado. Nestas
horas, muitíssimo espirituoso, ele sempre dizia que o despentear fora
proposital, já que ela ficava sempre mais bela ao natural, no que ela, tão
espirituosa quanto, passava as mãos pela vasta cabeleira do primo para
desgrenhá-la, assim, quando a obra estava acabada, ela colocava as mãos na
cintura e o olhava de baixo acima e fitava bem em seu rosto para, sem conter o
riso espontâneo que lhe vinha à flor dos lábios, fitar o desarrumado em suas
madeixas e, vendo o sorriso de sua amada, quanto também sorria seu primo Levy.
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Lílian tinha dificuldades em compreender as
motivações da aparente brutalidade em Levy, nesta contradição com o tamanho de
sua bondade. Em certa ocasião, quando andavam pelo mercado em busca de certos
produtos, Lílian, bastante sensível, ficou horrorizada em ver como um jovem
tratava um servo idoso pelo fato deste haver sido ludibriado por um mercador e
adquirido certa mercadoria ao invés de outra, pois o estapeava e blasfemava na
frente de todos os transeuntes. Levy, ao observar a cena constrangedora,
intencionou partir em direção ao jovem, mas foi inicialmente contido por Lílian
que lhe segurou, levemente, o braço. Levy, fitou ternamente o olhar daquela que
tanto amava, mas disse-lhe:
— Amada prima, ainda que não entenda bem os
fenômenos que lhe ocorrem não só enquanto você dorme, mas também quando
meditas, em vigília, de forma para mim assustadora, pois me parece morta,
respeito a ti e a estas ocorrências, pois compreendo ser um legado, um dever seu
para com Deus; assim, da mesma forma, por favor, entenda os meus treinos de
combate, minhas práticas e meu agir enquanto um meio de também estar servindo
ao bem, pois é para isto que pratico: tornar este mundo um lugar mais justo e,
desta forma, um lugar melhor. Não posso ver esta cena e fingir que não estou
treinando para corrigir injustiças não através da força, mas que, se em última
instância, ela for necessária, não furtarei de usá-la para repará-las. Confie
em mim!
O ardor, a convicção e a serenidade ao
dizer-lhe àquelas palavras foram tão sinceros, que Lilian apenas lhe disse:
— Vá, Levy! Eu confio!
Levy, então, beijou a destra que o segurava em
apreensão e disse-lhe:
— Obrigado, minha amada "olhos de
jaspe", prometo fazê-la não se arrepender.
Levy partiu, a passos largos, em direção a
ocorrência e disse ao ancião:
48
— Senhor, vejo que está com problemas. Seria
de seu interesse que eu pudesse colocar-me à sua disposição para ajudá-lo?
Lílian encantou-se com a forma extremamente
respeitosa com que seu primo colocou-se para tentar ajudar ao idoso, mas o
jovem que com o ancião bradava vociferou a responder à pergunta de Levy:
— Esta besta não faz mais nada certo. Confiei
nele para que trouxesse uma mercadoria e este imbecil trouxe-me outra.
No que Levy respondeu-lhe:
— Deixe que ele responda, pois
foi para quem fiz a pergunta.
— Não interessa para quem perguntou. Este
velho é meu e eu falo e faço o que e com quem quiser. Esta besta!
Proferindo esta última ofensa, o jovem ergueu
a destra para continuar a esbofetear o idoso, mas teve a mão segura por Levy
que, educadamente, disse-lhe:
— Não consentirei que bata neste homem
enquanto não houver entendido toda a situação e, se não contiver sua fúria
enquanto isto não ocorrer, serei forçado a imobilizá-lo, você entende?
O jovem mirou a Levy de cima a baixo antes de
respondê-lo e, vendo que muito provavelmente sairia em desvantagem em um
possível embate corporal, acabou por, a contragosto, balançar a cabeça
positivamente.
Foi desta forma que o ancião confirmou as palavras de seu amo, mas esclareceu
que tudo ocorreu por haver sido ludibriado pelo mercador. Após tudo escutar,
Levy acabou por dizer ao comerciante:
49
— Pelo que pude escutar, toda agressão que
este idoso vem sofrendo é consequência de uma possível ação desonesta de sua
parte. O que você tem a dizer?
O comerciante era um homem obeso, mas forte e
de média estatura. Em segredo estava detestando a intervenção de seu
interlocutor, pois intimamente sabia haver, de fato, agido com desonestidade,
mas sem esta intromissão seria muito fácil escapar daquela situação imputando
toda a culpa no ancião, ainda assim tentou fazê-lo dizendo:
— A culpa é deste velho desatento que não
conferiu a mercadoria antes de levá-la.
Levy, então, disse a ele:
— Façamos, assim, então: você é comerciante,
logo precisa vender suas mercadorias para conseguir mais clientes e
prosperar, não é verdade?
Sem entender para aonde iria o rumo daquela conversa, ele apenas respondeu:
— Sim!
— Para você prosperar, seus clientes precisam
acreditar em sua idoneidade, não é mesmo?
Ainda sem compreender, ele disse apenas um
irrefutável:
— Sim!
— Pois bem! Você entregando a mercadoria
correta para este jovem fará com que ele fique satisfeito, uma vez que não
haveria prejuízo para ele. Você também ficaria satisfeito, pois
esta história se espalharia muito rapidamente pela comunidade e o número
de seus clientes tenderia a aumentar tamanha a honestidade. Este ancião também
ficaria satisfeito em ser reconsiderado junto a seu amo em sua credibilidade.
Todos tem a ganhar, mas você, o que diz?
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Enquanto discorria sua argumentação, Levy foi
observando que várias pessoas passaram a aproximar-se da situação, assim
astutamente esperou a aglomeração de muitas delas para que, enfim, pudesse
terminar de lançar a proposta e aguardar a resposta do mercador.
O comerciante observou a estratégia e, vendo
que decisão contrária seria prejudicial aos negócios, pesarosamente respondeu:
— Está bem! Aqui, meu jovem, eis o seu
produto.
Ao apanhar a mercadoria, o jovem mostrou
intenção de estapear o idoso mais uma vez, mas foi contido, somente pelo olhar
de Levy, que lhe perguntou:
— Quem é este ancião?
— Um servo inútil de meu pai.
O idoso, então, disse a Levy:
— Cuidei do pai dele e dele, desde quando eram
crianças
.— Meu pai gosta muito dele, mas não consigo
entender o porquê, já que para mim é apenas um imprestável.
Levy apenas respondeu ao jovem:
— Sugiro que você converse com seu pai e
solicite que troque as atividades deste ancião, restringindo-as somente para
àquelas a serem realizadas dentro de sua propriedade, pois a idade chega para
todos que dela precisam e merecem usufrui-la.
51
— Não sei se farei o que me sugere, mas esta
conversa já cansou, vou-me.
Todavia, Levy, cuidadosamente, o interpelou e
advertiu:
— Faça como melhor lhe aprouver, mas
entenda uma coisa, se eu, em algum dia, avistar você esbofeteando este ancião
de forma injusta, saiba que repararei a injustiça de toda a forma justa que me
for possível.
— Quem você pensa ser para tecer-me ameaças?
Saiba que sou filho de pessoa muito influente junto à nobreza.
— Sim, não sei teu nome, mas bem sei quem és!
Tu és pessoa que não respeita àqueles que vieram antes de ti, aqueles que
labutaram para que pudesses crescer com todo o conforto, aquele que não honra
ao pai, já que despreza o tamanho apreço que ele possui por este ancião,
todavia, não posso deixar de apresentar-me, eu sou Levy, filho de Rebeca e
Uriel, servo na casa de Radamés e possuo treinamento em combate e estratégia
militar para servir onde quer que seja chamado por Faraó, em defesa de suas
terras, ou por meu Deus, nas situações em que Ele tocar o meu coração, assim
saibas que não te fiz uma ameaça, mas sim uma promessa, não me deixe vê-lo
tocar violentamente neste ancião de forma injusta, ou você experimentará o
resultado de todo o meu treinamento.
O jovem retirou-se com seu anoso servo, as
pessoas tornaram a realizar suas atividades no local e Levy foi ter com Lílian
de modo a retornarem para casa, já que não haviam encontrado a mercadoria que
necessitavam. Levy nem poderia supor que, a partir daquele instante, acabara
por conquistar o coração de sua amada. Sim, pois após haver entendido a causa
dos ferimentos provocados por brigas em que Levy se envolvia, a
intencionalidade causada por um coração justo e bondoso, não houve como não se
apaixonar.
52
Levy deixou de ser para ela apenas um homem
atraente, forte, bonito e caridoso, mas também justo, argumentativo e que usava
a força apenas em última instância e para defesa. Bruto somente quando
necessário e em prol de um mundo mais equânime, mas sempre caridoso e
altruísta, ainda que deveras estabanado nos momentos de intimidade entre os
dois.
A vida seguiu seu rumo e eis que, praticamente
dois anos após se encontrarem pela primeira vez, os enamorados decidiram por
casar. Em cerimônia simples, realizada em casa, Lílian aguardou a chegada de
seu escolhido para que viessem a se tornar uma só carne. O horário marcado
fora o o que hoje descrevemos enquanto dezoito horas, todavia Levy já
estava atrasado em quase duas. Lílian preocupou-se e resolveu sair um pouco de
dentro de casa para renovar o ar e foi quando viu Levy chegar roto, sujo, mas
com um sorriso no rosto na presença de um adolescente, com aparência de doze
anos. Lílian logo adivinhou que seu amado, para defender aquela quase criança,
acabara por envolver-se em contenda com alguma pessoa, o que foi corretamente
confirmado por Levy posteriormente.
Tudo se resolveu tranquilamente e o casamento
foi concretizado, mas ao deitar-se, ainda que seu dia tenha sido repleto
de bençãos e maravilhas, o que não saia do coração de Lílian foi a
forma enigmática, persuasiva e cobiçosa com a qual àquela criança, de nome
Efraim, estranhamente a fitou quando rapidamente trocaram um olhar enquanto ele
se dirigia para a casa onde residia o ancião Gael.
53
CAPÍTULO VII - MOMENTO PARA EFRAIM
Se com sua mãe, Maya, Efraim aprendera a arte
do benzimento e dos princípios básicos no manejo com as ervas. Com Gael ele
aperfeiçoou estes conhecimentos, sendo iniciado na
manipulação magística de todo e qualquer forma de vegetal.
A amizade entre ele e Levy estabeleceu-se,
inicialmente, justamente por conta de tais conhecimentos.
Mesmo ainda, praticamente uma criança, Lílian
percebia e sentia-se intimamente incomodada com o jeito com a qual Efraim
a olhava de forma submissa, como se devesse a ela toda e
qualquer forma de adoração, enfim como se fosse servo dela. Sentia-se
terrivelmente abalada com àquele olhar a suplicar que ela fosse sua senhora
para que ele pudesse servi-la em qualquer capricho.
Lílian não externava este incômodo ao seu
esposo, pois nada de errado acontecera de fato, além disto era fácil observar a
relação de extrema amizade entre ele e seu esposo.
Com o passar dos anos, Efraim tornou-se um
grande manipulador dos princípios vegetais, talvez o maior de toda
aquela região. Buscava auxiliar a todos, independente da posição social,
todavia influenciado pelas facilidades obtidas nos vastos contatos que obtinha
junto aos nobres e à bajulação e múltiplos agrados com que lhe dispensava as
várias mulheres com quem tinha contato na ânsia de esquecer seus encantos por
Lílian, Efraim tornou-se um mago vaidoso.
54
De tanto escutar o quão era hábil e formidável
em suas práticas magísticas, acabou por ceder à influência do baixo-astral
e, secretamente, passou a realizar várias experiências na expectativa de
encontrar uma fórmula capaz de submeter a vontade de seu objeto de adoração à
sua, nem que fosse por uma única vez. Interessante notar que cada experiência
que executava provocava terríveis efeitos na vida de Lílian que, nestas horas,
sempre corria ao encontro de Maya para socorrê-la.
Mais alguns anos se passaram e
Efraim ainda não desistira de seu plano obscuro em submeter outro ser
humano à sua vontade. Certa noite, após haver recebido encomenda de terras
longínquas, com a finalidade de concretizar seu sonho distante, ele chegou à
conclusão de que, primeiramente, deveria fazer com que sua mãe se ausentasse
por certo período de casa, pois era ela quem sempre socorria Lílian e anulava
os efeitos de sua magia. Ao alcançar a primeira parte do plano, ele deveria
provocar algum desentendimento entre sua amada e o esposo, contudo isto deveria
acontecer estrategicamente dias antes dele ser convocado a servir a nação em
alguma ação temporária, o que não era raro acontecer devido à sua alta
habilidade em combate. Havendo ocorrido estas duas condições, para ele seria
fácil concretizar a última etapa que seria submeter Lílian à sua magia para
concretização de seu sórdido plano.
O contato entre Lílian e seu mentor, Gamaliel,
só fez estreitar-se com o passar do tempo, assim como suas lições sobre as
coisas do espírito que ela acabava por
utilizar para trazer bençãos para si, sua família e sua
comunidade.
55
Em certa noite de sono, Gamaliel a informou
sobre a importância que teria para sua evolução espiritual, se ela pudesse se
decidir por acompanhar Maya em viagem que lhe seria comunicada em alguns dias.
Lílian, que permanecia preocupada em cuidar de colaborar com as crianças da
comunidade que estavam enfermas devido a um surto de enfermidade
respiratória, foi orientada por seu mentor em confiar na providência divina e
usar de seu livre arbítrio para agir no sentido do que mais pudesse provocar
paz em seu interior.
Efraim conseguiu junto a certos membros da
nobreza (e companheiros de certas depravações) que sua mãe fosse enviada a
interceder em benefício de algum nobre que necessitasse de seus cuidados em
localidade que distava, aproximadamente, quatro dias de viagem para ir e
outros quatro para retornar.
Maya esteve com Levy para solicitar que
permitisse a Lílian acompanhá-la em viagem. Logrou sucesso em seu pedido, mas
Lílian, por sentir que teria mais utilidade em benefício do próximo se
permanecesse junto às crianças, decidiu-se por ficar.
Efraim soube da notícia através
de sua mãe e decidiu visitar o casal de amigos no mesmo dia de partida de
sua genitora. Assim, estrategicamente, colocou pequeníssimas quantidades de
certa erva, em certos locais da casa, enquanto realizava conjurações. Dois dias
se passaram e Levy foi convocado a servir no reparo aos telhados das casas mais
resistentes, mas que ainda assim foram terrivelmente danificadas durante a
sétima praga sobre o Egito.
A força do amor entre Levy e Lílian foi
suficiente para protegê-los de um desentendimento conjugal, o oposto do que tramara
Efraim, todavia a dor causada pela partida do ser amado, aliada ao pesar que
misteriosamente sentia ao não haver partido em viagem com Maya, fez com que seu
coração fosse preenchido por imensa tristeza que, aliás, não deixava de estar
relacionada com a conjuração realizada em sua casa por Efraim.
56
Nesta mesma noite, cheio de amabilidades,
Efraim apareceu para visitá-la. Vendo que ela não estava bem, ofereceu-se para
utilizar sua afamada habilidade com ervas, para fazer um chá que pudesse
ajudá-la a convalescer daquele mal-estar. Obtendo resposta positiva, preparou
magisticamente o chá que Lílian bebria com o pó obtido de vegetais distantes
que recebera na encomenda.
Sentou-se ao seu lado, ofereceu a bebida e
aguardou pacientemente a manifestações de seus efeitos, que não tardaram a
acontecer, pois Lílian, inicialmente, sentiu um terrível calor
que lhe subia pelos pés e aquecia a todo o corpo, mas concentrava-se
especialmente em suas partes íntimas. Ela passou a abanar-se e Efraim, vendo o
efeito de seu preparo, secretamente continuava suas evocações para alcançar
melhor resultado em seu plano. O rosto de Lílian tornou-se afogueado e ela, tal
qual estivera em transe alucinatório, passou, estranhamente, a enxergar na face
de Efraim o rosto de seu amado Levy, assim, disse-lhe:
— Levy, você está aqui? Como pode ser?
Você não voltaria só daqui a três dias?
Efraim sabia que não poderia responder a tais
perguntas, pois era conhecedor do fato de que o som da sua voz anularia o
efeito do encantamento que estava sendo produzido, desta forma, ao
escutá-la perguntando se era ele mesmo quem estava ali, apenas balançou a
cabeça positivamente e dela aproximou-se para roubar-lhe um beijo.
Conseguiu sucesso em suas intenções, mas teve
que ouví-la dizendo o estranhamento que sentiu com aquele beijo, que
diferia de todos os outros que já trocaram anteriormente. Engoliu o orgulho
ferido, pois estava louco de desejo e queria consumar o seu ato antes que
passasse o efeito da magia, assim tocou com as duas mãos em sua
cintura e Lílian, já tomada pela alucinação, entregou-se a Efraim e, em
seguida, desmaiou.
57
Para que suas futuras intenções pudessem, em
curto tempo, serem concretizadas, ele aguardou, despido, ao lado de seu objeto
de adoração, o seu despertar que nem tardou a acontecer.
Lílian saltou do leito,
assustada, quando viu àquela cena e perguntou o que ele estava fazendo ali
e naquelas condições, assim, Efraim, ao invés de contá-la a verdade, disse que
foi visitá-la e percebendo que ela estava passando mal, ofereceu-se então para
fazer um chá. Ela o agradeceu com um beijo muito doce e quente, ambos não
resistiram aos desejos da carne e acabaram por ficar juntos. Então,
dissimuladamente mostrando-se arrependido, ele disse que ninguém nunca saberia
o que ocorrera entre eles e pediu perdão a ela, mas jurou que nada teria
ocorrido se ela não tivesse consentido.
Aqueles fatos ficaram em segredo no coração de
Lílian, mas a culpa pelo ocorrido fez com que entrasse em estágio de depressão.
O retorno de Maya e Levy não tardou a acontecer e ambos ficaram muito
preocupados com o estado em que a encontraram. Nem mesmo Levy, que
propositadamente desgrenhava os próprios cabelos de modo
a obter ao menos uma risada de sua amada “olhos de jaspe”, conseguia fazer
brotar o esboço de um sorriso no rosto de sua amada.
Passaram-se algumas semanas para que as
orações, benzimentos, chás e preparos de Maya pudessem colaborar para sua
convalescença.
Certa noite, enquanto dormia, Gamaliel foi ter
com sua pupila:
— Filha, percebo em ti um grande pesar.
O que houve?
— Como assim o que houve, sábio Gamaliel!
Você não vê como têm sido as últimas semanas de minha vida?
58
— Decerto que sim e é justamente por isto
que lhe pergunto o que houve, pois você, abnegadamente, optou por cuidar
das crianças em sua comunidade ao invés de viajar com Maya, ou seja, você, em
seu mais perfeito juízo, resolveu permanecer em apoio às crianças e, graças a
sua ação, quase todas se encontram em período de melhora dos sintomas
apresentados devido à enfermidade. Muito deste bendito resultado é fruto de sua
decisão.
— Isto eu compreendo, mas hoje observo
que, se houvesse viajado com Maya, a comunidade teria cuidado tão bem, ou
talvez melhor do que eu, das crianças.
— Isto é fato, Lílian, mas você não
haveria por receber, junto a Deus, os méritos pela boa ação que aqui foi
praticada.
— Sabe mestre Gamaliel, parece-me que
você está querendo ignorar a gravidade do problema que esta decisão tomada
provocou em minha vida.
— Não, minha amada! Estou argumentando para
que você perceba o tamanho do mérito que o resultado de sua decisão trouxe para
a sua vida. Entenda, filha, que não existe estrada sem percalço. Cabe a nós
orarmos a Deus pelo melhor caminho, confiar e seguir adiante, com fé. O melhor
caminho, minha querida filha, é àquele que mais conseguir provocar paz à
consciência pela sensação de dever cumprido.
— Mas hoje em dia vejo que deveria ter
feito o que você aconselhou e partido com Maya.
59
— Verdade, minha filha? E como
estaria hoje sua consciência com o desencarne das crianças Esther e Micaela?
Você estaria em paz por haver auxiliado Maya na convalescença de um idoso, mas
qual seria o tamanho do dissabor em saber do óbito destas crianças e do
possível sentimento de culpa que a consumiria em seus pensamentos de que,
talvez se houvesse aqui permanecido, quem sabe poderia ter colaborado para
salvar a vida delas? Este dissabor seria maior ou menor do que o que você
carrega como consequência por haver permanecido?
— Sabe Gamaliel, até agora não entendo
direito como posso haver me entregado para Efraim. Em nenhum momento eu o fiz
em plena consciência. Eu estava confusa, sabe, parecia ser Levy, mas o beijo
estava diferente, mas eu não teria como imaginar, enfim, parecia magia.
— Parecia não, minha filha, foi prática
de magia.
— Deus meu, que baixeza! Efraim nunca me
enganou, mas jamais poderia pensar que ele recorreria à magia para fazer-me
mal.
— Contudo, ele o fez, minha filha. E,
muito provavelmente, só o contar dos grãos de areia presentes no deserto
conseguirá dar conta do tempo que ele levará para que possa reparar a
consequência desta ação e ter paz na consciência.
— Sabe mestre Gamaliel, começo a perceber
a lógica justa do seu raciocínio, pois realmente não tenho do que me culpar já
que fui cerceada em meu livre arbítrio para poder fazer o que fiz. Eu estava
sentindo-me muito mal por conta disto, mas vejo que realmente estaria
sentindo-me muito pior se houvesse partido e descoberto, quando voltasse,
sobre o falecimento de Esther e Micaela.
60
Eu orei muito a Deus antes de tomar minha
decisão e acredito haver agido segundo a vontade Dele. Como não segui em
viagem, tenho como consequência o mal que foi provocado em meu corpo e sobre o
qual não sinto pesar, já que fui ludibriada em minhas vontades, mas se tivesse
partido estaria agora consumida em culpa de estar pensando, na
verdade, ilusoriamente, de que, se ficado houvesse, poderia ter salvo a
vida delas. Assim, querido mestre Gamaliel, posso dizer, de coração, que me
sinto em paz com minha consciência e perdoo a Efraim.
— Teu perdão é importante, filha minha, e
eu agradeço imensamente a Deus por haver tocado teu coração com todo o vigor de
Sua paz misericordiosa, até mesmo por que fui incumbido, pelo Alto, de
informar que, já há um mês, um novo ciclo iniciou-se em sua vida, assim é
necessário que você se comporte conforme o desenvolvimento deste ciclo.
— Você teria como
dizer alguma informação sobre este ciclo?
— Apenas que é um ciclo femininamente
gestacional.
— Gestacional? Então quer dizer que estou
grávida, Gamaliel?
— Sim, minha filha, você está e a importância
de passar-lhe esta informação, do Alto, é porque ela será uma gravidez
discretíssima, uma vez que seu útero passará a dilatar-se apenas ao fim do
oitavo mês de gestação, todavia, ainda que discreta, será uma gravidez que
exigirá em muito de seu corpo, sendo assim, será importante que evite
atividades físicas e que se mantenha em repouso o quanto possível.
61
— Se o senhor diz ser um ciclo
feminino, isto quer dizer que será uma menina?
— Isto não tenho orientação para
informar, mas você entenderá que um coração materno raramente se engana.
— Entendo Gamaliel, mas só tenho a dizer
que, se for menina, o nome dela será Eloah, em homenagem a minha amada
tia, até mesmo por que já verbalizei esta intenção a Levy anteriormente e ele
concordou, prontamente, com a sugestão. Não veja a hora de contar para ele.
— Filha, seria importante que guardasse,
temporariamente, tal informação e isto está ligado ao motivo pelo qual eu te
peço redução das atividades físicas durante a gravidez.
— Não compreendo.
— Segundo planos traçados por Deus, em
alguns meses você e seu povo seguirão em jornada de dias para outro
local. Agora está sendo pedido o seu repouso para que, quando for chegada a
hora da partida, você tenha condições de empreender o caminho sem riscos à
criança. Após haverem chegado a este local, a longa caminhada prosseguirá, mas
sem a necessidade de ser intensa.
— E Levy?
— Filha, você tem o livre arbítrio para
relatar a Levy todo o conteúdo de nossa conversa, ainda mais sendo ele seu
esposo, mas se te passo, do Alto, a orientação para aguardar
a transmissão de tal mensagem, é para que cada qual possa receber
segundo às suas obras pela espontaneidade presente no agir de cada um.
— Acredito que entendo esta mensagem do
Alto, Gamaliel, então quando será o melhor momento para contar a Levy?
62
— Ao anoitecer do quarto dia de jornada.
— Tudo bem, então. Mas quanto a
Levy, mestre Gamaliel? Sinto que não devo contar a ele sobre o que ocorreu
entre mim e Efraim, porque o que ocorreu nunca foi entre mim e Efraim, mas sim
porque eu via a Levy.
— Filha, é como disse antes a você, não há
caminho sem percalços, assim, qual seria a estrada que mais traria paz a tua
consciência?
— Sabe Gamaliel. Eu penso que se contasse
a Levy e ele resolvesse abandonar-me, eu, a muito custo, conseguiria seguir por
amor à vida que carrego em meu ventre, além disso, magiada por Efriam, ou
não, eu realmente cometi adultério. A grande questão é que se eu contar a Levy
sobre o ocorrido, ele nunca perdoaria ao amigo e, conhecendo seu temperamento,
quiça, se talvez não intente contra a vida de Efraim. Com o abandono da pessoa
amada eu conseguiria até sobreviver, mas jamais teria um dia de paz se fosse,
mesmo que indiretamente, responsável pela morte de uma pessoa, assim penso ser
melhor agir conforme o meu coração.
— Então ore a Deus, tenha fé e viva em
paz.
— A cada dia de minha vida, mestre
Gamaliel, até mesmo por que, pelo que percebo, mais de um ciclo está para
iniciar-se em minha vida, não é mesmo?
63
— Isto mesmo, minha filha, e, para cada
um deles, solicito que ore bastante ao Eterno e tenha muita fé. Enfim, viva e
conviva em espírito de oração, pois só Deus pode todas as coisas.
— Que assim seja!
O tempo foi passando e nem a invasão
de inúmeros de gafanhotos ou dias de escuridão profunda fizeram
com que o coração de Faraó cedesse às rogativas de Moisés e deixasse partir os
hebreus. Efraim, em nenhum momento, deixou de rondar a presença de Lílian para,
fazendo-se de bom amigo, sutilmente chantageá-la a fim de que
contasse do envolvimento que houvera entre eles para Levy, pois se dizia a ela
que estava consumido em culpa pela traição ao amigo, na verdade, tinha a
esperança de que Levy, ao saber do fato, terminasse o relacionamento com ela,
deixando o caminho livre para ele.
Somente após a morte dos primogênitos do Egito
foi que Faraó, em certa noite, deu consentimento para a partida dos
hebreus.
Efraim sabia que não seria fácil fazer com que
Lílian cedesse à sua chantagem, foi exatamente por tal motivo que providenciou
pequeníssimo frasco de potente veneno, junto a outros medicamentos, pois, se
seu plano falhasse, ele poderia intentar contra a vida do amigo.
Ainda na noite anterior à partida, Efraim foi
ter com Lílian em secreto e discorreu sobre todo o seu sentimento por ela, a
forte amizade com Levy e a pretensa consumação em culpa que sentia por haverem
estado em intimidade anteriormente, além do fato de que não conseguia viver
mais com este sentimento a assombrá-lo e que, sendo assim, seria melhor que os
dois seguissem por três dias de caminhada em trajeto a ser mostrado por
Moisés, mas que, findado este período, retornassem ao Egito para viverem
juntos, porque ao findar este prazo, se ela decidisse por continuar viagem, ele
acabaria por ter que contar tudo a Levy.
Lilian tentou dar sua resposta no mesmo
instante, mas ele, habilmente, conseguiu demovê-la de sua intenção inicial e de
fazê-lo somente três dias a frente.
64
Poucas horas antes dos primeiros raios de sol
tocarem o firmamento, após haver recebido as orientações de Moisés, Arão foi
ter com o povo que, reunido, aguardava alguma informação.
Disse-lhes, então:
— Irmãos, o Eterno ordenou a Moisés que
partamos do Egito para uma terra onde possamos viver livres e sermos um só. O
Eterno sabe onde está tal local e guiará Moisés durante toda a jornada.
A nossa saída daqui precisa ser
um ato de fé não em mim, ou em Moisés, mas no Eterno, pois Ele tudo pode.
Sabemos que as temperaturas, ao longo de nossa trajetória, oscilarão ao
extremo, mas o Eterno disse a Moisés que estará conosco durante todo o tempo de
nossa jornada a nos fortalecer e a indicar o caminho. Então sigamos o caminho
da fé.
E foi assim, instantes após está fala,
que incontáveis hebreus deixaram à terra do Egito para uma nova vida.
A maioria deles estava temeroso e desconfiado, mas acabaram por ceder e
seguiram viagem junto a seus irmãos de jornada. Moisés os guiava junto a Arão e
ao conselho de anciões.
65
CAPÍTULO VIII - O PRIMEIRO
MOMENTO DA JORNADA
Levy e outros poucos que possuíam alguma noção
de combate e do território seguiam a frente da multidão junto a Moisés, Arão e
aos membros do conselho, enquanto alguns outros, com tais habilidades, seguiam
atrás de modo a permanecerem atentos a qualquer eventualidade.
Lílian e Maya também seguiam, praticamente
atrás, junto às demais mulheres, crianças e àqueles que conduziam o rebanho, já
Efraim seguia à frente pela popularidade e influência junto ao conselho.
Ainda antes que pudessem aparecer os primeiros raios de sol, devido ao clima
extremamente seco e também devido àquela aglomeração de pessoas, a
sensação térmica era de média para alta. O céu estava limpo e de um azul
inocentemente atemorizante, pois era claro sinal de que o dia seria
extremamente quente, todavia na direção de onde nasce o sol, estranhas e
espessas nuvens passaram a despontar no horizonte como se fossem uma coluna
horizontal para tornar opaco o efeito das radiações solares junto àquelas
pessoas.
Levy estranhou aquele fenômeno, pois
o azul reinava em todo o firmamento, exceto no local por onde
espessas nuvens cobriam o astro-rei. Ele percebia ser uma nuvem que parecia
possuir vida própria, pois à medida que as horas iam passando, ela se
movimentava para precisamente bloquear os possíveis ângulos de incidência dos
raios solares junto àquela população.
Moisés fazia daquela coluna uma forma de
bússola, pois compreendia, em espírito, tratar-se de uma manifestação do Eterno
a guiar o povo. Ao perceber estar sendo guiado para um caminho bem mais longo
que o normal para chegar ao que deduzia ser o provável destino, Moisés estancou
o passo, virou-se, solicitou que o povo o aguardasse, afastou-se algumas
dezenas de metros e foi orar ao Eterno.
66
Levy também achou estranho o caminho pelo qual
àquela pilastra de nuvens estava guiando o povo, pois em ocasionais serviços
prestados juntos às tropas de Faraó, sabia haver outro caminho, mais
curto, a chegar ao destino. Era um território praticamente filisteu, com
certeza, mas com guarnições de Faraó a guardá-lo. Os homens do soberano egípcio
não ousariam atacá-los, já que o mandatário supremo deles ordenara a liberação
do povo. Talvez o maior perigo fosse os próprios filisteus, mas
apesar de poucos, quem sabe os homens valorosos e com conhecimento de combate
não seriam suficientes para afastar qualquer inimigo, apesar de eventuais
perdas.
Bem afeito a lutas e combates, Levy certamente
escolheria atravessar o outro caminho, se tivesse este poder, contudo Moisés
logo retornou junto ao povo, conversou brevemente com Arão e todos seguiram
adiante pelo caminho indicado pela coluna de nuvens, afinal Moisés compreendera
que trilhar qualquer estrada na presença de Deus é mais seguro e
reconfortante do que caminhar pela vontade humana, inclusive a dele,
aparentemente.
Minutos antes, enquanto ainda aguardavam as
orientações de Moisés, Maya aproximou-se de Lílian e disse para a amiga:
— Lílian, pode ser que eu esteja
equivocada, mas sinto uma grande contradição em seu olhar, pois, enquanto ele
apresenta um luminoso brilho de, para mim, inexplicável contentamento, também
manifesta um pesar que quase ofusca esta luz dos teus olhos, assim, mesmo que
talvez não seja pertinente, eu lhe pergunto: está
acontecendo algo que a está preocupando? Se estiver, mesmo que você
não possa contar, existe algo que eu possa fazer para ajudá-la?
67
O passar dos anos daquela amizade nunca fez
com que Lílian deixasse de se surpreender em quão boa leitora da alma humana
era Maya, sua amiga, entretanto não teria como falar a ela, naquele instante,
da ventura que carregava em seu ventre, até mesmo por que decidira seguir a orientação
de Gamaliel e noticiar seu esposo a respeito somente ao quarto dia de jornada;
além disto, não haveria como também conversar com sua amiga sobre o quão eram
desprezíveis as ações de seu filho para com ela, assim respondeu apenas:
— Nunca deixarei de admirar sua
perspicácia, minha amiga, mas a causa do brilho em meu olhar é a
mesma que causa-me aflição, a qual é a alegria de ser livre em uma nova terra
e, ainda que tenha muita fé, a aflição por não saber como será nossa jornada
até lá.
Maya percebeu que Lílian desconversava sobre o
íntimo de sua alma e, respeitando seu momento, respondeu:
— A fé, minha amiga! Alimentemos nosso
ser com orações para que o Eterno fortifique nossa esperança a tal ponto que
não reste outra alternativa para a aflição, a não ser deixar as nossas vidas.
E, dizendo isto, Maya sorriu em direção a ela, pegou-lhe, sutilmente, a destra
com as mãos e disse:
— Conte comigo para tudo o que precisar!
Com os olhos marejados, Lílian somente
respondeu:
— Obrigado por tua amizade, Maya! Ela é
uma fonte de luz para minha vida.
68
Orientando Moisés que todos tornassem a
caminhar, as amigas seguiram silenciosamente naquela caminhada.
Maya, inexplicavelmente, tinha convicção que,
ao contrário do que lhe dissera a amiga, o motivo de sua alegria e de seu pesar
tinham origens distintas e, também sem saber como explicar, sabia que seu
filho, Efraim, tinha algo relacionado com àquela tristeza, assim realizou
sentida prece ao Criador e fortaleceu-se em seu coração a necessidade de,
discretamente, tentar extrair de seu filho alguma informação a respeito.
As horas foram passando e o povo seguia o
caminho indicado por àquela coluna de nuvens que Levy intimamente denominava de
grande tampa-sol. Na realidade, parando para refletir sinceramente no
fenômeno, era justamente isto que àquela manifestação divina parecia: um
tampa-sol, pois o vento naquele primeiro dia foi escasso, então, teoricamente,
não haveria como a pilastra ir se deslocando ao longo das horas exceto se, nas
alturas, reinasse uma ventania imperceptível àqueles que estavam no solo.
Levy
era um homem temente a Deus e de fé então, ainda que não pudesse explicar, seu
coração transbordava em alegria por, durante todo o dia, não haver enfrentado a
fúria do sol, e também de gratidão ao Eterno por esta proteção, todavia,
analisando o seu comportamento, era visível que ele encarava aquele fenômeno
com a maior naturalidade.
Preciso fazer um pequeno parenteses e dizer
que durante todo o tempo em que pude ter acesso a tais memórias, foi apenas
quando vi àquela coluna de nuvens que tive uma pequena noção de quão grande
mago era Moisés e o de quão grande era a sintonia entre Deus e ele. Foi só
assim que pude compreender as explanações do irmão Carlos a tal respeito.
69
Peço perdão pela intromissão, mas não teria
como observar àquilo que a misericórdia divina oportunizou-me a ver e não
compartilhar com vocês as impressões no registro do tamanho da misericórdia, do
amor, da grandiosidade, da simplicidade e do poder de Deus.
Como dizia, era notória a naturalidade com que
Levy passou a presenciar a tal fenômeno. Somente instantes antes de o dia virar
noite foi que ele passou a se perguntar o que aconteceria quando a noite
chegasse e as temperaturas caíssem drasticamente.
Moisés não possuía tais
questionamentos. Ele, naquela época, poderia sim, ser ainda um tanto
reticente e inseguro, mas tinha um altíssimo conhecimento em várias formas de
magia (até mesmo por que era um iniciado na origem e no meio) e uma ampla
confiança no Eterno, assim quando orientado pelo Eterno a realizar certos
procedimentos em magia ígnea não hesitou um só instante e agiu conforme. Em
instantes, um carrossel de fogo, que ia do solo até o céu, surgiu imediatamente
diante daquele agrupamento de pessoas e foi-se desgovernado para trás de uma colina.
Passaram-se poucos segundos e o carrossel retornou para diante daquele
agrupamento, mas já não estava mais desgovernado e poder-se-ia dizer
que possuía, até mesmo, vida própria.
Moisés ajoelhou-se, de pronto, agradecendo a
Deus por Sua infinita misericórdia. Levy olhou para dentro daquela coluna de
fogo e não viu, mas eu não pude deixar de observar: dentro daquele
imenso redemoinho havia um ser e eu não pude deixar de notar que, pelos
contornos corporais, parecia masculino. Ele segurava uma grande lança de fogo
na mão esquerda e guiou a caminhada noturna de Moisés e de seu povo. A coluna
de fumaça e de fogo também puderam ser avistadas ao longo do segundo dia de
caminhada dos hebreus.
70
CAPÍTULO IX - O SEGUNDO MOMENTO
DA JORNADA:
Tal como no dia anterior, a manhã surgiu muito
quente, mas a coluna de fumaça ainda perdurava no firmamento para reduzir
intensamente a irradiação calorífera.
É importante dizer que a maior parte daquela
massa em peregrinação pelo deserto não o fazia espontaneamente, mas sim pela
sensibilização motivadora realizada pelos argumentos de Arão em fortalecê-los
na fé em um Deus que tudo pode e, sendo assim, os guiaria até uma terra onde
seriam uma nação livre e indivisível.
Em meio àquela multidão que no Egito
levava uma existência humilde e sofrida, também caminhavam pessoas que, assim
como Levy e Ibrahim, possuíam relativa liberdade de ação quando naquele país.
Os humildes, cansados de sofrer com o trabalho infindável e excessivo,
enxergaram a proposta de migrarem do Egito muito mais como uma oportunidade de
conseguirem sobreviver de uma maneira mais digna do que pelo entendimento da
proposta de viverem uma vida em comunhão com Deus, enquanto uma grande nação.
Já os israelitas que no Egito viviam em
condição não tão desfavorecida em direitos ambicionavam muito mais a
possibilidade de participar na construção de uma nação independente do que a
qualquer outra coisa,
Deus está em todos os lugares e podemos presenciá-lo em coisas grandiosas como
o sol, mas sua presença também se faz notar nas menores coisas. Grande parte
dos peregrinos ainda não entendia que sua futura nação teria o potencial não de
ser o país mais bélico, mais poderoso e mais rico entre os reinos dos homens,
mas sim no reinado das coisas do espírito, pois uma nação quando em comunhão
com o Eterno, tem uma fé e um amor tão intensos que servem de
poderosas armas para vencer todo e qualquer regimento das trevas, já
que esta é a verdadeira luta a ser travada dia-a-dia, a luta contra toda e
qualquer forma de presença do mal a existir no mundo, mas em especial àquela
que estiver dentro de cada um de nós.
71
Uma nação com este nível de compreensão
percebe ser a mais rica quando seu povo entende que a presença diária da fé e
do amor em suas vidas é a base de toda e qualquer riqueza material ou
espiritual. Da mesma forma, entende ser a mais forte não necessariamente pelo
poder bélico de seu exército, mas pela resiliência e sabedoria em saber travar
o bom combate, em lutar contra si próprio para que o Eterno e Seus ensinamentos
vençam em sua vida, pois é daí que vem o poder de uma nação verdadeiramente
aliançada com Deus.
Cada um dos integrantes daquela enorme
quantidade de pessoas caminhava com um propósito em seu coração, mas ainda não
estavam maduros o suficiente para entenderem o real significado de virem a ser
uma nação em aliança com Deus.
Possivelmente por tal fato é que, ao longo da
jornada naquele segundo dia em direção à liberdade, boa parte daquela massa
executava os seus passos em meio a murmúrios que pareciam intermináveis, em
especial devido à sensação térmica que, com a presença da coluna de fumaça,
estava reduzida em praticamente sessenta e cinco por cento. Observem que trinta
e cinco por cento de um calor causticante do deserto ainda é muita coisa, mas
certamente era cerca de cinquenta por cento mais fresco do que a temperatura
com que tinham que exercer suas atividades quando no Egito, contudo, em atitude
incrivelmente impaciente, a maior parte daquela numerosa quantidade de pessoas
não conseguia compreender, em plenitude, o tamanho da presença e do poder de
Deus por meio daquela coluna de nuvem, mas não seria justo desejar que
plenamente tivessem no início da caminhada, uma compreensão que só poderia ser
forjada ao longo de toda uma jornada.
A marcha só cessou poucas horas após o
anoitecer, porque foi quando a coluna de fogo parou e permaneceu imóvel.
Moisés, assim, entendeu ser a hora do povo acampar para descansar e
foi justamente o que aconteceu. Aquele ser ígneo certamente era um
mensageiro a trazer, do Altíssimo e em toda sua composição estrutural, a
mensagem de direcionamento do povo sobre o caminho a seguir.
72
CAPÍTULO X - A JORNADA EM SEU TERCEIRO MOMENTO:
Na madrugada deste dia, em sonho, Moisés
recebeu, por parte de Deus, a mensagem de que, em menos de dois dias,
Faraó compreenderia que, ao contrário do que pensava, o povo não
retornaria para as terras do Egito, assim partiria, em montarias e também
carruagens, ao seu encalço. Desta forma eles deveriam aumentar os passos, mas
sem desespero, para que pudessem alcançar o local de onde estariam
definitivamente livres do exército egípcio.
Assim, ao amanhecer, Moisés esteve com Arão e
solicitou a ele que posteriormente informasse ao conselho dos anciões e aos
líderes de que, antes do entardecer daquele dia, necessitaria estar com eles
para que fossem informados sobre mensagem que recebera do Eterno e, em seguida,
contou a Arão sobre a mensagem, em sonho, que recebera Dele, já que seria o
próprio Arão que a transmitiria para o povo.
A multidão seguia adiante e, durante todo o
dia, não se apartou de diante do sol, a poderosa coluna de nuvens escuras que,
como dissemos anteriormente, fora apelidada intimamente por Levy de grande
tampa-sol.
Maya aproveitou ocasião propícia e foi ter com seu filho, Efraim, dizendo-lhe:
— Bom dia, filho meu! Como você está?
Efraim não estranhou a pergunta, mas sabendo
ser sua mãe uma perspicaz conhecedora da alma humana, entendeu que ela, muito
provavelmente, viria indagar-lhe sobre alguma questão de foro íntimo, assim procurou
desconversar dizendo:
— Ótimo dia minha mãe! Com esta proteção
do Eterno, a nos guiar dia e noite, eu só poderia estar muito bem, não é mesmo?
73
— Certamente, meu filho! Percebo um brilho de
alegria em seu olhar, apenas desconheço se seria fruto somente
de genuína gratidão pelas bençãos com que o Eterno nos tem provido.
— Mas que outro motivo teria, minha mãe?
— Não sei meu filho, dizem que a alegria
verdadeira, àquela que vem das coisas de Deus, é um lindo sol, todavia, em
seu caso, tal qual o astro-rei estaria a aquecer a nossa pele, não fosse a
coluna de nuvens, em seu íntimo esta alegria divina parece tampada
por uma pilastra de nuvem composta por uma felicidade das coisas do mundo,
àquela que pode nos levar para o perigoso reino das ilusões, o reino das forças
demoníacas.
— Valei-me Deus, mãe, não estou gostando do
rumo desta conversa! Acaso quer amaldiçoar-me?
— É o oposto filho amado. Quero
justamente que não caia em maldição.
— E que maldição seria esta?
— A maldição que recai sobre a vida daquele
que deseja o que não é seu por direito e que, pasmem, muitas vezes cede a
tentação de se utilizar dos princípios divinos da magia para tentar se apossar
daquilo que não lhe é próprio.
— Porventura está acusando-me
de algo escuso, minha mãe?
— Pela educação que te dei, meu filho, eu
jamais poderia pensar ago assim sobre você, mas é que te observo, há tempos,
afastado de mim e, à medida que isto foi acontecendo, você tem agido, algumas
vezes, em desacordo com esta educação, mas não se preocupe, filho meu,
pois tudo o que estou a lhe falar vem somente do amor que existe no coração de
toda mãe e na preocupação que tenho em que, por conta de uma ilusão, venha a se
perder do caminho da real felicidade, àquela que vem das coisas de Deus.
74
Procurando escapar daquela situação, disse
Efraim à Maya:
— Mãe, como você sabe, hoje,
mais tarde, o irmão Arão falará conosco e com o conselho dos anciões, a
respeito de mensagem recebida por nosso líder, assim, preciso preparar-me a
contento e peço desculpas, mas nossa conversa terá que prosseguir em outro
momento.
E foi-se em meio àquela grande multidão
sem permitir que sua mãe pudesse dizer-lhe as últimas palavras para encerrar
aquele diálogo. Ela queria pedir a Efraim que confiasse em Deus e seguisse
viagem certo da providência, mas como lhe escapou seu filho, Maya apresentou
esta aflição, em sentida oração, ao senhor Deus, pois Ele a tudo pode.
O tempo passou e, assim que o sol passou ao
meio do firmamento, Efraim partiu, a pé, para um local bem afastado onde
realizaria o preparo de potente veneno com o qual pretendia utilizar para
eliminar a vida daquele que era, sem sombra de dúvida, seu mais leal amigo, mas
também esposo daquela pessoa que ele acreditava verdadeiramente amar, Lílian,
contudo isto só seria necessário se ela recusasse sua proposta em partir de
volta ao Egito junto a ele. A resposta viria àquela noite e seu coração
palpitava em ilusórias emoções desgovernadas a respeito da resposta a ser
obtida, pois, ele não desejava ceifar a vida do amigo, mas o faria sem pestanejar
se isto fosse realmente necessário.
Reconheci ser este o exato momento em que se
iniciara o meu acesso às memórias akashicas.
Notei que ao discorrer sobre a mensagem que o
Eterno revelara a Moisés, em sonho, para aquela pequena assembleia, Arão percebeu
manifestação de significativa aflição por parte dos ouvintes, todavia ele os
acalmou solicitando que confiassem na providência divina e que não alarmassem o
restante da multidão sobre o que acabavam de escutar, pois em poucos
dias todos eles poderão avistar, por conta própria e à certa distância, a
aproximação de Faraó e suas tropas, todavia continuar a caminhar de forma
mais rápida como a que faziam naquele dia, seria o suficiente para que não
fossem alcançados.
75
Muitos souberam disfarçar no semblante, mas
carregavam, intimamente, intensa preocupação com o que haviam acabado de
escutar. Efraim também trazia um que de preocupação na face, todavia era
somente reflexo sobre a resposta que, em breve, obteria de Lílian.
Momentos após o anoitecer, o mensageiro na
coluna de fogo parou e o povo acomodou-se para descansar de um dia de intensa
movimentação.
Efraim aproveitou-se que sua mãe fora ter com outras mulheres para a
organização do local e de que Levy encontrava-se junto aos líderes do povo para
adentrar secretamente na tenda onde se encontrava Lílian. Ele tentou chantagear
emocionalmente ao objeto de sua adoração e empregou vários argumentos e
encantamentos para tanto, mas não obteve sucesso em sua intenção de retornar,
com ela, naquela madrugada, para a casa de seu antigo amo no Egito. Vendo que
não teria sucesso em sua empreitada e que uma possível insistência poderia
fazer com que perdesse a oportunidade de, um dia, tê-la em definitivo
na sua vida, Efraim concordou em não mais insistir com ela, todavia,
secretamente, passou a planejar qual seria o melhor momento de livrar-se de
Levy de maneira insuspeita.
76
CAPÍTULO XI - O QUARTO MOMENTO DA JORNADA:
Gamaliel aguardou o adormecimento de sua
pupila, durante a madrugada, para conversar com ela. Vendo-o, seu coração
encheu-se de contentamento e Lílian, então, disse-lhe:
— Irmão Gamaliel que alegria! Hoje, para mim,
como sabe, será um dia muito especial, pois finalmente contarei a Levy sobre a
vida que carrego dentro de mim, sobre nossa filha.
Vendo a esposa pronunciar o nome Gamaliel, de
imediato Levy soube que sua amada encontrava-se em processo de desdobramento
mediúnico. Ele nunca entendera, nem se envolvera nestes fenômenos, mas sempre
respeitara a esposa ao observar as consequências benfazejas que tais
comunicações provocavam em sua vida, de seus amigos e de sua comunidade, assim,
ao escutá-la pronunciar o nome daquele que ela dizia ser o irmão Gamaliel, seu
mentor, ele, com amor quase infinito, aconchegou-a em seu peito e tornou a
dormir.
Já em plena atividade de desdobramento,
Gamaliel respondeu a Lílian:
— Jamais poderia deixar de
estar contigo agora, minha filha! E muito me alegra saber
que enquanto muitos neste acampamento, inadvertidamente, carregam a pesarosa
angústia da dúvida no coração, você descansa na fé ao Eterno. Saiba que, além
de uma ordenação do Altíssimo, sempre foi um motivo de muita satisfação poder
mentorear um ser tão altruísta e caridoso quanto você. Quando um ciclo se
encerra parece o fim de toda uma história, mas é apenas uma nova oportunidade
que o Eterno faculta ao aprendiz a fim de que, com novas bagagens,
oportunidades e estradas, ele tenha condições de evoluir, em espírito e
verdade, em direção ao único caminho que conduz à real felicidade, o caminho
Dele, assim nunca vou poder deixar de agradecer a Deus por conduzi-la neste teu
ciclo de vida, enquanto for a vontade Dele.
77
— Sinto-me muito grata com tuas palavras,
irmão Gamaliel, mas seriam elas um indicativo de que algum ciclo está para
encerrar-se em minha vida?
— Observaste bem minha filha, mas como sempre
digo a você, torno a repetir ser desnecessário e infrutífero trazer angústia,
sofrimento e dor para dentro de sua vida devido à certeza do desconhecimento
sobre o amanhã, pois se teu hoje, teu amanhã e toda tua vida for entregue aos
caminhos do Eterno, Ele tudo o mais a ela acrescentará. Confia minha filha!
Confia, pois em cada ciclo que estiver, se permitido pelo Alto for,
lá eu estarei presente.
Como trazia paz para Lílian as palavras
proferidas por Gamaliel! Se ao início do diálogo, conhecendo a índole de
Efraim, ela temia pela vida de seu amado Levy, em especial pelo resultado de
seu último diálogo com ele, ao seu término o seu coração estava inundado por
imensa gratidão. Todo seu ser estava tão grato que ela apenas lhe respondeu:
— Que assim seja, irmão Gamaliel!
Amanheceu e quando observei, por mais um dia,
uma coluna de nuvens no firmamento a tampar os primeiros raios solares que já
começavam a despontar, não tive como não deixar de pensar no tamanho infinito do
amor de Deus por sua criação, também manifesto na natureza e, em contrapartida,
como nós, seus humanos filhos, estamos tão ensimesmados em nossas vidas que
acabamos por nos tornarmos indiferentes a estes fenômenos e, quando não pior,
sermos ingratos a eles, pois atentem, quem de nós, no dia-a-dia, está para
observar o firmamento e tudo o que nele há em toda sua beleza e, assim o
fazendo, agradecer a Deus por sua misericórdia? Quem de nós está para observar
quando, sob o sol, uma singela nuvem aparece para obscurecê-lo momentaneamente
e trazer um breve refrigério em nossa jornada? Ao invés de olharmos aos céus e
agradecer a Deus pelo tempo que àquela formação de vapor líquido nos
proporcionou frescor, passamos a reclamar, do tempo e até da vida por julgarmos
breve o momento. Não sei, mas creio que se pudéssemos ser mais gratos pelo que
Deus nos oportuniza e pelo tempo que Ele nos proporciona, então seríamos mais
felizes em nossas vidas.
78
Ao amanhecer, a maioria daquela multidão
encontrava-se em plena gratidão por reconhecer, naquela nuvem, uma indubitável
manifestação da presença de Deus. Esta gratitude era manifesta no agir e no
falar, mas especialmente no olhar de cada um.
Enquanto isto e há vários quilômetros dali,
Faraó, que considerava como fato consumado o retorno dos hebreus por os verem
como incapazes em gerir as próprias vidas, foi comunicado que não retornariam
e, pior, pareciam partir em fuga das terras do Egito, assim passou toda a manhã
cuidando de procedimentos necessários para a manutenção da ordem no país ao
longo de sua breve ausência, porque se sentindo extremamente indignado com o
que ponderava enorme ingratidão daquela imensidão de pessoas, o mandatário
maior do Egito, ao início do entardecer, partiu com seu exército, em carruagens
e montarias, para alcançar os judeus, subjugá-los e trazê-los de volta ao
Egito.
Por serem suas montarias as melhores do país,
pela formidável qualidade de suas carruagens e experiência de seus homens,
Faraó considerou que os hebreus seriam alcançados com extrema facilidade,
assim ordenou que seus homens partissem vigorosamente em direção àquela
multidão.
Certamente não haveria necessidade de que
ele, o grande Faraó, participasse daquela empreitada, mas para calar o
descontentamento do povo egípcio com o seu consentimento à partida
dos hebreus, resolveu ele mesmo ir junto aos seus comandados, como forma a
demonstrar o quão poderoso era ele, seu exército e seu povo.
Enquanto àquela hora, Faraó e seu
exército sentiam o efeito de um calor causticante, lá pelo lado onde estavam os
hebreus a coluna de nuvem permanecia a, praticamente, a anular poderosamente o
efeito das ondas caloríferas.
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Praticamente ao final da tarde, com os
pensamentos desalinhados pela tormentosa paixão, Efraim ponderou que,
infelizmente, deveria eliminar Levy se algum dia quisesse ter
a chance de ficar com Lílian, assim chegou à conclusão de que a
melhor forma, àquela que seria mais discreta para envenená-lo seria colocando a
quantidade necessária da substância junto à água em seu odre e oferecê-lo ao
amigo. Ele assim o fez, todavia Levy fora muito requisitado, durante todo dia,
junto ao conselho dos anciões, o que não o permitiu estar mais afastado, junto
ao amigo, para que poucos pudessem testemunhar o seu ato.
O tempo passou célere e, ao anoitecer, junto
ao local onde a coluna de fogo estancara como a indicar que os hebreus
repousassem, Lílian, na tenda do casal, chamara ao esposo para contar-lhe as
boas novas.
Assim que adentraram, Levy abraçou a esposa, beijou-a nos lábios e,
acariciando-lhe a cabeleira, disse-lhe:
— Diga-me, linda “olhos de jaspe”, quais
são as boas novas?
Lílian segurou o marido pela cintura e
levantou lentamente a cabeça para falar-lhe, mas ao encarar o esposo percebeu
que ele tentava, a muito custo, controlar a risada, assim deduziu que ele, sem
que tivesse a intenção, mais uma vez acabara por desarrumar seu penteado, então
falou a Levy, que continuava a controlar o riso:
— Sabe Levy, com o passar dos anos eu o
observo tornar-se um homem, um ser humano, um filho de Deus cada vez melhor,
mas tem uma coisa que nunca mudou em você.
Entendendo que a esposa preparava-se para
tecer algum comentário jocoso, ele então perguntou:
80
— Verdade, minha amada? E o
que seria isto?
— Tua beleza!
Levy envaideceu-se com o comentário e
intencionou beijar sua amada “olhos de jaspe”, contudo ela rapidamente passou
as mãos na vasta cabeleira dele e, mirando-lhe de maneira gracejosa,
disse:
— E você continua a ser, ainda mais
belo, quando desgrenhado está!
Mais ela não conseguiu dizer, pois
caiu em uma risada franca, espontânea, mas incontrolável e, vendo-a
daquela forma, Levy, que já não aguentava mais segurar o sorriso, também
permitiu-se gargalhar.
Era admirável observar o quanto o
relacionamento daquele casal parecia inequivocamente tratar-se de um encontro
de almas, mas após terminado aquele momento, Lílian chamou o amado para sentar
junto a ela e então falou-lhe:
— Descontração à
parte, tenho algo muito importante para contar, Levy!
— Sou todo ouvidos!
— Sei deste fato já faz algum tempo, mas
fui orientada por Gamaliel a relatar para você somente hoje.
— E o que seria isto?
— Levy, você vai ser pai!
— Como?
— Isto mesmo que ouviu, querido. Você vai
ser pai!
Levy tornou a abraçar a esposa e, com os olhos
marejados, disse:
81
— Esta é a melhor notícia que você
poderia contar-me, entre todas as outras! Que alegria, meu amor! Foi por isto
que você, por vários meses, ficou praticamente em estado
de repouso antes de partirmos em viagem, não é mesmo?
— Isto! Fui orientada por Gamaliel a
preparar-me para esta viagem que agora estamos fazendo junto a nosso povo.
— Mas está tudo bem com a criança? O seu
ventre nem está dilatado!
— Gamaliel disse que seria assim, Levy,
até o oitavo mês, quando a gestação será, a todos, perceptível.
— Mais alguém sabe desta venturosa
notícia, querida?
— Decerto que não, Levy! Você é, com
certeza, o primeiro a saber.
— Mas você saberia dizer por que Gamaliel
solicitou este tempo de segredo para você?
— Levy, toda vez que tenho a oportunidade de
estar com o irmão Gamaliel, ele sempre me instrui em relação a diversos
assuntos, contudo um tema bastante recorrente que surge em nossas conversas é
sobre a ciclicidade divina presente em toda a criação.
— Ciclos?
— Isto Levy! Ele conta que tudo na
criação do Eterno ocorre em ciclos, por exemplo, temos a hora de dormir, que
vem com o ciclo noturno e que é necessária para podermos descansar e recompor
as energias dispendidas ao longo do dia.
82
— Entendo querida, então seguindo a
lógica presente na informação de Gamaliel, o ciclo do dia seria aquele
necessário para gastarmos a energia armazenada durante a noite a fim
de realizar as atividades que nos forem necessárias, não é assim?
— Exatamente! Então, saber ao certo o motivo
que fez com que Gamaliel pedisse a mim para contá-lo sobre nossa filha apenas
hoje, eu não sei, mas tenho a sensação que está ligado a esta questão cíclica
relacionada a criação divina.
— Filha, minha linda "olhos de
jaspe"? Ele disse que será uma menina?
— Na verdade, ele disse que eu estava em
um ciclo femininamente gestacional. Sabemos que o fenômeno da gestação, pelo
menos na raça humana, ocorre somente junto às fêmeas e o irmão Gamaliel não
costuma ser redundante, então penso que foi uma forma sutil dele
dizer que seremos pais de uma linda menininha: Eloah, tudo bem?
— Eloah? Claro que sim, querida! Em homenagem
a sua amada tia, não é isto?
— Isso, meu amor exatamente!
Mais algumas palavras foram trocadas entre
aquele casal de verdadeiros apaixonados, mas o mais importante é que fora
daquela tenda, agachado e surpreso, Efraim escutara toda a conversa que deveria
ser privativa ao casal. O único resultado positivo de tal indiscrição foi que,
ao tomar conhecimento da informação, ele sentiu-se pressionado a não ceifar a
vida de Levy, pois sabia o quanto Lílian era sensível e que se seguisse diante
com seus planos, provavelmente colocaria a vida de sua amada em perigo, desta
forma, a muito contragosto, ele concluiu que deveria adiar os seus planos,
assim guardou o odre dentro de seu bornal e retornou para sua tenda.
Ainda naquela noite, mesmo desconhecendo as
intenções de Efraim, Lílian, ao deitar-se, solicitou a Levy que redobrasse os
cuidados com sua segurança.
83
CAPÍTULO XII - O QUINTO MOMENTO DA
JORNADA:
Orientada por Moisés, que do Alto e em sonho
recebera mais uma mensagem àquela noite, toda a massa partiu em direção ao mar.
Muitos daqueles que a compunham não conseguiam entender as motivações para
seguirem na direção indicada, uma vez que nem embarcações possuíam, mas ainda
assim seguiam viagem.
Lílian caminhava, mais falante que o normal,
conversando com Maya. Quando indagada sobre o possível motivo daquela alegria
radiante, Lílian confessou a amiga que estava grávida e ela exultou em preces
ao Eterno como a agradecê-Lo por havê-la abençoado com tamanha graça.
Efraim, que seguia à frente com Levy, os líderes e o conselho dos anciões,
também foi informado pelo amigo de que em breve seria pai, assim simulando
genuína surpresa, congratulou ao amigo pela benção a ser recebida.
Passaram então, os dois amigos, a dialogar sobre um novo mundo de esperança que
os aguardava. Tanto conversaram que acabaram por esvaziar o odre de Levy.
Atordoado e cansado com a noite mal dormida,
foi somente nesta hora que Efraim deu por falta de seu odre, que esquecera no
bornal e que aquela hora muito provavelmente deveria estar sendo carregado por
sua mãe. Tentou disfarçar o pânico com o equívoco cometido, mas saiu
velozmente, em meio àquela multidão, em direção à Maya e dizendo a Levy que
retornaria com mais água para eles.
Ocorre que aquele dia estava, estranhamente,
bem mais quente que o normal. Àquela hora, por volta do horário que hoje
conhecemos por onze horas (11h00), Lílian e Maya continuavam a confabular,
esperançosas, pela nova vida que estavam prestes a iniciar e em todos os
sentidos. Maya raramente tinha o hábito de hidratar-se com frequência, mas com
Lílian o oposto ocorria, ainda mais naquele dia que exalava alegria por todos
os poros e pelas inúmeras palavras trocadas junto a amiga. Maya, sabendo
encontrar-se a amiga gestante e preocupada com que passasse mal por
desidratação, também estava com seu odre vazio, mas carregava o bornal do filho
e encontrou um odre que ofereceu à amiga.
84
Ao conseguir aproximar-se das duas, Efraim
flagrou sua amada a engolir doses generosas da água de seu odre, que estava
preparada com veneno para ceifar a vida do amigo e que ele, ainda que pelo
cansaço de uma noite extremamente mal dormida, levianamente esquecera de
livrar-se.
Mal conseguindo disfarçar o assombro, Efraim apenas disse à Maya:
— Vim buscar o bornal, pois o dia está quente
e eu e Levy acabamos por conversar mais do que o normal com a boa-nova
recebida, aliás, no que diz respeito a isto, meus parabéns, Lilian!
Lílian apenas agradeceu a felicitação
recebida, mas estranhou no fundo da alma o semblante de espanto e pesar que
Efraim mal conseguia dissimular. Ainda assim, pediu-lhe:
— Efraim, teria como você pedir a Levy que,
assim que for possível, venha falar comigo? É que preciso contar-lhe sobre algo
estranho que aconteceu esta noite.
— Certamente, Lílian! Estou voltando para lá
agora.
Com sua bolsa na mão, Efraim tornou a
caminhar, em meio à multidão, para perto de Levy, porém, à cada passo, sabia
que nunca mais tornaria a ver a luz nos olhos de Lílian. Ao invés de repassar,
textualmente, o recado de Lílian, Efraim ponderou ser melhor dizer ao amigo que
corresse em direção a amada, por ela ter algo urgente e inadiável a lhe dizer.
85
Quando conseguiu chegar perto de Levy e
transmitir-lhe o recado, ambos escutaram um bramido em desespero e reconheceram
tratar-se da voz de Maya, Levy saiu em disparada e Efraim, a passos largos,
seguia logo atrás.
A cena vista por Levy era terrível até mesmo para se descrever, pois
sua amada, ao chão, se contorcia de dor em um esforço tremendo para
aspirar o ar que lhe parecia diminuto. O coração de Lílian batia
desenfreadamente e sua visão estava bastante embaçada. Levy colocou-lhe a
cabeça sobre suas pernas, segurou-lhe as mãos e disse:
— Minha amada, o que você tem? Terá sido a
caminhada um grande esforço para você e nossa filha?
Ocorre que Lílian não possuía forças para
respondê-lo. Em todos os contatos junto ao irmão Gamaliel, Lílian sempre
deduziu a existência de outra vida além da terrena. Pelos exemplos praticados
no auxílio ao próximo e uma existência carnal pautada pela vivência da
caridade, ela suspeitava que algo de positivo a estaria aguardando no dia em
que desencarnasse, assim ela não possuía receio algum em realizar a grande
travessia.
Ela somente gostaria de ter uma oportunidade
de conhecer a vida que carregava dentro de si, de passar mais tempo ao lado do
homem que a compreendia como poucos e que, ao contrário do machismo reinante
àquela época, a tratava como uma igual em direitos, mas superior pela vivência
compreensiva, empática e caritativa que ele, seu esposo Levy, dizia haver no
contato dela com qualquer criatura, mas em especial com ele. Além disto, sendo
uma pessoa de fé genuína, ela também desejava estar um tempo a mais com o seu
povo, ao menos até que alcançassem a terra prometida.
86
Mais pensamentos Lílian não conseguiu
elaborar, pois seu coração batia aceleradamente como a tentar
facilitar a sua respiração, que prejudicada estava pelos terríveis efeitos do
veneno que circulava em sua corrente sanguínea. O ar continuava a lhe faltar e
a dificuldade na realização das trocas respiratórias já começava a prejudicar a
coerência de seu raciocínio.
Paralelamente a isto, Levy, extremamente preocupado com a esposa, olhou para
Efraim e Maya, dizendo-lhes:
— Meus inestimáveis amigos, vocês são exímios
no conhecimento e manejo com ervas, então, por favor, utilizem o extrato de
alguma planta ou qualquer coisa que o valha para salvar a vida de minha amada!
— Levy, ela parece que está sofrendo um ataque
cardíaco fulminante. Infelizmente não há tempo, nem condições para resolvermos
esta situação.
Maya, olhando a Levy, aquiesceu com a cabeça em concordância com as palavras do
filho.
— Lílian, minha amada, parece que você é
pessoa tão preciosa que o Eterno a está chamando para perto dele, ainda na
juventude. Quero dizer que eu te amo com todas as forças e de uma forma como
jamais tornarei a amar alguém.
Lílian tentava, mas não conseguia responder ao
amado, ainda assim, mesmo que a debilidade respiratória a impedisse de dizer o
quanto amava o esposo ou quaisquer outras palavras, ela haveria de utilizar as
últimas forças de seu ser para, ao menos despedir-se fazendo um gesto por ele
tão apreciado, um gesto que sempre lhe provocava sorrisos.
Sua visão já estava bem turva, mas com muito
custo ela conseguiu erguer a destra e tocar a cabeleira do marido. Percebendo
que não teria mais forças para baixar o braço e com a visão já quase
escurecida, ela esforçou-se e visualizou o leve desalinho que provocara no
penteado do ser amado pela última vez e que conseguira fazer brotar traços de um
tímido sorriso em sua face. Ele, então, segurando-lhe a mão, disse:
87
— Desalinhou os meus cabelos, não é,
meus "olhos de jaspe"? Percebo que não consegue falar, mas
espero agora estar apresentável para reiterar o quanto te amo. Hoje e para
sempre!
— Ao vislumbrar parcialmente, e com tremendo
esforço, a cabeleira desgrenhada daquele que lhe conquistara o coração, Lílian
intencionou esboçar um sorriso pelo canto dos lábios, como a endereçar-lhe todo
o seu afeto, mas não teve forças para concretizá-lo, pois seus olhos se
fecharam pela última vez.
Em pouquíssimo tempo o seu espírito, já
liberto do invólucro carnal, levantou-se e encontrou Gamaliel a aguardá-la.
— Irmão Gamaliel, o que aconteceu?
— O ciclo de tua atual encarnação acabou de
findar.
— E minha filha? Como está Eloah?
— Você crê no Eterno?
— Sim!
— Guardadas as devidas proporções, pergunto:
você confia em mim?
— Certamente!
— Então acompanhe-me e tudo será esclarecido.
— E Levy, irmão Gamaliel? Eu não posso
deixá-lo sozinho, ainda mais agora pelo período que estamos passando junto a
nosso povo.
— Confie em Deus, minha filha, e não te
preocupes com Levy, nem com teus irmãos de jornada, pois o que está para
acontecer hoje ficará conhecido, para todo o sempre, como uma das maiores
demonstrações de poder e do amor do Eterno, mas isto não caberá a você
testemunhar.
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— E Levy, irmão Gamaliel? Ele vai ficar
destroçado com o fato que não será pai.
— Levy já é pai, minha filha! A paternidade
não é definida pela quantidade de tempo que um pai exerce sua função e nem pelo
volume de experiências vivenciadas neste tempo, mas sim pela qualidade
destas ao longo do tempo que por Deus for definido. Vejamos seu
esposo, por exemplo, ele teve consciência da paternidade há menos de vinte e
quatro horas, mas a forma como ele vivenciou esta função, durante este tempo, o
torna mais digno do título de pai do que àquele ser humano que já é pai há
muitos anos, mas pouco tem tempo para dedicar-se aos filhos e vivenciar tal
experiência, com responsabilidade e dignidade, sim, mas em especial com atenção
e amor. Além disto, quando uma pessoa desencarna, Deus, sendo o Pai primeiro
desta, não perde esta nobre função por seu filho encontrar-se em outro plano da
existência. Da mesma forma, Levy foi pai terreno por oito meses, mas não deixará
de ser pai por Eloah haver desencarnado junto a você, não concorda?
— Concordo, sim, irmão Gamaliel e vejo que
tens razão. Foi por isso que você orientou que eu contasse a Levy sobre a
paternidade, somente ontem, não é isso?
— Também, mas não somente, pois Deus, em sua
infinita misericórdia, aguardou até o último instante para que, por meio do
livre-arbítrio de seus humanos filhos, as coisas pudessem desenrolar-se de
outra maneira, todavia não atormente o seu coração, pois todos os caminhos
pertencem a Deus, mas para que você possa entender melhor sobre estas e outras
coisas, sugiro que me acompanhe.
Lílian virou-se e viu Levy abraçado a seu
corpo, assim tornou a fitar Gamaliel e pediu-lhe:
— Irmão Gamaliel, irei contigo, todavia,
antes, haveria a possibilidade de eu realizar uma prece ao Eterno em intenção
de Levy?
89
— Certamente, minha filha e eu não esperaria
outra coisa de você.
Lílian ajoelhou-se e Gamaliel repetiu o gesto
de sua pupila. Em sequência, ela baixou a cabeça, entrelaçou suas mãos, fechou
os olhos e realizou sentida prece:
"Oh Pai Eterno, bem sabes que ainda
gostaria de estar andando, em carne, junto ao meu amado, aos meus amigos e ao
meu povo, mas se o senhor me quer junto de Ti, então que a Tua vontade se
cumpra. Rogo-Lhe somente, senhor, que a força do Teu sublime e misericordioso
amor sustente a caminhada de meu amado Levy e, ainda que seja ínfimo perante
sua infinita amorosidade, se for de Teu querer, também peço que use a força de
meu sincero amor para que fortaleças a toda caminhada dele. Além disto, ó
Eterno, meu povo, em terra, continuará a ser guiado por Vós a um
caminho que os possibilite viver em comunhão contigo, assim peço-O que
também os abençoe nesta caminhada. Caberá a mim, senhor Deus, buscar seguir ao
caminho que leva a Ti em outro plano da existência, desta forma, Pai,
conforta-me também nesta estrada que traçaste para mim conforme os Teus santos
desígnios. Que assim seja!!!"
Enquanto realizava esta prece, pude observar
Lílian se metamorfoseando em rósea esfera de luz, com o amparo de Gamaliel que,
também transfigurou-se em uma esfera dourada. Ao fim da prece, àqueles seres
literalmente de luz, partiram em altíssima velocidade em direção às esferas
superiores.
90
Com o passar do tempo, Levy tornou-se menos
aflito em relação a toda aquela situação. O que também o auxiliava a serenar as
emoções era recordar-se das cantigas infantis entoadas por sua mãe, Rebeca, que
parecia possuir uma canção encorajadora para cada situação difícil da vida.
Diante do que era possível, em meio ao deserto,
Lílian foi sepultada conforme à tradição.
Logo após o sepultamento, Levy disse a Efraim
que decidira não seguir com o seu povo, mas sim permanecer junto ao túmulo da
esposa, aguardando a chegada das tropas de Faraó, pois dizia que para ele a
vida havia perdido o sentido, mas que muitos dos responsáveis pela partida de
sua amada, também partiriam com ela.
O interior de Efraim era só tristeza profunda
e arrependimento, pois sabia que, ainda que indiretamente, houvera sido ele o
causador da morte de Lílian e de sua filha. Precisamente ali, naquele instante,
nascia em sua alma a sombria mancha de um remorso que tantos dissabores lhe
provocariam na inexorável força do tempo, entretanto curiosamente foi tal
sentimento a força motriz para gerar os princípios de um sincero arrependimento
que o fez comprometer-se com Levy como se fora o seu guardião. Também foi este
o sentimento que o fez responder à argumentação do amigo:
91
— Levy, o que você está dizendo é um conclame
ao suicídio e…
— …Desculpe-me interrompê-lo, leal amigo, mas
não pedi tua permissão e nem a pedirei a ninguém. Ficarei por aqui e ceifarei a
vida de quantos desgraçados eu puder e olha que eu posso garantir, à custa da
minha própria vida, que não serão poucos. Sou treinado em preparar armadilhas atrozes.
Aqui no deserto não há mão-de-obra suficiente para executar tudo o que aprendi,
mas será o necessário para que eu faça com que algumas bigas egípcias tropecem
uma sobre as outras e promovam um leve desastre, já que, muito provavelmente
estarão a alta velocidade e não conseguirão, todas elas, pararem a tempo ou se
desviarem do ardil por mim, preparado.
— Levy.
— Ainda não terminei de falar. Na
verdade, Efraim, vou usar de muita sinceridade para falar contigo. Veja,
sei que Deus é verdadeiramente poderoso, que Ele tem estreita intimidade com
nosso líder, Moisés e que nossa trajetória, desde a saída do Egito, está
repleta de fenômenos que só tenho como chamar de sobrenaturais, mas ouça
atentamente uma coisa, sei que Moisés conhece muito bem este território, ocorre
que eu também não fico tão atrás neste nível de conhecimento, uma vez que
realizei vários treinamentos ao longo dele e é por isto que te afirmo que para
a praia onde estamos sendo conduzidos não há chance de possível fuga
para toda a nossa gente, pois à nossa frente estará o mar, atrás estará uma
formação montanhosa que, possivelmente, só eu, Moisés e pouquíssimos de nossos
homens sabem como transpor, além disto, boa parte do caminho é estreito e
íngreme em certos pontos, assim não conseguiríamos fugir a tempo, se necessário
for, das tropas de Faraó, ou seja, nós estaríamos cercados e seríamos presas
fáceis, pois não temos embarcações para atravessar o mar e é por isto que
decidi ficar por aqui, perto do túmulo de minha amada, a utilizar-me deste
deserto para preparar armadilhas a fazê-lo também de túmulo destes malditos.
92
— Eu compreendo bem teu ponto de vista, Levy,
sei que você é um grande guerreiro, mas o resultado desta tua ação será a perda
de sua própria vida.
— Mas você ainda não entendeu, Efraim? Metade
de minha vida acabou com a morte de minha amada e de minha filha, mas eu posso
garantir que a outra metade, a qual é minha própria vida, farei questão de
entregar ao destino para ceifar a de muitos destes miseráveis soldados.
Sendo um perspicaz entendedor do comportamento
humano, logo, também daquele apresentado pelo amigo Levy, Efraim compreendeu
que devido ao temperamento dele e a sua formidável habilidade em estratégia
militar e formas de combate, não seria a argumentação a respeito da perda da
própria vida que demoveria o amigo de sua intencionalidade, todavia se havia
algo em Levy maior que esta sua característica, era o amor ao Eterno e aos seus
caminhos, assim, após muito pensar, Efraim respondeu-lhe:
— Levy, você lembra que se fosse por
você e alguns do nosso povo, assim que saímos do Egito, teríamos seguido pelas
terras dos filisteus?
— Sim, mas isto não tem relação com o que eu
estou dizendo.
— Lembra-se que você resolveu aquietar o seu
eu para seguir o caminho traçado pelo Eterno, por intermédio de Moisés?
— Sim!
93
— Então, meu amigo. Olhe para o firmamento e
veja que Deus, através de sua coluna de fumaça, quer que sigamos adiante, não
que façamos armadilhas ou entremos em combate, então por que você contrariaria
a vontade do Eterno?
— Efraim, confio em Deus, mas estamos sendo
conduzidos para o caminho do mar! O que você pensa que acontecerá quando à
nossa frente estiver apenas o oceano e logo atrás as montanhas e os soldados de
Faraó a quererem o retorno de nossa escravidão? Acaso pensa que eu, você e toda
essa imensidão que é nosso povo boiará pelas águas até alcançar o outro lado?
— Levy, o que ocorrerá, por enquanto, só é
conhecido pelo Eterno, mas por que duvidar de Seu poder, se Ele até agora tanto
nos mostrou? Pense, meu amigo!
— Efraim, compreenda que até farei o que me
pede, mas tenha certeza que se o que eu prevejo realmente acontecer, você será
o responsável pela perda inútil de uma vida que será a minha. Digo inútil por
que eu, ao solo, diante de carros e montarias, serei destroçado sem ceifar a
vida de um único egípcio, ao passo que se eu preparar as armadilhas, posso
tirar a vida de muitos destes malditos, você conseguiria conviver com isto?
— Levy, nem eu ou você precisaremos conviver
com isto, porque seguindo o caminho Dele, como agora estamos fazendo, o resto
Ele proverá.
— Pois bem, veremos!
— Confiemos, Levy, confiemos!
Em seguida ao sepultamento, àquela comitiva de
pessoas prosseguiu sua jornada pelo caminho da fé e em direção ao mar. Andaram,
ainda, vários quilômetros até que, quase ao anoitecer, chegaram
a frente da orla marítima e, por orientação de Moisés, armaram
acampamento.
94
CAPÍTULO XIII - O SEXTO MOMENTO
DA JORNADA:
Durante a madrugada, o divino mestre Jesus
esteve com o líder do povo hebreu e disse-lhe:
— Moisés!
— Eis-me aqui, senhor!
— É chegada a hora, filho meu! Orientei que
você guiasse o povo para cá, porque Faraó, em atitudes de soberba, vaidade e
orgulho, acabou por afastar-se da influência benfazeja de seus guias
protetores. Todos os meios de amor, paz e compreensão foram empregados, por
parte de meu Pai, para que ele acabasse por decidir-se em não sair em
perseguição ao povo, ocorre que o Pai criou os seus filhos para que, através do
livre arbítrio, possam escolher entre viver um caminho que lhe possibilite
estar em harmonia com Ele, com si próprio e o próximo ou em estrada que os
levem a vivenciar a desarmonia.
— O Pai criou o homem para ser instrumento de
Sua boa-ventura em toda a criação, mas ao contrário das demais criaturas por
Ele criadas, ele foi dotado de razão para ter a possibilidade de entender toda
a paz reinante em Sua obra e escolher vivenciá-la, em fé e exemplos, de modo a
alcançá-la ou dela abdicar para, pelo livre-arbítrio, seguir em caminho
contrário. Foi exatamente este último o caminho seguido por Faraó.
— Ele e seu exército
estão vindo, meu filho, mas não os alcançarão.
— Senhor, louvada seja tua misericórdia! Eu
guiei meu povo para cá em obediência a Vossa orientação, mas ouço muitos
murmúrios e queixumes que, de certa forma, não tenho nem mesmo como pensar que
sejam equivocados, pois a nossa frente há o mar, em torno de nós
estão estas montanhas e atrás de nós, como o senhor acabou de confirmar,
vem Faraó e seu exército. A sensação reinante é a de que estamos encurralados,
assim seria possível que o senhor acalentasse essa angústia em meu coração,
dizendo o que pretende, qual o próximo passo?
— Não, meu filho! Eu te amo, como a todos, e
posso, mas não devo.
95
— Puxa, mas por que senhor? Seria pedir muito?
— Não, filho meu, não seria e não é, mas
entenda que meu Pai os guiou até aqui por que necessita que o povo creia Nele e
Nele acredite através de vós, pois tu és um instrumento Dele para que isto
ocorra, mas se tu duvidas, por um segundo que for, como o povo que guias
acreditará?
— O que está para acontecer dependerá,
primeiramente, de tua fé, porque as demais coisas que meu Pai necessitará de
ti, você tem amplo conhecimento de como fornecê-las. Tenha fé e, por teu
intermédio, o Pai realizará ainda mais prodígios. O que acontecerá aqui, em
breve, fará com que povo tenha a oportunidade de, vendo, use seu livre-arbítrio
para crer em Deus e na tua habilidade enquanto líder. Tenha fé, viva a fé e
seja a fé, pois só assim tudo sairá exatamente conforme foi estruturado
por meu Pai.
— Que assim seja, senhor! Farei tudo o que
depender de mim, para que seja cumprido os desígnios do Pai.
Ao amanhecer e cerca de duas horas após os
primeiros raios solares despontarem no firmamento, Moisés recebeu do Eterno a
ordenação para que todo o povo passasse a manhã em oração e cânticos de louvor
na temática da gratidão à infinita misericórdia do Pai. Ainda que muitas
daquelas pessoas vissem a atitude de haverem sido guiados até àquela localidade
como um ato de extrema insanidade de um homem e não de Deus, todos acabaram por
seguir as orientações transmitidas por Moisés.
À tarde, por volta das dezesseis horas, e
seguindo nova orientação do Eterno, Moisés solicitou que o povo, devagar e
organizadamente, começasse a desmontar o acampamento e a organizar os pertences.
É preciso dizer que, neste instante, o céu
estava totalmente tomado por nuvens espessas e escuras, como se um dilúvio
estivesse pronto a precipitar-se do firmamento, todavia a mais impressionante
entre elas, era a coluna de nuvens que se destacava no céu entre todas as
outras e que permanecia no exato local onde poderia ser avistado o sol, àquela
hora já se preparando para deitar-se ao longe, se não fosse a intensidade
de nuvens no alto.
96
Praticamente ao final da tarde era possível
observar, ainda ao longe, uma imensa nuvem de poeira a sinalizar a aproximação
de muitos egípcios. Vendo tal situação, a maioria das pessoas, que ainda
desmontava o acampamento, passou a reclamar com Moisés pela morte certa que
encontrariam quando seus algozes os alcançassem. Foi o estopim para que uma
imensidão de murmúrios brotasse dos lábios daquelas pessoas. Muitos daqueles
que prefeririam haver permanecido cativos no Egito do que partir, teoricamente
a esmo para trilhar um caminho inóspito e desconhecido, passaram a proferir
toda a sorte de lamúrias.
Ouvindo àquelas ingratas lamentações ao
Eterno, Moisés, que não possuía tanta habilidade com as palavras, ainda assim
disse ao povo:
— Irmãos, tenham mais do que calma, tenham fé!
O que para vocês, agora, parece o fim certo, nada mais é do que o testemunho
que o Eterno nos dará do tamanho de seu poder e de sua misericórdia. A partir
de hoje e para ao longo dos séculos e séculos todos entenderão que para o
Eterno nada é impossível. Deus atende a fé, não a lamentações, então poupem a
Ele de suas lamúrias e também aos meus ouvidos, pois muito ainda precisa ser
feito. Tenham fé e orem. Se não orarem, ao menos calem-se, pois um silêncio na
presença do Eterno vale mais do que mil palavras ingratas a afastar-nos de Sua
presença.
Arão olhou a Moisés como se desaprovasse esta
sua última fala, mas ele, ao terminar o pronunciamento, disse-lhe apenas:
— Foi necessário.
Foi curioso observar o resultado daquele
pronunciamento de Moisés, pois toda a multidão calou-se por completo.
Obtido o silêncio necessário para uma efetiva
comunicação ao Alto, Moisés alcançou condições de orar ao Eterno. Como resposta
de sua prece, ele entendeu o que deveria ser feito, assim a coluna de fumaça
desceu do firmamento e passou a ficar atrás dos hebreus. A coluna de fogo
também passou de diante daquela massa para a parte anterior, mas a uma
distância necessária para que, acredito eu, provocar uma catalisação no
processo de condensação dos vapores de água presentes na nuvem, tornando-a,
talvez, mais negra que a noite. Em seguida, como se guiada por uma mão eólica,
àquela enorme e espessa coluna horizontal, inacreditavelmente escura, partiu
com extrema velocidade em direção de onde estavam os egípcios.
97
Faraó e seu exército não contavam com àquele
fenômeno que nem mesmo eu sabia ser possível existir. A coluna de fumaça foi
velozmente ao encontro deles e, como vinham com toda a velocidade a
fim de alcançarem aos hebreus quanto antes, não foi possível a todos
reduzirem simultânea e imediatamente a velocidade de suas montarias, assim
àquele terrível breu acabou por provocar um terrível acidente, em especial
àqueles que estavam bem a frente, mas cujas quedas acabaram por provocar a
perda de muitos carros e carruagens que vinham em disparada logo atrás. O
efeito daquela ação foi tão sentida que mesmo no acampamento hebreu, a nem
tantos quilômetros dali, foi possível escutar a inúmera quantidade de gritos,
urros e impropérios.
Percebendo que àquela ação divina, produzida a
partir de elementos naturais, acabaria por atrasar a jornada de seus
perseguidores, Moisés afastou-se a certa distância do povo e partiu para a
frente do mar. Ali, ajoelhado, proferiu sentida prece ao criador. Em poucos
instantes, como se houvesse recebido uma resposta à sua oração, ele levantou-se
e passou a caminhar pela orla, conversando com o Alto e aparentando buscar um
local que fosse ideal. Na realidade, as vibrações superiores sentidas
naquele momento eram tão poderosas que ele parecia dialogar com o próprio
mestre Jesus.
Houve um momento em que Moisés estancou o
passo e lágrimas passaram a brotar de seus olhos como se o seu coração humano
não conseguisse suportar a imensidão da energia de paz que provinha daquele
contato. Tomado pela incontida emoção, mas também em atitude de extremo
respeito, ele ajoelhou-se e apoiou as mãos em seu cajado. Após certo
momento, ele levantou-se e, proferindo algumas palavras, levantou-o ao Alto,
assim, neste mesmo instante, um fortíssimo vento oriental passou a soprar por
toda a noite, todavia, incrivelmente, era um vento que, praticamente,
soprava somente em cima do mar.
98
XIV -
MOMENTO DE CONSIDERAÇÕES SOBRE A JORNADA:
Presenciar fenômenos que eu nem sabia serem
possíveis de ocorrer, tais como a descida de um enorme charuto de nuvens negras
do firmamento até o solo e seu deslocamento direcionado, em terra, a um local
específico provocava inúmeras perguntas em meu ser de tão incríveis que eram,
mesmo eu os presenciando.
Posso até dizer que, observar o acontecimento
de fenômenos climáticos decorrentes da atuação do plano espiritual, não seria
necessariamente inédito para mim, uma vez que, em certa ocasião, ao participar
de uma reunião umbandista na praia, Deus concedeu-me a oportunidade de
presenciar um destes, pois o tempo estava nublado e uma chuva começou a precipitar
do céu. Ainda que fosse quase verão, o vento também estava frio. Observando
tais condições a entidade, que chefiava os trabalhos, afastou-se,
momentaneamente, há poucos metros do local da reunião e passou a dialogar com o
Alto de forma, guardada as devidas proporções, parecida com que a vi Moisés
realizar. Passados poucos minutos, somente na região acima do local onde
ocorria tal reunião, a chuva cessou e o sol apareceu entre nuvens durante toda
a reunião, como se para amenizar os efeitos da friagem provocada pelo vento,
enquanto isso, no resto do local, e em todas as direções, choveu de maneira
moderada.
Quatro horas após, quando a reunião estava
para acabar, esta entidade ainda orientou muita fé e concentração na realização
dos procedimentos que seriam realizados pelos médiuns após seu encerramento,
uma vez que em aproximadamente trinta minutos a chuva voltaria.
Exatamente trinta minutos depois, a chuva retornou. Foi um tipo
de fenômeno que nunca vou esquecer e que sempre serei grato a Deus por haver
tido a oportunidade de presenciar, mas, ainda assim, nada se compara ao que eu
presenciava tendo acesso àquelas memórias akashicas relacionadas a
Moisés.
Observando tais interrogações, o irmão Carlos
veio a me socorrer dizendo:
— Por que tantas perguntas, meu irmão, se a
resposta, para todas elas, é a mesma e se já conversamos sobre isto?
— Como assim, irmão Carlos? A resposta para a
descida da coluna de nuvens e seu direcionamento intencional é consequência da
realização de procedimentos magísticos?
99
— Não somente, mas também! Porque o espanto,
meu irmão? Lembra quando conversamos sobre o fato de magia ser o ato de invocar
poderes e propriedades divinas e acioná-los?
— Mas o vento, a chuva e as nuvens não são
fenômenos naturais?
— Prezado irmão, a ciência tem o direito de
classificar tais fenômenos da maneira que considerar a mais correta, todavia
acima de qualquer coisa, estes são fenômenos puramente divinos, ou você pensa
de forma diversa?
— De forma alguma! Deus criou a tudo,
inclusive o vento, a chuva e as nuvens.
— Se fenômenos meteorológicos são divinos,
propriedades divinas, então, pelo conceito de magia, podem ser invocados e
acionados para a prática da caridade.
— Meu Deus! Isto é incrível!
— Irmão, o mestre Jesus não acalmou uma
tempestade e, entre outros, alterou correntes marítimas para que peixes
pudessem ser pescados?
— Meu Deus, é verdade!
— Jesus também não explicou, de forma bem
clara, que quem acreditasse nele faria as coisas que ele fez e outras ainda
maiores?
— Gente, mas esta lógica é extraordinária!
— Então, sendo Moisés um ser humano crente em
Deus, seguidor das ordenações passadas por Jesus e, como já conversamos, um
mago profundo estudioso da magia, mas alicerçado com as Forças Divinas através
de intensa fé e em conformidade aos desígnios da Lei Maior e da Justiça Divina,
qual seria o impedimento de ser ele um veículo capacitado por Deus para
realizar todos os fenômenos que você tem presenciado por meio
de memórias akashicas?
— Verdade, irmão Carlos, mas atualmente,
milênios depois, esta ação ainda seria possível de ser realizada?
100
— Havendo alguém que tenha amplo conhecimento
das marés naquela região, com um alto conhecimento de magia, mas também com fé
e moralidade suficientes para ser um instrumento de Deus no cumprimento de Seus
santos desígnios em benefício do próximo, por que inexistiria tal
possibilidade?
— Magia, meu irmão, é a utilização de
propriedades divinas em benefício do próximo; ocorre que o ser humano está se
direcionando para o caminho de satisfação exclusiva do próprio ego, olvidando a
necessidade do outro.
— Você poderia falar um pouco mais sobre isto?
— Certamente. O que digo é que a criatura
humana pode e deve sempre olhar para dentro de si mesmo, mas na perspectiva de
uma autoanálise de suas ações, avaliando se têm acontecido para o bem-estar e
progresso de si próprio, do próximo e da humanidade ou somente para a
satisfação do ego, pois é justamente tal atitude que faz brotar e alimenta a
semente do egoísmo.
— Penso que estou entendendo, irmão Carlos.
— Não digo com isto, meu irmão, que o ser
humano não deva cuidar de satisfazer suas necessidades e buscar a concretização
de seus sonhos, pois entendo tais ações enquanto potentes estimuladoras de
alegria e motivadoras da satisfação de ser e estar no mundo, todavia o perigo
parte do momento em que o ser humano passa a cuidar, cada vez mais, de
satisfazer a si próprio e a olvidar as necessidades de seu próximo, criando
condições que o condicionam a trilhar a ilusória e adoecedora estrada do
egoísmo.
— Ilusória?
— Sim, porque o ser humano é criatura cujo
sentido da existência ainda se encontra na satisfação de seus desejos.
101
— Realmente, tenho visto na faculdade que a
natureza psíquica do ser humano é a de ser um eterno desejante. É sobre isto
que você está falando?
— Exatamente, companheiro e não há problema
algum em desejar ou em querer satisfazer suas próprias necessidades. Quando
falo em um caminho ilusório é justamente porque não existe satisfação plena na
realização de um desejo, pois devido a esta natureza desejante do ser
humano, a satisfação está em desejar e buscar realizar o próximo desejo, ou
seja, olhando só para si próprio, a criatura humana sente-se sempre em
incompletude, mas tem a ilusão de que com a concretização do
próximo desejo, então tornar-se-a completa, todavia é uma quimera.
— Coisa diferente passa a ocorrer quando o ser
humano olha o seu próximo da mesma maneira que olha a si próprio, pois este é
um olhar amplo e fraterno, ou seja, totalmente oposto aos princípios do
egoísmo. Também é um olhar esclarecedor, dilatador da realidade e que
aperfeiçoa a capacidade de autoanálise.
— Mas como eu dizia, caro irmão, o olhar
apenas para si mesmo faz com que o ser humano entre em um processo ilusório,
mas também enfermiço, por que, veja bem, é fator adoecedor sentir-se vazio,
alienado e incompleto. Vazio por que só a concretização de seus desejos não faz
com que se sinta totalmente preenchido em seus anseios psíquicos; alienado por
que não consegue entender o sentimento de falta que é existir e estar no mundo
e incompleto porque a satisfação de seus desejos não consegue realizá-lo
plenamente.
— Irmão Carlos, você poderia fornecer alguma
explicação do porquê deste fato?
— Perfeitamente. Tudo está ligado a questões
energéticas.
102
— Energéticas? Você fala da questão dos cordões
energéticos?
— Não. Cordões energéticos são estabelecidos
naturalmente a partir do instante em que o ser humano cria emoções com uma
determinada pessoa. Através deles produzimos energias que vibram, sejam elas
benéficas ou não. Isto significa dizer que a criatura humana está em permanente
e recíproca troca energética com cada pessoa a que tem contato e quanto maior a
intensidade do afeto na relação, mais forte torna-se esta ligação energética,
daí a importância de buscarmos sempre ter relações harmônicas com o próximo,
todavia não é pelo fato de uma pessoa desenvolver atitudes egoístas que ela,
necessariamente, estabelecerá cordões desarmônicos para com o próximo, entende?
— Acredito que sim. Então quais seriam estas
questões energéticas?
— Prezado irmão, a questão é que toda a
criação divina está energeticamente interconectada por meio de Suas
sagradas irradiações que englobam a tudo e a todos. Você ainda verá, no tempo
certo, as descobertas que serão realizadas no campo molecular. Pesquisadores
terão o resultado que as vibrações que o ser humano projetam, por exemplo, nas
proximidades da água depositada em um recipiente, fazem com que a estrutura
molecular da substância sinta os efeitos destas vibrações. Àquelas que são
frutos de pensamentos e sentimentos elevados, potencializam o equilíbrio
presente na estrutura molecular da substância, enquanto pensamentos e
sentimentos contrários a estes afetam negativamente tal estrutura. O mesmo
ocorre junto às árvores dispostas em proximidade numa certa região e que
conseguem sentir em suas estruturas moleculares o efeito da dor que sente uma
sua companheira quando, por exemplo, é extraída do solo.
103
— Impressionante!
— Agora reflita comigo. Se tal fenômeno
vibratório ocorre em uma estrutura inanimada como a água e em seres vivos mais
simples como as árvores, imagine o que ocorre entre os seres humanos, uma
espécie dotada de raciocínio.
— Mas, porque as coisas dão-se desta forma,
irmão Carlos?
— Pelo fato de Deus haver interligado toda a
criação através de uma teia vibratória universal; assim, se alguém da teia é
acometido pelo sofrimento, os demais são afetados, assim como vibrações
positivas irradiadas em um ponto da teia repercutem em toda sua
extensão. Então, aquele ser que frequentemente demonstra falta de sentimentos
altruístas, buscando somente a satisfação de seus desejos em busca da
felicidade, acaba por não alcança-la e sentir um profundo vazio, especialmente
por conectar-se com vibrações malfazejas emitidas por espíritos inferiores que
vivenciam e emitem energias afins a esta. Isto vai enfraquecendo seu campo
energético e tornando-a mais suscetível a vibrações negativas, ainda mais
sendo a terra um planeta de provas e expiações, ou seja, onde existe
mais a prática do mal do que a do bem.
— Triste, irmão Carlos!
— Sim, mas o pior é que tal condição faz com
que ele capte o sofrimento das pessoas enquanto uma dor que ele internaliza
como um sentimento de vazio, de incompletude que tenta preencher na satisfação
de outro desejo, mas que, nem de perto, consegue produzir o efeito almejado.
— Nossa, que complexo! É como um círculo
vicioso!
104
— Exatamente! Coisa diversa ocorre com a
pessoa que é altruísta. O altruísta também cuida de satisfazer suas próprias
necessidades, mas ao vivenciar a prática da caridade, acaba por se conectar com
as vibrações superiores emanadas pelos seres de luz. Ele cuida do que lhe
interessa, mas por também buscar satisfazer as necessidades do próximo tais
quais as suas fossem, acaba por captar o sofrimento do próximo não como um
sentimento de vazio, mas como um estímulo para bem agir na prática dos
preceitos ensinados pelo Cristo divino.
— Impressionante!
— Daí a importância de emanarmos para nós
mesmos e para o próximo apenas bons pensamentos, sentimentos e ações, pois a
divina e justa lei de ação e reação só nos permitirá receber exatamente aquilo
que ofertarmos.
— Enquanto os cordões energéticos são criados,
estabelecidos, alimentados e retroalimentados pela própria criatura humana,
conforme a qualidade das relações que estabelece com o seu próximo, a teia que
interliga toda a criação foi estabelecida por Deus. Cada ser na natureza,
conforme suas especificidades, tem sua atribuição em alimentá-la e fortalecê-la
com a vivência do bem. Nela, a criatura humana tem papel fundamental, pois
tendo a faculdade da razão, é a única que consegue avaliar os efeitos de suas
ações nesta tessitura energética. O ser humano, por ancestralidade divina, foi
gerado para nutrir esta teia energética que o interliga a toda a criação com a
energia do bem. Tenha a certeza que toda a desigualdade, infelizmente,
existente no mundo foi concebida pelo próprio ser humano e não por Deus, que a
ele criou para, através de suas ações e através das várias existências,
tornarem-se seres de luz, entende?
— Sim, irmão Carlos.
105
— Toda a criação está particularmente ligada a
Deus, mas interconectada por esta grande e divina teia vibratória. A finalidade
do divino criador ao estabelecê-la é fazer com que o planeta possa
gradativamente ir evoluindo na escala de mundos e tornar-se um mundo celeste,
onde reine exclusivamente o bem. Todas as criaturas, mediante suas naturais
atribuições, por estarem energeticamente conectadas, compartilham suas
vibrações umas com as outras. O objetivo disto é promover o equilíbrio
vibratório em toda a criação por meio de compensação energética.
— Como assim, irmão Carlos?
— Por exemplo. Suponhamos que a atuação do
homem proporcione um desequilíbrio luminoso ao longo desta teia vibratória,
fazendo com que em determinado ponto ela esteja, cem por cento, iluminada
enquanto em outro esteja apenas quarenta por cento com a fração da luz, assim,
por meio da compensação energética, as duas regiões ficarão
iluminadas com setenta por cento de luminosidade.
— Mas isto não seria um pouco injusto, irmão
Carlos?
— Injusto?
— Sim, por que se eu, por exemplo, contribuo
com meu esforço para obter cem por cento de iluminação, seria injusto usufruir
de menos luminosidade por conta daquele que se esforçou menos, não?
— Você ainda não compreendeu, meu irmão, mas
vou tentar explicar melhor. Veja bem, a evolução espiritual é particular a cada
criatura, certo?
— Certo.
— Se você, em uma encarnação, evoluir trinta
por cento, então terá esta exata porcentagem como patrimônio evolutivo do seu
espírito, mas se você conseguiu evoluir trinta por cento, então moralmente
estará evoluído em fazer o bem nesta mesma porcentagem, certo?
106
— Certo.
— O volume de boas ações que você fez ao longo
da encarnação oportunizou a você evoluir em trinta por cento e isto é
patrimônio seu, mas são os volumes de suas boas ações que também contribuem
para levar salutar luminosidade à teia vibratória. Assim, suas boas ações,
somadas com as de outras pessoas que também fazem a caridade, provocam, por
exemplo, oitenta por cento de luminosidade em certa região da teia. Ocorre que
em outra parte da teia existe apenas vinte por cento desta luz, então, por
compensação energética, ambos os pontos da teia estarão iluminados em cinquenta
por cento. O mérito de tua evolução espiritual será exclusivamente seu, ou
seja, trinta por cento, mas o volume de boas ações praticadas por você, com
outras pessoas, após a compensação energética, fará com que viva em região da
teia iluminada em cinquenta por cento, compreende?
— Creio que sim.
— Se queres viver em teia mais iluminada que
cinquenta por cento, então faça a caridade. Se te achas injustiçado por estar
vivendo em teia de menos iluminação devido à inércia dos irmãos de jornada em
praticar o bem, então incentivá-os a serem luz com o Cristo e por último, mas
não menos importante, se sua sensação de injustiça for proveniente daqueles que
agem no caminho contrário ao bem, então faça preces por eles, trabalhe por
eles, seja um exemplo para que eles entendam as lições de Jesus e cerrem a
porta larga para adentrarem à porta estreita, pois ai, sim, será
possível vivenciarem e partilharem de uma teia muito mais iluminada.
— É irmão Carlos, acredito que acabo de ter
mais um entendimento de pôr que fora da caridade não há salvação.
107
— Isto é muito importante, meu irmão, mas
posso concluir a explanação destes conceitos energéticos, permitidos a mim,
trazer até você, dizendo que a boa ação praticada por alguém serve como um
filtro consciencial e emocional aos apelos de ajuda que
chegam vibratoriamente até ele por meio da teia energética que a tudo
o conecta. Além disto, pela boa ação praticada, ele sente-se em paz consigo
mesmo e com o próximo, enquanto o bom senso e a paz em sua
consciência servem como parâmetros a informar que ele fez a parte que lhe
cabia, em tudo que era possível, para fazer, deste mundo, um lugar melhor, um
lugar de paz. A boa ação praticada também o conecta com os seus mentores
espirituais a lhe emanar vibrações salutares de luz.
— Entendo.
— Resumindo, quem pratica o bem recebe uma
tripla proteção: a de Deus, por parte de seus mentores, a de sua própria
consciência e a do próximo, uma vez que a energia de gratidão que até ele
chega, pela ajuda ofertada, serve como uma força do divino amor, que cobre uma
multidão de pecados, e torna sutil as vibrações de ajuda que a ele chegam por
meio da teia energética.
— Esclarecedor.
— Mesmo com tudo que digo, não posso relevar a
informação de que, como você bem sabe segundo as cátedras terrestres, a
sensação de incompletude e o sentimento de falta em ser e estar no mundo é
condição psíquica inerente a todo o ser humano devido a questões
estruturais da mente na tentativa de se adaptar ao mundo, mas nada além do que
um bom psicoterapeuta possa tratar de cuidar, em caso de sofrimento psíquico
nesta busca por tal adequação.
— Certamente que sim.
108
— Ocorre que o egoísta, ao contrário do
altruísta, tem tal sensação ampliada em sua consciência por três motivos. O
primeiro deles é que, na ausência da prática de uma boa ação, ele perde a
oportunidade de ter esta forma de paz na consciência. O segundo é que a
ausência desta paz não produz o filtro que minimiza sobremaneira as vibrações
por ajuda que chegam até a ele da parte daquelas pessoas necessitadas, o que
acaba por potencializar o sofrimento que o egoísta já sente em não conseguir a
paz proveniente da realização de seus desejos. Já o terceiro é que priorizar
unicamente a satisfação de seus próprios desejos, faz com que ele não tenha
condições vibratórias de captar as vibrações positivas emanadas de seus
mentores espirituais no Astral superior.
— Nossa, impressionante esta explicação!
— Por isto é dito que o maior
beneficiado, na prática da caridade, é aquele que a prática.
— Faz todo o sentido.
— Certamente, meu irmão. Agora imagine que
além das orações e boas ações em benefício do próximo, também houvesse um
grande volume de pessoas praticando a magia sagrada em benefício de todos os
que sofrem no mundo. Pense no grande benefício que alcançaria aos famintos,
enfermos, os arrependidos dos maus atos praticados, os egoístas, os soberbos,
entre outros.
— De fato, irmão Carlos, mas esta questão da
magia, pelo pouco que sei, é algo muito secreto.
— Secreto? Como assim, meu irmão?
— A prática da magia parece algo restrito
a poucos. A aprendizagem é velada e poucos estão dispostos a ensinar.
— Por enquanto, meu irmão, pois o Astral
Superior está em amparo a multiplicadores destes
conhecimentos magisticos e que, muito em breve, passarão a
disseminá-los, organizadamente, para todos que se predispuserem a aprender
e pratica-los em benefício do próximo, mas não tenho autorização para
estender-me sobre o assunto.
109
— Você poderia esclarecer as motivações para o
início deste movimento no Astral superior?
— Basicamente para que todos possam
utilizar-se da magia como instrumento para que os mestres ascensionados possam
auxiliar na evolução do espírito humano, amparando-o e preparando-o para o
próximo estágio evolutivo pelo qual o planeta passará.
— Como assim, irmão Carlos?
— Meu irmão, não tenho permissão para
alongar-me sobre o tema, todavia, já há algum tempo, iniciou-se nas esferas
superiores um movimento para que a terra seja beneficiada das reações
naturais que acontecerão, em especial nas próximas cinco décadas, em resposta a
todos os sofrimentos que a criatura humana tem a ela impingido por
meio do selvagem ataque a mãe natureza e ao seu semelhante. Muita coisa deverá
ser expurgada para que o planeta possa, em tempo certo, tornar-se um mundo de
regeneração.
— Verdade?
— Certamente.
— Da mesma forma que o corpo alerta em
febre como para informar sobre a presença de enfermidade no organismo, o grande
organismo vivo, quê é o planeta Terra, também reagirá naturalmente em fenômenos
climáticos raros e adversos, em enfermidades com alto poder de mortandade,
entre outros.
— Assim, tudo o que está contido no planeta
também sentirá os efeitos desta reação, pois se em alguns lugares haverá um
extremo e praticamente inédito calor, em outros ocorrerá períodos de extremo
frio devido a altíssima queda de temperatura. Da mesma forma, algumas
localidades passarão por extrema seca, ao passo que em outros a chuva cairá em
abundância e por tempo prolongado.
— Meu Deus!
110
— Isto não ocorrerá muito rapidamente,
mas quando passar a ocorrer será com frequência e em partes diferentes do
mundo.
— Então a prática da magia serviria como
um auxílio, um apoio para a humanidade em relação à aflição a que será
acometida com o advento destes fenômenos futuros?
— Não somente a estes fenômenos, já que
em não muito tempo a evolução nos campos da tecnologia avançará a tal ponto que
a criatura humana sentir-se-a compelida a adentrar no processo do
individualismo.
— Mas o individualismo não é uma série de
ideias e valores que guiam as ações das pessoas para satisfação prioritária de
seus interesses?
— Sim.
— Mas isto não equivale a dizer que,
apesar dela se importar com qualquer outra coisa além de si própria, a pessoa
acaba por priorizar o esforço para atingir os seus próprios objetivos? Por que,
desculpe-me se estiver errado, mas se for realmente isto, então o
individualismo não é necessariamente algo ruim, pois significa a pessoa
valorizar a si própria e a seus desejos, isto não é positivo?
— Não há por que desculpar-se, meu irmão,
pois você acaba de descrever o conceito de individualismo de maneira precisa.
— Então qual seria a questão?
— A questão, meu irmão, é que é muito
tênue a diferença entre individualismo e egoísmo e o avanço acelerado da
tecnologia fará com que esta linha se torne quase imperceptível.
111
— Como assim?
— A pessoa estar atenta ao que ocorre ao
seu redor, ser empática em relação ao sofrimento presente no mundo, agir para
minimizá-lo, mas privilegiar o seu bem-estar em detrimento de outrem
é o individualismo saudável e pode, até mesmo, ser uma porta de entrada para o
desenvolvimento de uma vivência altruísta.
— Entendo.
— No aspecto positivo, o individualismo
facilita, até mesmo, o processo de autoconhecimento do ser humano, mas no
aspecto negativo o conduz ao egoismo.
— O que estou dizendo, meu irmão, é que
o rápido avanço dos aparatos tecnológicos fará com que o ser humano entre em
contato com tecnologias que fomentarão exacerbadamente sua busca por
liberdade individual, facilitando a perda da visão de interdependência social e
a ilusória crença de que é inatingível e independente de tudo e de todos,
gerando a insensibilidade e o egoísmo.
— Mas este avanço será tão rápido assim?
— Meu irmão, tudo caminha para que, em
pouco tempo, vocês utilizem, na palma da mão, aparelhos até cem vezes mais
potentes do que os mais modernos computadores da atualidade. Aparelhos que em
um único toque poderão conectar seu usuário com outra pessoa em qualquer lugar
do mundo e que terão inúmeras utilidades.
— Nossa, irmão Carlos, mas isto seria
incrível? Não consigo ver o mal na tecnologia.
— Meu irmão, magia e tecnologia não
são, em si mesmos, processos bons ou maus. O uso que a criatura
humana faz deles é que poderá ser para o bem ou para o mal.
112
— Acredito que entendo.
— Permita-me dar um exemplo. O fogo é um
elemento natural, certo?
— Certo.
— A humanidade pode utilizar-se dele
para agredir seu próximo, ou para se aquecer, cozinhar alimentos, etc. O
fogo, em si, não oferece bem ou mal algum. Será a moral e a índole de quem
o manipular que ditará sua finalidade em tempo e espaço adequados, entende?
— Perfeitamente.
— O mesmo ocorre com a tecnologia, assim
a índole e a moral de quem entrar em contato com a tecnologia é que ditará se
ela será utilizada para, por exemplo, ensinar a fabricar bombas caseiras ou
para a alfabetização, e isto serve tanto para àquele que quiser ensinar, tanto
para quem quiser aprender.
— Que responsabilidade, não é mesmo,
irmão Carlos?
— A grande realidade, meu irmão, é que
Deus tem os seus insondáveis desígnios, mas sua misericórdia alcança toda a
criação, assim ainda que o avanço tecnológico tenha a finalidade primordial de
facilitar o dia-a-dia, melhorando a qualidade de vida e de que seu mau uso
possa potencializar o egoismo, provocando sofrimento psíquico e aumentando a
ocorrência dos casos de doença mental, ele também fará com que, ao passar do
tempo, o ser humano perceba a necessidade do cuidado nos aspectos de sua saúde
mental e o incentivará a buscar as mais diversas formas de terapia que levem a
um processo de cura por meio da autoanálise.
— Compreendo.
— Então, irmão, como disse anteriormente, a
magia divina será um dos instrumentos que o divino criador se utilizará para
que bençãos sejam levadas para todos os que sofrem, auxiliando-os no
processo de cura, facilitando o acesso à transformação proporcionada pela
reforma íntima e, desta forma, auxiliando o planeta em seu processo evolutivo.
113
— Além do processo natural de provas
e expiações que cada criatura, em menor ou maior grau,
necessita experienciar para evoluir espiritualmente,
parte considerável deste sofrimento sera advindo dos processos
naturais de reação do planeta ao flagelo imposto a mãe natureza pela mão do
homem ao longo do tempo, potencializado pelo efeito natural e gradativo de
seu processo de transformação vibratória na escala dos mundos criados
por Deus e como consequência do processo de sofrimento psíquico
ocasonado pelo uso desequilibrado dos aparatos tecnológicos.
— Como dizemos entre nós, encarnados,
será como a bonança que sucede à tempestade, não é isso?
— Exatamente, meu irmão. Não será nada que se
dará de modo instantâneo, mas o resultado destes processos será a transformação
do planeta em um mundo de regeneração e a criatura humana, após criterioso
esforço para conhecer a si própria, evoluir em inteligência emocional e
tornar-se mais propensa a vivenciar e praticar o bem, da mesma forma que surge
o sol ao final de prolongado período de chuvas.
— Oração incessante, a prática da
caridade, das boas ações e o uso da magia serão os
procedimentos básicos de que se utilizarão os seres ascensionados na
preparação do planeta e da humanidade a estes momentos que virão.
— Olha, irmão Carlos,
sinceramente não esperava esse protagonismo do uso da magia na
construção do processo de transição planetária.
— Mas como poderia ser de outra forma,
caro irmão, se um dos maiores benefícios da magia é movimentar energias,
pessoas e situações estagnadas pelo conformismo, pelo medo e por uma Ilusória
sensação de comodidade.
— Verdade?
114
— Como não? Abaixo dos desígnios do
divino criador, não foram os efeitos do uso da magia utilizadas por Moisés que
fizeram Faraó sair da sua cômoda posição de líder da nação egípcia e
liberar os seus escravos? Além disto, também não foi o bom uso dela
que fez com que os próprios escravos pudessem amadurecer sua fé na crença em um
Deus único e misericordioso, mas também justo e libertador?
— Nossa, é verdade!
— Então, meu irmão, havendo disciplina,
educação, estudo, mas também fé, humildade e caridade, a prática da magia
torna-se algo seguro e instrumento para obtenção de muitos benefícios para si
próprio e ao próximo, proporcionando lenitivo para todos os que sofrem das mais
diversas formas de dores: físicas, emocionais, psíquicas, etc.
— Entendo.
— Deus, por si só, mas também por meio da
caridade praticada por seus filhos, suas orações e o uso da magia, fará surgir
da dor, um mundo de venturas.
— Nossa, quanta esperança proporcionada por
tuas palavras irmão Carlos!
— É a esperança presente em ditado bem
lembrado por você: "após a tempestade, vem a bonança".
— É verdade, irmão Carlos!
115
— Irmão, tudo o que conto a você não deve ser
utilizado como instrumento de alarde e pânico, uma vez que serão fenômenos
naturais e reacionais em relação à forma que o ser humano, ao longo do
tempo, lidou e lidará com o planeta, as águas, as árvores, os animais, com o
seu próximo, a tecnologia e consigo mesmo.
— Entendo.
— São também para desmistificar a prática
da magia de modo a que, em tempo certo, possam estudá-la a sério
e pratica-la em prol do planeta, do próximo e de si mesmos.
— Certo.
— São, ainda, para alertá-los sobre os efeitos
nocivos do uso da tecnologia, tanto para si mesmos, quanto para o próximo e
para que sempre se recordem de que toda a criação divina está
interconectada vibratoriamente em uma teia, na perspectiva de que,
por ser dotada de razão, a criatura humana tenha papel preponderante em
inundá-la energeticamente com as vibrações do amor, do perdão, das boas ações e
da caridade, auxiliando, com protagonismo positivo, na evolução.
— Irmão Carlos, entendo que não estou
aqui para saciar minha curiosidade, todavia, se for possível, gostaria de fazer
uma pergunta cuja resposta traria uma tranquilidade maior para continuar
a experienciar os registros de memórias akashicas em prol
da caridade. Seria possível?
— Faça, meu irmão.
116
— Sendo o mar, diante de onde estava o
povo hebreu, aparentemente igual em toda sua extensão, por que Moisés dialogava
com o mestre Jesus e ele acabou por mostrá-lo um lugar que seria ideal para
ocorrer aquilo que sabemos tratar-se da travessia do mar vermelho?
— Você disse bem, caro irmão,
aparentemente.
— Então àquele, de fato, é o lugar ideal?
— Exatamente. É o local onde existe uma
sobrelevação no fundo do mar, de quase um quilômetro de extensão, por onde você
verá passar o povo hebreu. Em qualquer outro local a travessia seria impossível
tanto pela profundidade, quanto pelos ventos que seriam necessários para
erguer as duas paredes de água, uma vez que verdadeiros tornados
teriam que ser formados para tanto, contudo tornados atingiriam a
inúmeros hebreus, o que não seria indicado.
— Incrível irmão
Carlos! Mas qual forma de magia seria esta a indicar para
Moisés o local correto da travessia?
— Isso, meu irmão, não foi fruto de magia, mas
de algo que podemos denominar enquanto misericórdia divina.
— Meu Deus, quanto amor de Deus!
Muito grato por estas informações, irmão Carlos! Além do conhecimento, elas
também trouxeram muita esperança. Precisava mesmo desta luz para continuar a
presenciar, em equilíbrio, tudo àquilo que a misericórdia divina tem facultado,
a mim, presenciar no acesso a tais memórias. Muito obrigado!
117
XV - MOMENTO DE TRAVESSIA:
Instantes após, o irmão Carlos orientou que eu
tornasse a me concentrar e, sem muita dificuldade, retomei ao exato ponto em
que fortíssima ventania continuava a soprar, direcionadamente, sobre
região especifica daquele grande mar.
Levy, que conhecia àquelas montanhas como a
palma de sua mão, encontrava-se melancólico devido aos últimos acontecimentos e
intimamente culpabilizava aos egípcios por sua desdita. Ele vislumbrava a
imensa formação rochosa com o olhar perdido, mas, como a traçar a melhor forma de
eliminar a maior quantidade de soldados egípcios que fosse possível. Seu
momento de triste contemplação, contudo, foi interrompido por Efraim que,
tocando-lhe o ombro, disse:
— Levy, o melhor vai acontecer, pois
o Eterno já está agindo, você sente?
— Veja Efraim, conheço estas montanhas a
fundo. Está vendo àquela região no cume? Por trás dela existem, soltas, pedras
de médio e grande porte que poderiam, sem muita dificuldade, serem despejadas
sobre aqueles malditos soldados. Quanto a sua pergunta, meu amigo, devo dizer
que além deste vento forte que observo soprar sobre o mar, a única outra coisa
que sinto é esta oportunidade de eliminar quantos daqueles miseráveis for
possível!
— Acalme-se, Levy, pois o Eterno sabe o que
faz.
— Efraim, o Eterno, certamente sabe, mas já
começo a duvidar de nosso líder, Moisés.
— Mas por quê?
— De um lado temos este imenso mar e nenhum
barco, do outro temos esta montanha intransponível para que todo nosso povo
passe por ela, com os animais e, atrás de nós, vem um dos exércitos mais
poderosos que já conheci e qual é a resposta de Moisés a este temor do perigo
iminente? Ventania? Custa-me acreditar!
— Mas porque a descrença Levy? O
Eterno, através de Moisés, não tem feito tanto por nós?
— Mas este vento não nos fará voar, Efraim,
você não percebe isto?
118
— Não necessitamos voar para sermos livres,
Levy. Só precisamos confiar no Eterno, pois Ele tudo sabe.
— Veja bem, Efraim, dei minha palavra a você e
vou cumprir, mas saiba que se em algumas horas nosso panorama não mudar, eu
subirei no mais alto desta montanha e rolarei pedras para ceifar a vida de
todos os soldados que eu puder, assim que eles se aproximarem. Eu me recuso a
ver o massacre de nosso povo sem, ao menos, uma reação.
— Não serão necessárias muitas horas, meu
amigo, pois eu creio que em breve o Eterno agirá para nos livrar do mal. Eu
entendo sua dor, Levy, mas não deixe que ela abale tua confiança Nele, pois sei
que, ainda em sofrimento, você é um homem de fé.
— Vou esperar, Efraim, pois é só o que posso
fazer.
— Tudo bem, amigo, mas não espere só com o
tempo, mas também com fé, pois isto, sim, é esperança.
Ao dizer estas palavras, Efraim já exibia
profundo remorso em seu ser, pois o efeito involuntário de sua ação foi ceifar
a vida de Lilian, seu objeto de afeição. Ao ver o resultado de seu mau passo,
ele jurou para si mesmo de que tudo faria para tentar compensar o seu ato,
agindo, sempre, em tudo que lhe fosse possível, para auxiliar o seu amigo.
Levy subiu pequena formação rochosa e,
extenuado, nela recostou-se para descansar.
119
É preciso dizer que enquanto o vento soprava
fortemente por sobre o mar, na orla, por mais incrível que possa parecer, os
efeitos da ventania eram bastante atenuados a ponto de todo o povo hebreu haver
terminado de desmontar acampamento sem maiores intercorrências. Ensimesmado em
suas dores, sentado e encostado na pequena elevação rochosa, Levy sentiu um
profundo torpor e adormeceu.
Enquanto Moisés retornava para junto do povo,
Faraó e seu exército, mesmo conhecendo o local, tiveram que desmontar das
carruagens e montarias devido à profunda escuridão provocada pela coluna de
nuvem. Ainda que conhecessem o lugar, tal procedimento foi necessário para
evitar outros acidentes, assim eles tiveram que seguir percurso levando, a pé,
seus carros e montarias, já que não conseguiam avistar praticamente um palmo à
sua frente porque as tochas não eram possíveis de serem acesas, tamanha à
intensa umidade daquela nuvem. Tal fato retardou, sobremaneira, o avanço de
Faraó e seu exército sobre os judeus.
Foram necessárias algumas horas para que o
vento abrisse uma fenda no meio do mar. Não tenho muito talento em dimensionar
espaços, mas, ainda assim, devo dizer que aquela ventania divina, imponente e
direcionada separou as águas do mar em praticamente um quilômetro de distância,
exatamente como dissera o irmão Carlos.
Necessito ressaltar que os hebreus não estavam
em frente a um brejo, nem a um pântano, mas sim em frente a um mar cujas águas
foram separadas em dois muros de, no mínimo, entre treze e dezoito metros de elevação.
O vento continuava a soprar muito forte sobre
o mar. O céu estava repleto de densas e negras nuvens como se um novo dilúvio
bíblico fosse despencar das alturas. Com certa frequência, raios rasgavam o
firmamento, sucedidos por fortíssimos trovões que impunham tremendo respeito,
todavia não precipitou uma gota d'água do alto.
120
Um daqueles enormes estrondos do céu acordou
Levy que, em um pulo, levantou-se pensando tratar-se de uma forma de ataque das
forcas egípcias. Olhando diante de si e, sem acreditar no que enxergava, ele
esfregou os olhos como para confirmar se estava diante de uma miragem. Quando
certificou-se tratar-se da realidade, pôs-se de joelhos sem acreditar que a
imagem pudesse ser real, pois havia uma vasta passagem por onde ele e seu povo
poderiam atravessar seguramente.
A tristeza dos últimos acontecimentos abalou,
afetivamente, todo o psicológico de Levy e olhar àquela inusitada passagem à
sua frente, sem que soubesse explicar por que, fez com que derramasse um
sentido pranto. Enquanto as lágrimas vertiam caudalosas de seus olhos e soluços
sacudiam o seu corpo, ele, envergonhado, teve que confessar ao Eterno que
preferiria mil vezes que isto não tivesse acontecido, pois seria uma
justificativa para que, ao ser atacado por Faraó, pudesse perecer e acabar com
todo àquele tormento. Ele pensara ser exatamente isto que Deus quisesse dele,
ou seja, que ele pudesse empregar suas notáveis habilidades de combate para
morrer heroicamente em defesa de seu povo.
Agora, com àquele mar aberto à sua frente, ele
entendeu que o Eterno desejava outra atitude, outra postura dele diante da
vida, queria que ele aceitasse os insondáveis desígnios do Eterno para sua
existência. Naquele momento, Levy chorou profundamente pela perda de sua amada
e de sua filha, mas também pela morte de suas ilusões.
Estranhamente ele recordou-se de sua infância
quando sua mãe, Rebeca, contava-lhe curiosa história sobre os ventos e as
folhas. Ela dizia que as folhas, quando nos galhos das árvores, estavam
cumprindo sua missão de fornecer sombra. Ao despencarem das alturas, elas não
ficavam perdidas, pois Deus, através do vento, acabava por dar destino a
cada uma delas, conforme fossem suas obras enquanto vivas. Contava-lhe Rebeca
que o ser humano, por possuir consciência, era uma árvore com duas formas de
folhagem: a folhagem dos bons e a dos maus sentimentos; sendo assim, deveria
sempre apegar-se com Deus, por meio da oração, tanto para nunca perder as
folhas dos bons sentimentos, quanto para perder as dos maus sentimentos.
121
As folhas dos bons sentimentos, quando estamos
com Deus, nunca secam, ao contrário das folhas dos maus sentimentos que podem
secar, até mesmo, a própria árvore, todavia ao desfazer-se
das folhas dos maus sentimentos, a árvore deveria pedir a Deus
que o vento pudesse levá-las para bem longe, pois eram tão venenosas que
poderiam prejudicar o solo ao redor.
Ao perguntar à mãe como faria para pedir a
Deus que soprasse as folhas dos maus sentimentos para longe de si, Levy a ouvia
dizer que a árvore deveria fazer preces constantes ao Eterno, através da
seguinte canção:
“Você já orou, a prece já subiu
O Eterno
o atendeu, o mal já caiu
Fique em
oração que o vento vai soprar
O mal
vai embora para outro lugar.”
Levy sorriu ao recordar-se da história e as suas emoções começaram a serenar. O
seu amor por Lílian e por Eloah nunca iria morrer, mas àquela
tristeza e mal-estar precisavam acabar. Ele fechou os olhos, rendendo-se à
sabedoria de Deus, e orou, recordando-se da infante canção, para que
o Eterno, por meio daquele vento que ali soprava, pudesse levar todo àquele
sofrer para outro lugar.
Em pouco tempo seu coração encheu-se de grata
paz e ele compreendeu que a passagem à sua frente, aberta pelo vento divino,
também era um claro sinal de direcionamento para novo caminho em sua vida. Ele
tornou a levantar-se, desceu do local onde se encontrava e seguiu, com o
restante do povo que já começava a realizar a travessia, em direção a uma nova
jornada.
Os hebreus continuavam a ser perseguidos por
Faraó, mas por volta do que parecia ser oito horas da manhã, quando alcançaram
a outra margem, os egípcios estavam praticamente no meio do caminho, com várias
carruagens danificadas e muitos homens feridos.
122
É preciso dizer que a tenacidade e
persistência dos egípcios produziram um rastro de sangue por onde passavam,
tanto pelo ferimento das montarias, quanto dos homens. Ao chegar no meio do
mar, o exército estava reduzido em quase trinta por cento.
Os espíritos de luz encontravam-se em oração
para que nenhum mal sucedesse aos hebreus, assim como Moisés, mas também para
que os egípcios escutassem a voz da razão e retornassem pelo mesmo caminho de
onde vieram, contudo, tal qual estivessem possuídos por forças trevosas, eles
teimavam em ir adiante.
Permanecendo no ritmo em que estavam, os
egípcios alcançariam os hebreus em certo tempo. Já a ventania cessaria e as
águas do mar retornariam ao seu estado de normalidade em tempo três vezes maior
que este, caso fosse aguardado que tais fenômenos ocorressem naturalmente, ou
seja, eles seriam certamente alcançados por seus perseguidores.
Moisés não sabia destes fatos e permanecia em oração para que os algozes de seu
povo retornassem ao Egito, mas em pouco tempo recebeu, do Alto, a ordem para
que erguesse seu cajado aos céus. Ele ainda abaixou a cabeça como a solicitar
mais algum tempo para que os egípcios retornassem para seu lugar de origem, mas
obteve como resposta somente a ordenação:
— Faça!
Moisés então ergueu o seu cajado e,
instantaneamente, o vento cessou. Em pouco tempo os
muros d'água chocaram-se e provocaram um estrondo tão ruidoso quanto
àqueles que ressoavam no céu.
123
Todos àqueles que seguiam em perseguição ao
povo hebreu sucumbiram de imediato, pois a velocidade do retorno das paredes de
água ao ponto de origem, aliado ao comprimento destas, produziu um impacto
fulminante e mortal.
A maioria dos soldados que não seguiram
em tal empreitada devido aos ferimentos que o incapacitavam para tanto,
acabou por vir a óbito. Foram os escassos sobreviventes que cuidaram de
relatar toda a desdita ocorrida, todavia conforme o informado pelo irmão
Carlos, a ciência jamais encontrará algum relato egípcio sobre o ocorrido,
tamanha a humilhação sofrida, pois as forças militares daquele que, à
época, era considerado um dos exércitos mais poderosos e bem treinados da
humanidade, não sucumbiu para outra nação com igual poder bélico, mas sim para
um agrupamento de escravos, orientado por um grande mago (na origem e no meio)
que, submisso à ordenação divina, teve a seu favor incontáveis fenômenos da
natureza produzidos por Deus em condução de seu povo rumo à liberdade.
Vinte anos após estes acontecimentos, enquanto
os hebreus ainda estavam a caminho da terra prometida, Efraim e Levy seguiam
como parceiros inseparáveis. Por várias vezes Efraim, com
sua técnica e experiência na manipulação da energia vegetal, salvara
a vida do amigo quando era picado por animais peçonhentos, o que não era raro
acontecer, em especial, durante as rondas no deserto. Levy, por sua vez,
socorrera ao amigo nas vezes em que se via alvo de malfeitores.
Levy, em sua essência, era um homem de fé e
esta florescera em virtudes após a travessia do mar vermelho. Ele fizera um
propósito com Deus de nunca mais voltar a duvidar de Seus santos desígnios e
cumpria-o inabalavelmente. Efraim, também após atravessar o grande mar, nunca
mais empregou a magia vegetal para fins escusos, apenas para promover a paz, a
união e o amor, três dos fatores que o seu povo mais precisava para o
estabelecimento da unicidade com Deus e entre si.
124
Ainda que vinte anos, na prática da
magia para o bem, seja um tempo considerável, intimamente Efraim via-se
constantemente assombrado pelos maus atos praticados anteriormente. O
arrependimento e o remorso consumiam-no dia-a-dia. Por várias vezes ele
intencionava revelar toda verdade ao amigo, mas sempre retrocedia em suas
intenções.
Certo dia, quando aprontavam a montaria com a qual fariam mais uma ronda no
deserto, Efraim decidiu que no melhor momento do trajeto, custasse o que fosse,
ele revelaria a dolorida verdade ao amigo. Durante o trajeto da ida, ele
sentiu-se compelido a chamá-lo para conversar, mas não concretizou sua
intenção.
Na metade do caminho de retorno para junto do
povo, Efraim, enfim, agiu conforme suas intenções e Levy, parando a montaria,
desmontou-a para conversar com o amigo.
Justamente ao tentar descer da montaria,
Efraim foi acometido por lancinantes dores na região do peito e tombou ao solo,
ainda com vida.
Levy agachou-se e disse:
— O que foi Efraim? O que está
acontecendo? Você tem algum remédio que eu possa usar para socorrê-lo?
Ajude-me, pelo amor do Eterno, porque esta é sua área de conhecimento, por
favor!
Como não obteve resposta à sua rogativa, Levy
disse:
— Amigo, por favor, não faça isto
comigo! Você é a última ponte que eu tenho com o que era minha família.
Efraim esboçou um sorriso de alívio ao escutar
o amigo proferir àquelas palavras, mas sentia uma dor aguda no peito que não o
permitia falar para confessar o erro pretérito e pedir perdão. Ele sabia que
não tinha muito tempo e a dor era tanta que mal conseguia respirar ou pensar
direito, todavia em um tremendo esforço, ele acumulou fôlego e, com voz quase
sumida, apenas disse:
125
— Perdão!
Sem entender as motivações daquela rogativa,
ele apenas o respondeu:
— Perdoar o que, meu irmão, não há o que
perdoar! Você é o irmão que eu não tive. O que está acontecendo?
Mas Efraim já não tinha mais
como responder, pois seu desencarne se completara.
O tempo correu célere em minha tela mental e
cerca de dez anos apos os últimos acontecimentos, Levy também desencarnou
vitimado por uma víbora. Minha tela mental se apagou.
126
XVI - MOMENTO DE REFLEXÃO:
O irmão Carlos veio ao meu encontro,
mentalmente, e disse:
— O conteúdo que você, em nome da caridade,
necessitava acessar e compartilhar com Lucas chegou ao fim, todavia é
importante que nós possamos dialogar sobre o conteúdo revisitado, antes que
você volte a ter com ele pessoalmente.
— Tudo bem, irmão Carlos.
— Então fale-me sobre suas dúvidas e
conclusões em relação ao que por você foi observado.
— Irmão Carlos, primeiramente, eu gostaria de
falar sobre a incrível semelhança que desde criança sempre senti em relação ao
fenômeno da abertura do mar vermelho, pois ele é muito comentado como sinal de
mudança de uma vida ruim, de escravidão para uma existência de liberdade, mas
sem que eu saiba explicar, eu sempre senti, em relação a essa passagem, a
mudança de algo que concretamente foi ótimo para uma aposta de fé para que
fossem concretizados os desígnios divinos, mas não necessariamente os meus e
isto para mim sempre causou estranhamento, mas sem que eu soubesse o porquê.
Você poderia comentar algo a este respeito?
— Meu irmão, entendo que as imagens observadas
por você esta noite, naturalmente tragam curiosas observações e lembranças
sobre o tema, contudo nós estamos aqui para trabalhar em prol do nosso
companheiro Lucas, então nos esforcemos em Cristo para que a prática da
curiosidade não seja maior que a prática da caridade, até mesmo porque até o
fim das atividades de hoje, muitas coisas lhes serão naturalmente esclarecidas.
— Tudo bem, irmão Carlos, desculpe-me se fui
inapropriado.
127
— Não ha por que se desculpar, meu irmão, pois
se não houver a verbalização espontânea de suas curiosas dúvidas, então não
seria você, não é mesmo?
Sorri com a observação do irmão Carlos e ele
prosseguiu:
— Só o que lhe peço é que dê tempo ao tempo
para que algumas de suas dúvidas sejam oportunamente esclarecidas.
— Tudo bem, irmão Carlos!
— Conversemos sobre outras dúvidas e
observações a respeito do que você constatou hoje.
— Irmão Carlos, tenho uma dúvida: o que
aconteceu com Efraim após o seu desencarne?
— Nosso irmão Efraim passou o tempo necessário
nos vales trevosos, de modo a resgatar os maus atos praticados enquanto
encarnado.
— Verdade?
— Certamente. O remorso que sentiu foi tanto
que ele, além de decidir-se por não mais utilizar a magia para prejudicar outra
pessoa, também passou a empregá-la, amparado por guardiões, em locais
necessários no astral inferior.
— Bom saber que o arrependimento de Efraim foi
genuíno, mas tenho uma pergunta para fazer a este respeito, irmão Carlos.
— Sinta-se a vontade.
— É que na presente encarnação Efraim
encontra-se na roupagem carnal enquanto Lucas, mas Lilian, Eloah e
Maya, como estão atualmente?
128
— Eloah tornou-se luz assim que
desencarnou junto a sua mãe, Lilian. Foi um reencarne programado para que ambas
pudessem superar o ciclo reencarnatório.
— Que felicidade, meu Deus! Então elas não
passaram mais pelo círculo reencarnatório após encarnarem no Egito?
— Lilian, sim, por duas vezes, em prol da
evolução espiritual de Efraim. Nestas duas oportunidades, ela teve como mentora
espiritual, o espírito de Eloah.
— Que alegria, irmão Carlos! E Maya,
como está?
— Atualmente encontra-se no plano espiritual
preparando, junto a seus mentores, sua próxima reencarnação.
— Impressionante, mas irmão Carlos, se você
disse que Lilian e Eloah não reencarnam mais, então quem são os
espíritos de Catarina e Laura, esposa e filha de Lucas na atual encarnação de
nosso irmão?
— Elas são espíritos sem ligações pretéritas
com Lucas, mas que necessitavam passar por certas experiências, junto a
carne, a fim de adquirirem condições de evolução espiritual.
— Entendi, mas Levy, irmão Carlos, o que
aconteceu a ele após haver desencarnado?
— Sobre isto, meu irmão, não tenho autorização
para informá-lo.
— Mas existe algum motivo específico para que
esta informação não possa ser oferecida?
129
— Nenhum, exceto a necessidade de aprendizado
prático.
— Então terei a oportunidade de conhecê-lo,
irmão Carlos? Ele encontra-se encarnado?
— Antes de abordarmos melhor este assunto,
permita-me sondá-lo em alguns aspectos das memórias akashicas às
quais você obteve acesso.
— Tudo bem, irmão Carlos.
— Diga, honestamente, como você avalia o
comportamento do irmão Lucas quando encarnado enquanto Efraim?
— Não sei se possuo competência para realizar
o que me pede, irmão Carlos.
— Mas por que, meu irmão? Não está sendo
solicitado a você a elaboração de um laudo comportamental a respeito das ações
de Efraim, apenas suas observações pessoais.
— Bem, irmão Carlos, então devo dizer que
muitas das ações de Efraim, até o óbito de Lilian e Eloah, foram
deploráveis e perversas, todavia após o ocorrido ele devotou-se, muitas vezes
de maneira abnegada, em benefício do bem-estar de Levy e de seu povo.
— Tudo bem, meu irmão, e se fosse você? Você
teria condições de perdoar o mal praticado por Efraim?
— Acredito que sim, irmão Carlos. Ainda mais
tendo a capacidade que obtive nesta tarefa de hoje em poder observar as ações
de todos os envolvidos sobre prisma ampliado.
— Você está dizendo que se houvesse perdido a
mulher amada e a filha em único golpe, por conta das ações impensadas de quem
você só cuidou, amparou, protegeu e estendeu a mão amiga, desde o primeiro
encontro, ainda assim perdoaria tal pessoa?
130
— Irmão Carlos, não sei se é empatia ou o que
é, mas ouvir você recordar estas ações que acabei de ter acesso por meio das
memórias akashicas, traz-me profundo pesar pela desdita de Levy, mas ainda
assim, eu entendo que o mal provocado por Efraim foi involuntário. Ele foi
iludido por sua paixão e pela falsa sensação de poder enquanto um grande mago
da magia vegetal. Quando sentiu, na própria pele, os efeitos nefastos de suas
ações, ele arrependeu-se verdadeiramente, e isto é muito importante, então,
sim, irmão Carlos, eu o perdoaria.
— Interessante, meu irmão, e muito importante,
pois o perdão é sempre um santo remédio, uma vez que traz lenitivo tanto
para quem o oferta, quanto para aquele que o recebe.
— Também entendo desta forma, irmão
Carlos e até mesmo considerando esta sua fala, acredito ter mais uma pergunta a
fazer em relação ao assunto.
— Prossiga, meu irmão.
— Após a encarnação dos espíritos de
Efraim e Levy no Egito, Efraim teve a oportunidade de ser perdoado por Levy?
— Sim. Os mentores de nosso irmão Lucas o
informaram a respeito deste perdão antes da atual encarnação.
— Graças a Deus! Então deve estar tudo
bem, não é mesmo, irmão Carlos?
— Está quase desta forma.
— Verdade, mesmo após milênios? O que falta
para tanto?
131
— O irmão Lucas, em encarnações pretéritas,
conseguiu quitar o mal causado a Levy e sua família.
— Puxa, que ótimo!
— Certamente, contudo, o mal praticado por
Efraim causou-lhe tristeza tão profunda que em várias encarnações ele se viu em
luta diária contra a depressão.
— Verdade?
— Sim, todavia, o trabalho incessante em prol
da caridade, ao longo das experiências carnais, facultaram-no a superar tal
enfermidade na atual encarnação.
— Meu Deus, quanto tempo!
— Sim, meu irmão. Apesar do resgate alcançado
com sucesso, dois fatores ainda faziam com que Efraim não conseguisse liberar
perdão para si próprio.
— Nossa, irmão Carlos, que situação! Você
poderia falar mais sobre isto?
— Com certeza, meu irmão! Um dos fatores
que fazem Lucas sentir-se imerecedor de perdoar a si próprio é não haver sofrido
o mal que causou a Levy.
— Meu Deus, agora entendo! Então foi por
isto que nesta encarnação ele passou pela experiência de perder a esposa e a
filha de forma abrupta, não é isto?
132
— Exatamente.
— Isto quer dizer que Lucas também tinha
algo a resgatar em relação à Laura e Catarina?
— Não.
— Como assim?
— Meu irmão, tanto Catarina, quanto
Laura, por conta de fatos relacionados às suas encarnações passadas, também
trabalharam firmemente no propósito da caridade, para que tivessem a
oportunidade de desencarnarem de forma abrupta.
— Entendo.
— Eis que a providência divina reuniu, na
atual encarnação, três espíritos que necessitavam passar justamente
por tal experiência a fim de conseguirem ter condições
de evoluírem espiritualmente.
— Meu Deus, como o Pai é perfeito e
sábio.
— É por isto que o acidente de Catarina e
Laura abalou tanto a Lucas a ponto dele estar há cinco anos em coma, não é
assim?
— Exatamente.
— Meu Deus, quanto tempo e quanto
sofrimento, não é mesmo, irmão Carlos?
133
— Verdade, meu irmão e também é por isto que
Jesus tanto recomenda a prática do amor incondicional, do perdão e da caridade.
— Então a razão principal da atividade
desta noite realmente é proporcionar a Lucas o resgate de memórias desta vida
passada, enquanto Efraim, para que ele possa se curar psicologicamente de suas
dores e, em tempo certo, superar o estado comatoso em que se encontra, não é
isto?
— Também.
— Qual seria o outro motivo, irmão
Carlos?
— Proporcionar, através do resgate
destas memórias, a oportunidade plena de execução do livre-arbitrio de
nosso irmão.
— Mas por quê?
— Para conseguir, de fato, decidir se
realmente quer pedir perdão a Levy, ou não.
— Mas ele não reencarnou atualmente,
especialmente, para isto? Não entendo.
— Um juiz, para estabelecer sua sentença,
sua decisão, necessita escutar as duas partes, quem acusa e quem é
acusado, a fim de que possa chegar a uma conclusão.
— Compreendo.
— No grande tribunal da vida, cada ser
humano é o juiz de sua própria existência. É ele quem delibera decisões a
respeito de si próprio.
134
— Estou acompanhando seu raciocínio,
irmão Carlos.
— Ocorre que em certos casos, quando o
espírito faz-se meritório, ele precisa ter acesso a certas recordações de vidas
passadas de modo a que tenha plena consciência na execução de seu
livre-arbítrio.
— Acredito
que entendi. Não é somente o remorso que está facilitando a
permanência de Lucas em estado comatoso, mas também a razão deste, ou seja, o
temor de uma possível recusa, da parte se Levy, sobre seu pedido de perdão.
— Percebo que efetivamente compreendeu o
que digo.
— Irmão Carlos, posso, a partir de hoje,
aplicar-me em orações para que tudo dê certo no encontro entre Levy e Efraim?
— Certamente. Ainda mais sendo tal decisão
fruto de seu livre-arbítrio.
— Desejo realmente agir neste sentido,
mas posso fazer outro pedido?
— Faça-o, meu irmão.
— Quando for o momento de Levy e Efraim
estarem frente a frente, haveria a possibilidade de minha presença enquanto uma
espécie de intercessor em orações, para que o perdão possa ser liberado e
recebido?
— Não se preocupe quanto a isto, meu
irmão, pois com certeza você lá estará, mas não te preocupes com isto agora,
pois tudo tem o seu tempo.
— Você tem razão, irmão Carlos, mas se
bem entendi, o nosso irmão Lucas também não consegue liberar perdão a si mesmo
pelo temor em possível recusa de Levy a um pedido de perdão, mesmo que seus
mentores espirituais tenham informado a ele sobre este perdão, antes da
atual encarnação. É isto mesmo?
135
— Exatamente.
— Mas por que duvidar de si próprio a
este ponto, irmão Carlos?
— Porque o remorso é adoecedor, meu irmão
e, a este respeito, nosso irmão encontra-se em convalescença. Como nunca se
sentiu meritório do perdão de Levy, então nunca solicitou a oportunidade de ter
com ele, frente a frente, e fazê-lo tal pedido. Pelo menos até a atual
encarnação.
— Irmão Carlos, você disse não ser
possível revelar aspectos do desencarne de Levy quando de sua encarnação no
Egito. Mas atualmente, você poderia dizer se ele se encontra
encarnado, tal qual Lucas?
— Isto, sim, é algo que tenho autorização para
informar. Sim, meu irmão, Levy encontra-se encarnado.
— Então Lucas precisará recuperar-se do
coma para ter com ele?
— Não. É o oposto, meu irmão, se ele não
se encontrar com Levy, quanto antes e mediante às
possibilidades, dificilmente superará a situação comatosa.
— Meu Deus! Por que tamanha dor e
sofrimento tanto tempo depois, irmão Carlos?
— Porque o tempo é relativo, meu irmão,
ele passa diferentemente tanto entre as dimensões terrena e espiritual, quanto
para aquele que sofre e aquele que fez sofrer.
136
XVII - MOMENTO PARA UMA ANÁLISE SOBRE
O TEMPO:
— Mas é que se passaram séculos desde a
encarnação de Levy no Egito até a atual.
— Não é a quantidade de tempo transcorrido
que, necessariamente, traz evolução espiritual a um ser.
— Isto eu acredito até que entendi, irmão
Carlos, mas é porque eu penso que realmente passou-se muito tempo.
— Prezado irmão, qual a definição de tempo
para você?
— Nunca parei para refletir sobre isto, mas
pensando agora, penso que o tempo, talvez, seja o agente causador de
mudanças.
— Como assim, companheiro?
— Por exemplo, o envelhecimento da pele,
nós só podemos observá-lo com o passar do tempo.
— Então, no caso de seu exemplo, o tempo seria
o agente causador do envelhecimento da pele?
— Acredito que sim, pois nós só
conseguimos perceber este envelhecimento com o passar do tempo.
— Entendo companheiro, mas o natural
envelhecimento da pele não ocorre quando as células que a compõem entram em
natural processo de deterioração, a ponto de aumentar a probabilidade de uma
incorreta reprodução celular do epitélio?
137
— Sim, irmão Carlos, mas isto só ocorre devido
à quantidade de vezes que as células se duplicam ao longo do tempo.
— Exatamente, mas dai o causador do
envelhecimento da pele seria o número de vezes que a célula se reproduz ou o
tempo?
— Nossa! Muito complexa esta pergunta, hein
irmão Carlos!!!
— Você teria outro exemplo para expor a
sua definição de tempo enquanto um agente causador de mudanças?
— Não sei. Talvez a erosão de uma rocha!
— Mas um processo erosivo, em rochas, não
acontece em consequência, por exemplo, do sol, do vento e da chuva?
— Sim, mas não de um dia para o outro. Isto só
pode ocorrer com o passar do tempo.
— Mas o agente causador da erosão seria o
tempo ou, como exemplifiquei, o sol, o vento e a chuva?
— Mas não há como desatrelar uma coisa da
outra e isto nos dois exemplos que citei.
— Muito bem observado,
companheiro! E com esta sua conclusão chegamos ao ponto necessário
para que você possa compreender uma característica relacionada ao tempo,
qual seja, a de que ele não existe por si só, mas sim se houver
alguma significação atrelada a ele?
138
— Significação?
— Sim, companheiro! Acredito que você já deve
ter aprendido este conceito na cátedra terrestre onde estudas, ou estaria
cometendo um equívoco?
Fiquei impressionado como até o que eu fazia
em meu dia-a-dia, na época na faculdade, era de conhecimento dos abnegados
seres de luz no astral, ainda assim, respondi:
— Sim, irmão Carlos! Tenho estudado este
conceito com aquele que considero meu professor favorito, em aulas sobre
semiologia.
— Isto! Semiologia, a disciplina que estuda a
análise dos signos. Segundo ela, o que é significação?
— É uma representação mental do que um
signo quer dizer, que fornece um sentido. Uma placa de trânsito isolada, por
exemplo, é somente uma conjunção visual de cores e desenhos. É pelo significado
que lhe dão que ela se torna um signo, e ganha novo sentido, podendo
representar parada de veículos, redução da velocidade automotiva, etc.
— Bem, vejo que não me ludibriam, quando dizem
que não é mal aluno, mas vamos ao teu exemplo acerca do envelhecimento da pele.
O que você diria se as células humanas fossem aptas a se reproduzirem por
um período de dez mil anos, até que começassem a entrar em processo de deterioração?
Você acredita que alguém consideraria o tempo enquanto um agente causador do
envelhecimento?
139
— Creio que não. Neste caso penso que,
talvez, nem mesmo seríamos preocupados com o tempo.
— Mas como não é assim que ocorre, então
o ser humano começou a observar o processo de envelhecimento da pele, desta
maneira, pôde considerar que um idoso é aquele que, geralmente,
possui uma pele mais flácida e enrugada, ao contrário dos jovens e adultos,
desta forma, foi compreendendo que, por exemplo, pele flácida,
enrugada e cabelos grisalhos são símbolos representativos de uma pessoa idosa,
de alguém que possui muito tempo de vida e, assim deduziu que o indicador de
uma pessoa idosa não é o tempo em si, mas sim a sua representatividade, no
caso de seu exemplo, a textura da pele, mas também pela mudança na
coloração natural dos cabelos, etc.
— Entendo, irmão Carlos.
— Ainda sobre seu exemplo sobre o
envelhecimento da pele, podemos dizer que o ser humano começou a observar que
este processo, a partir de seu início, ocorre de forma contínua até que a
pessoa desencarna. Paralelamente a tal fenômeno, também passou a notar que com
o envelhecimento da pele, o ser humano, paulatinamente, também vai encontrando
limitações no exercício de suas atividades e, assim, passou a dilatar a compreensão a
respeito do conceito cíclico da vida, pois o básico já possuíam,
especialmente ao contemplarem o desenrolar dos dias e das noites.
— Seria o tempo, então, irmão Carlos, o
período que abrange o desenrolar dos ciclos?
140
— Depende, filho, pois se considerarmos os
preceitos da física clássica, que considera o tempo absoluto, ou seja, um
fenômeno que flui de maneira uniforme, independente do observador, podemos até dizer
que sim.
— É verdade, irmão Carlos, por que para a
física moderna o tempo é relativo, mas, segundo a física, de uma forma geral, o
que seria o tempo?
— Conforme a física, de forma geral, não
devemos interferir no livre arbítrio passando e informando conceitos que, ainda
no estágio espiritual evolutivo em que se encontra a humanidade, seriam muito
provavelmente utilizados para destruírem uns aos outros. Só posso
dizer que, em não muito tempo, muitos chegarão a conclusões sobre o tempo das
quais compreendiam, por exemplo, certos povos ameríndios.
— Tudo bem, irmão Carlos, mas,
o que é o tempo?
— O tempo é o veículo pelo qual o Divino
Criador se utiliza a fim de que todos os seres sintam o efeito de
Suas irradiações, conhecidas como os sete sentidos da vida e que tem o
propósito de proporcionar a evolução espiritual das criaturas. Estes sentidos
estão representados em sete vibrações: Fé, Amor, Conhecimento, Justiça, Lei,
Evolução e Geração.
— Não compreendo de todo.
— Vou tentar exemplificar por meio do
sentido do amor. Podemos definir o amor, por exemplo, como um sentimento de
atenção e manifestação de carinho que se expande entre indivíduos que conseguem
manifestá-lo. Isto significa dizer que o amor fomenta a necessidade de amparo
com a possibilidade de se manifestar de diversas formas, entende?
141
— Acredito que sim, irmão Carlos. Por
exemplo, temos o amor ao país, amor físico, amor à
natureza, amor materno, fraterno, paterno, entre outros.
— Exatamente. O amor, prezado irmão, tem sete
formas de manifestação e, cada uma delas, com sua finalidade. São elas:
conhecimento, justiça, lei, fé, criação, evolução e o próprio amor. Por
exemplo, o amor, manifestando-se em forma de conhecimento, fará com que pessoas
possam tornar-se próximas em relação a alguma área de aprendizado. Assim são os
professores de qualquer disciplina e os alunos que, com esta, têm afinidade,
pois o amor provoca este entusiasmo agregador.
— O que você está explicando é muito
lógico e esclarecedor, irmão Carlos, mas há a possibilidade de você explicar a
manifestação do amor na dimensão do próprio amor?
— Certamente que sim. Poderíamos, por
exemplo, falar do amor-próprio ou até mesmo do amor platônico, mas para
atingirmos o real objetivo de todo o nosso diálogo sobre o tempo, os sete
sentidos da criação divina e sobre o amor, a sua aplicabilidade como fator
de compreensão sobre o resgate cármico de nosso irmão Lucas, falemos
do amor físico, pois foi devido a desequilíbrios nesta área
que ele, quando outrora Efraim, contraiu este débito no tribunal de sua própria
consciência.
— Entendo perfeitamente.
— Pois bem. O tempo é um fenômeno
incessante e que pode ser expresso, por exemplo, em unidades de medida como
horas, minutos e segundos. Certo?
142
— Correto!
— Quando uma pessoa consegue entender,
desenvolver e praticar o amor em uma dimensão de equilíbrio, então todo seu ser
está apto a experienciar psicológica, emocional e espiritualmente o
tempo como uma dimensão circunscrita ao próprio amor, uma vez que
o amor ponderado, equilibrado promove interesse em fazer o bem que
não a si próprio, assim a criatura humana vai evoluindo nos caminhos de
virtudes como altruísmo, abnegação, humildade e caridade. Pessoas vivenciando
tal forma de amor, não sentem a força do tempo, mas sim a força do amor. Sentem
como se o tempo fosse submisso ao amor, pois entendem que a emanação do
verdadeiro amor, àquele que provem de Deus, a tudo deve perdoar para que, no
tempo Dele, possam vir a ser somente luz. Enfim, sentem vibrar o tempo na força
do amor.
— Já Efraim, pelo que você pôde
acompanhar nas memórias akashicas, àquela época, pouco
interesse possuía em aprender e praticar esta forma de amor, muito
pelo contrário, já que na grande maioria das vezes possuía extremo
interesse em tudo que pudesse promover somente a satisfação de seus próprios
interesses. Foi assim que, involuntariamente, provocou o desencarne do ser
amado e acabou por contrair graves débitos, em especial, no tribunal de sua
própria consciência. Devemos sempre recordar que da mesma forma que a semeadura
é livre, mas a colheita obrigatória, praticar o mal também é instantâneo, mas a
oportunidade de resgate ao prejuízo provocado, muitas vezes, está atrelada a
tantas variáveis que, abaixo de Deus, somente o tempo, através de seu bom
uso, na prática do bem, para proporcionar a oportunidade da
demonstração de que um indivíduo aprendeu verdadeiramente a amar o outro por
meio da reencarnação.
— Entendo, irmão Carlos.
143
— Pessoas que, assim como Efraim, agem desta
forma, sentem que o amor vibra na força do tempo, ou seja, sentem o tempo
passar penosamente, tanto durante as reencarnações, quanto nos intervalos entre
elas, pois desejam ardentemente resgatar o mal praticado com a prática do amor,
mas precisam aguardar o tempo certo para reencarnar e as condições necessárias
estarem todas favoráveis para que isto seja possível.
— Entendi. Foi assim que Lucas, embora tenha
obtido o perdão de Lílian e Eloah, sentiu-se devedor em relação à vida por
haver, ainda que não intencionalmente, ceifado a vida de uma criança e do seu
outrora objeto de descontrolada paixão, passando a trabalhar incansavelmente,
ao longo dos tempos, para tornar-se meritório de poder reencarnar em uma
experiência junto a duas pessoas que, por suas próprias contingências,
também sentiam a necessidade de atravessarem pela exata experiência a que
passaram Laura e Catarina.
— Perfeito, meu irmão. E também é
por isto que Efraim, mesmo tendo escutado de seus mentores sobre o perdão de
Levy, ainda assim solicitou à providência divina, antes de voltar à carne
enquanto Lucas, a oportunidade de utilizar a atual
encarnação para sentir-se moralmente capaz de solicitar,
pessoalmente, o seu perdão.
— Mas tal encontro não poderia haver
acontecido, entre os dois, antes do reencarne de ambos?
— Sim, poderia, mas Efraim não se sentia digno
de pedir perdão a Levy sem ter, ele mesmo, experimentado, em carne, o mal que a
causou-lhe um dia. Foi assim que, através de terrível acidente, ele
veio também a perder tanto a esposa, quanto a filha.
144
— Meu Deus! Quanto sofrimento e
quanto tempo para esperar colocar em prática o aprendizado do verdadeiro amor!
— Disseste bem, meu irmão! Você possui
mais alguma dúvida?
— Não, irmão Carlos.
— Está certo disto? Pois
você necessita estar com a mente tranquila e focada para poder auxiliar ao
nosso irmão, Lucas.
— Estou, sim, irmão Carlos!
— Muito bem. Antes que retome o seu
corpo mental, será necessário realizar certos procedimentos na
região mnemônica do seu cérebro.
— Posso perguntar por quê?
— Já perguntou, não é, meu irmão?
Sorri com o comentário espirituoso e ele,
então, disse:
— Toda a história que você observou
sobre a encarnação de Lucas enquanto Efraim, foi uma amálgama de
memórias akashicas pertencentes a algumas pessoas encarnadas à época
e cuja providência divina facultou-lhe a oportunidade de observá-las na
intenção de que, sob vários pontos de vistas, pudesse entendê-la de forma
global.
— Compreendo.
145
— Então farei os procedimentos a fim
de que tenha melhor oportunidade de usar o seu livre-arbítrio em prol da
caridade. Enquanto ele estiver sendo realizado, solicitarei que você mantenha a
concentração e, sem pressa, faça uma sentida prece ao Divino Criador, de
modo a que despertes serenamente em teu corpo mental.
— Tudo bem, irmão Carlos.
— Enquanto estamos aqui, em diálogo
mental, o procedimento está para ser iniciado.
— Está certo.
— Solicito que se concentre em oração,
com responsabilidade, mas também com todo o afeto em seu ser. Inspire o ar,
profunda e lentamente, e expire-o.
146
XVIII - MOMENTO PARA O PERDÃO:
Iniciei a realização do exercício respiratório
proposto e, em pouquíssimo tempo, fui envolvido por uma leve forma de torpor,
tal qual estivesse em sedação. Em seguida, comecei a realização de uma sensível
prece em nome do entendimento, da paz e do amor entre os seres humanos; então,
sem que soubesse como, várias imagens começaram a desfilar em minha tela
mental.
Elas passavam em uma incrível velocidade, mas
eu não sentia a sensação de que estivesse vendo um vídeo em modo acelerado,
pois cada uma daquelas imagens tinha um profundo significado para mim. Em
pouquíssimo tempo elas cessaram e eu tive a compreensão de que o procedimento
realizado pelo irmão Carlos fizera-me recordar de minha encarnação à mesma
época de todos os envolvidos a que assisti anteriormente pelas
memórias akashicas.
Confesso que, estranhamente, não fiquei
surpreso com o que descobri. Na verdade, muitos dos meus diálogos com o irmão
Carlos acabavam de fazer um redobrado significado para mim. Fiz uma prece de
agradecimento a Deus, por sua infinita misericórdia e, após rogar serenidade e
humildade, abri meus olhos.
Despertei e, ainda sentado, vi subir uma esfera
luminosa pulsando uma vibração de amor tão grande que lágrimas começaram a
brotar, espontaneamente, do canto dos meus olhos. Ela possuía uma
coloração rósea e pulsava, ritmicamente, uma irradiação de mesma cor. Na
verdade, era uma esfera similar a que observei quando do desencarne de Lílian,
mas esta possuía uma coloração muito mais intensa. Como acordei sem
nenhuma espécie de torpor, consegui sentar e levantar-me tranquilamente.
O irmão Carlos aguardava o despertar de Lucas
e coloquei-me ao seu lado que, então, disse-me brevemente:
— Ele está em finalização do mesmo
processo mnemônico pelo qual você passou. Aguardemos respeitosamente e em
oração.
147
Fiz o recomendado e, em pouco tempo, Lucas
abriu os olhos dizendo:
— Irmão Carlos, agora eu consigo entender
muitas coisas do que você me disse durante o acesso às memórias akhasicas.
Posso levantar-me?
— Você está pronto?
— Com certeza! Posso aproximar-me de
vocês?
— Sinta-se à vontade!
Ele então abraçou o irmão Carlos e disse:
— Obrigado por tudo!
Após proferir tais palavras, ele virou-se para
mim e falou:
— Meu irmão, não tenho intimidade, na
atual encarnação, para dialogar contigo, chamando-o pelo nome com o qual é
agora conhecido na atual roupagem corpórea.
Ainda que estivéssemos em nossos respectivos
corpos mentais, Efraim tremia-se totalmente em nervoso ao dialogar comigo.
Mesmo assim, respirou profundamente e continuou a dizer-me:
— Não me sinto à altura de dizer a você
o que me é necessário após tanto tempo, assim permita-me ajoelhar para que eu
possa sentir-me mais confortável para fazê-lo.
Esta ação, para mim, era totalmente
desnecessária, mas aquilo tudo deixou de ser sobre mim já há muito tempo,
assim, em benefício a ele, apenas concordei afirmativamente com a cabeça.
Ele, assim, continuou a conversar:
148
— Então, permita-me chamá-lo pelo mesmo
nome, que era conhecido quando, para mim, foi como meu melhor amigo, meu irmão
mais velho e, até mesmo, um pai.
A voz de Lucas já estava totalmente embargada
e quase sufocada pela emoção. Talvez sentindo que não fosse conseguir mais
dizer algo, ele, então, simplesmente disse:
— Perdão Levy!!!
E desandou a verter um sentido e
soluçante pranto.
Coloquei minhas mãos sobre sua cabeça e fiz uma prece a Deus rogando serenidade
e paz a Lucas.
Enquanto escutava aquelas rogativas por
perdão, proferidas de maneira tão pungente, entendi um pouco a respeito do que
o irmão Carlos explanara acerca da relatividade do tempo e também sobre o fato
da condição essencial para sua existência é estar atrelado a algum outro fator,
pois eu tinha noção de que tudo que observara nas
memórias akashicas era algo que ocorrera há muitos séculos, mas o
sofrimento de Lucas em sua rogativa por perdão denotava que, para ele, era como
se estes fatos milenares tivessem ocorrido recentemente, ou seja, o fator tempo
para ele se encontrava, em muito, enraizado ao desejo de aplacar o
remorso no esforço para conseguir o perdão. Era claramente um
exemplo do que esclarecera o irmão Carlos sobre a relação do amor na força do
tempo.
Alguns minutos após, Lucas ainda chorava e
soluçava na mesma intensidade. Todos nós precisamos de Deus, mas naquele
momento percebi que Lucas necessitava igualmente de Levy, do abraço de seu melhor
amigo. Pedi perdão a Deus, mas abandonei qualquer forma de protocolo que
pudesse existir naquele local e ajoelhei a abraçá-lo dizendo:
149
— Perdão, Lucas, perdão!
O pedido era sincero e das profundezas de
minha alma, todavia também uma estratégia psicológica para que ele
pudesse serenar as emoções através da razão.
Inicialmente ele não conseguia nem mesmo
escutar-me, mas ainda em oração, com o passar de alguns minutos ele pôde
dizer-me:
— Por qual motivo você está pedindo
perdão a mim, Levy?
— Pelo mal que eu te fiz.
— Sobre o que você está falando?
— Você se recorda dos sentimentos que você
desenvolvia para comigo, desde o instante que nos conhecemos, mas que foram
exacerbados quando olhou para Lílian pela primeira vez?
— Infelizmente lembro, sim, Levy! Era uma
admiração mesclada a um despeito e uma inveja terríveis!
— Você nem me conhecia e, ainda assim,
manifestava estas sensações aversivas por mim, não é isto?
— Exatamente.
— Agora diga-me, você acredita
que isto foi gratuito, ou que há alguma explicação que você não consegue
acessar?
150
— Não creio que tenha sido gratuito.
— Exatamente. Muito provavelmente foi um
instinto a algum mal que lhe fiz antes de nos conhecermos naquela encarnação
enquanto Levy e Efraim.
— Existe muita coerência em teus
argumentos.
— Você sabe o que eu te fiz de mal?
— Não.
— Eu também não sei, ainda assim já compreendi
que não preciso saber para te pedir o meu mais profundo e sincero perdão, por
tudo que for mais sagrado.
E desta vez fui que o abracei e chorei ao
fazer o pedido, pois já havia aprendido a lição e queria usar o tempo de que
ali dispunha para que Deus fizesse vigorar entre nós a força do amor. Já
entendera que usar o tempo na força do amor é muito mais sábio e caritativo do
que posteriormente haver de enfrentar novos
ciclos reencarnatórios para dirimir erros cometidos através do amor,
ou seja, de usar o amor na força do tempo.
Passado certo tempo que não saberia precisar,
ele então falou:
— Eu o perdoo, Levy! Chega de
sofrimento!
Assim, eu pedi a ele:
— Você poderia ficar de pé, por favor?
— Mas por qual motivo?
151
— Porque não sou melhor que você e nunca
fui, então preciso do seu perdão da mesma forma humilde que você a
mim, solicitou.
Ele levantou-se e eu, então, tornei a
perguntar:
— Você me perdoa?
— Sim. Setenta vezes sete vezes.
— Muito obrigado, meu irmão, pois o seu
perdão traz paz.
Foi então que ele disse:
— Vamos, Levy, levante-se para darmos um
abraço de verdadeiros irmãos.
— Com certeza, meu amigo. Utilizemos o
tempo que temos para que a força do amor possa nos conduzir a um caminho de
luz.
— Para não termos de, mais uma vez,
vivenciar o amor na força do tempo, não é isso, Levy?
— Exatamente, Lucas. Vejo que o irmão Carlos
conversou a respeito disto com você também.
— Com certeza, Levy! Este conceito
precisa ficar guardado em nossos corações. Acredito que se todos dele
soubessem, então fariam um maior esforço para desenvolverem relações mais
harmônicas com o seu próximo, relações em que o perdão, a paz e o amor sirvam
como bússola a orientar a navegação do ser humano no grande oceano da vida.
152
As palavras de Lucas trouxeram
um inexplicável júbilo ao meu coração. Um contentamento que só tem
razão de ser quando podemos analisar o tempo passado e ver que eu, outrora
Levy, não me encontrava em frente a Efraim, uma criança que conheci assustada
com malfeitores e sem saber como proceder com o mal, mas sim em frente a Lucas,
um ser humano que, tal qual como eu, busca viver em paz com Deus, consigo e com
o próximo. Observando tais aspectos, foi que disse a ele:
— Lucas, somente hoje percebo que você,
enquanto Efraim, via a mim como um mestre, mas devo confessar que nunca me vi
desta forma e nem a você como um aprendiz, mas sim como a um irmão
que eu precisava amparar.
— Voce não está enganado Levy.
— Saiba, Lucas, que somente hoje,
ouvindo você manifestar palavras edificantes e provenientes de
um duro processo de aprendizado é que percebi em mim um profundo contentamento
com o conhecimento adquirido por você. Uma felicidade não comparada a de um
amigo para outro, ou entre mestre e aprendiz, mas talvez tal qual a de
verdadeiros irmãos. Coisa interessante e inconsciente Efraim, mesmo sabendo que
somos, nós todos, aprendizes do mestre dos mestres, o divino mestre Jesus.
— Sinto o mesmo, Levy.
— Lucas, você concorda que hoje
nós concluímos uma etapa no nosso desenvolvimento enquanto espíritos
imortais?
— Com certeza!
— Se uma etapa foi superada, isto
significa que, a partir de agora, nos encontramos em uma nova fase de nossas
vidas, não é mesmo?
153
— Exatamente.
— Então, vamos combinar assim, eu lhe chamo
por quem você é, ou seja, Lucas, e você chama-me somente por irmão.
— Penso que entendo seu ponto de
vista. Chamar a você de Levy é como querer ressuscitar uma
etapa já ultrapassada.
— Exatamente Lucas!
Se já superamos uma lição e estamos em outra, então nada mais
coerente do que nós, com Deus, caminharmos em frente.
— Concordo, meu irmão. Sigamos adiante.
O irmão Carlos juntou-se a nosso diálogo e,
após certo tempo, disse a mim:
— Meu irmão, o Lucas necessitará passar
por uma terapia fotoenergética e precisará ausentar-se da nossa presença. Vou
levá-lo e já retorno, enquanto isto, mantenha-se em oração.
Troquei mais um abraço com Lucas e disse ao
irmão Carlos:
— Assim será feito!
154
XIX - MOMENTO PARA EXERCITAR O AMOR
Em curto espaço de tempo o irmão Carlos
retornou ao recinto e, então, disse:
— Meu irmão, agradeço toda sua boa vontade e
disponibilidade na tarefa desta noite, mas precisamos fazer uma prece de
agradecimento a Deus e aos amigos espirituais a fim de que ela seja
encerrada.
— Irmão Carlos, antes da prece, posso fazer
mais duas perguntas?
— Sim.
— Primeiramente, se possível, acredito que
seria importante para mim saber se os procedimentos necessários para a
convalescença do Lucas, no corpo físico, encontram-se finalizados.
— Mas qual seria a importância de obter tal
conhecimento?
— É por que, irmão Carlos, se ainda não
tiverem chegado ao término e não for abuso de generosidade, eu gostaria de
participar até que sejam concretizados. E esta é a minha segunda
pergunta: isto seria possível?
— Mas por qual motivo, meu irmão?
— Irmão Carlos, mesmo sabendo que atualmente
não visto mais na carne a roupagem de Levy, não tenho como esquecer de que,
quando naquela época, prometi a mim mesmo tudo fazer para direcioná-lo na
estrada do bom caminho; então, sempre que me era possível, apesar dos afazeres
diários, tanto meus quanto dele, eu agia neste sentido. Muitas foram as
oportunidades que Maya agradecia a mim por agir neste sentido.
— Entendo, mas Lucas também não é mais Efraim,
nem a criança que de você necessitava naquela época.
155
— Com certeza, irmão Carlos. Nas memórias
acessadas pelo procedimento mnemônico que você realizou em meu cérebro, percebi
o quanto de contentamento eu sentia à época, enquanto Levy, em ver Efraim
ajudando ao povo com seus procedimentos magísticos. Atualmente entendo
que, naquele período, ele também realizava tais procedimentos para prejudicar o
próximo, mas isto é coisa de um passado muito, mas muito distante, pois hoje eu
o vejo não somente consciente dos erros cometidos, mas trabalhando com notável
desvelo para saná-los e evoluir espiritualmente.
— Entendo.
— Digo ainda mais, irmão Carlos. Posso até
estar errado, mas hoje posso até dizer que tenho uma alegria completa por nosso
irmão Lucas. É justamente tal felicidade que me faz querer auxiliá-lo, no que
for possível, para ajudá-lo a retomar a consciência no corpo físico e, assim,
despertar do coma. Sei que ele não é mais criança, nem Efraim, mas em meu
coração sempre será meu irmão mais novo e é esta a razão da minha súplica. Isto
seria possível, irmão Carlos?
— Não poderia esperar outra coisa
de você, meu irmão, todavia segundo ordens do astral superior, a resposta
à sua rogativa é sim, mas em partes.
— Acredito que não tenha entendido, irmão
Carlos.
— Três procedimentos serão necessários
para que, em tempo certo, Lucas desperte do estado comatoso. Os amigos
espirituais do plano maior autorizaram sua participação em dois destes
processos e são justamente os primeiros. Após a realização destes, teu auxílio
ao irmão Lucas será através da prece para que tudo ocorra bem na terceira etapa
deste processo de despertar.
— Tudo bem, irmão Carlos! Sou grato pela
oportunidade, afinal ordens são ordens.
156
— O primeiro procedimento do qual você
participará é estar presente em uma gira de umbanda para onde Lucas será
levado a fim de iniciar o processo de convalescença em seu corpo
físico.
— E qual seria o segundo procedimento,
irmão Carlos?
— Querido irmão, entendo sua curiosidade,
mas procure focar na execução de um procedimento por vez, pois tal ação evita o
dispêndio de energias desnecessárias, tais como preocupação, agitação e
ansiedade. Levemos a realização deste primeiro procedimento muito a sério, pois
disso depende o bem-estar de nosso irmão, Lucas.
— Você está certo, irmão Carlos, mas em
relação justamente ao primeiro procedimento preciso perguntar como farei eu,
estando encarnado, para ter condições de estar presente nesta gira?
— Veja bem, às sextas-feiras, por conta
das reuniões umbandistas que você participa aos sábados,
você já tem o hábito de realizar as preparações corretas para
delas participar, não é assim?
— Exatamente. Por iniciativa própria, eu
inicio a preparação já na quinta-feira.
— Pois bem, a reunião da qual Lucas
participará ocorre nas noites de sexta-feira. Será uma reunião no centro
frequentado por ele e sua mãe.
— Mas como saberei a data certa?
— Na noite da antevéspera de tal
reunião, você será orientado por seus mentores para, além da
preparação habitual, manter-se em espírito de oração ao longo do dia em que ela
ocorrerá.
— Compreendo.
157
— Quando estiver faltando noventa
minutos para o início da gira, por volta das dezenove horas, você será induzido
ao sono por seus mentores e dela participará.
— Entendi, mas irmão Carlos, quer dizer que
Lucas também é umbandista? Que bom!
— Tal qual você, Lucas é um iniciante na
umbanda, mas a mãe dele é uma verdadeira filha de fé já há algum tempo e tem
pedido muito pela recuperação do filho.
— Graças a Deus! Mas irmão
Carlos, há a possibilidade de você explicar a importância da
participação de Lucas nesta reunião?
— Resumindo, meu irmão, posso dizer que, em
tal reunião, será finalizado todo um trabalho que já
vem acontecendo ha alguns meses e que tem por finalidade a anulação
da magia negativa em desfavor de Lucas.
— Magia negativa?
— Sim. Na atual encarnação, Lucas, apesar de
não haver cometido adultério, inadvertidamente e com frequência, estimulava os
flertes de uma colega de trabalho simplesmente para satisfação de seu ego,
pois bem, tentando alcançar o objetivo de ficar com ele, sem se
preocupar com o matrimônio do colega, ela foi até um feiticeiro que
realizou terrível pacto para acabar com o casamento dele
e atá-lo magisticamente a ela.
— Mas por que isto aconteceu com Lucas?
158
— Pela imprevidência dele, mas solicito
que deixe o esclarecimento de qualquer dúvida que possua em relação a esta ação
para o dia em que ela for ocorrer, certo?
— Tudo bem, irmão Carlos.
159
XX - MOMENTO PARA A UMBANDA:
No dia marcado para a reunião, então eu, Lucas
e o irmão Carlos partimos da colônia espiritual em direção à casa de caridade.
À medida que descíamos para o orbe terrestre, observei que Lucas começou a
entrar em um estado de torpor, tal qual estivesse alienado de si mesmo, assim
como o encontrei da primeira vez na orla da praia. Deduzi a ocorrência de tal
fenômeno pela sua aproximação com a dimensão dos encarnados, onde se encontra,
em repouso, seu corpo físico.
O irmão Carlos confirmou minha suspeita
dizendo que como seu corpo espiritual encontra-se conectado ao corpo físico
pelo cordão de prata, então, quando em terra, esta conexão torna-se mais forte
e nosso irmão acaba por sentir, na dimensão espiritual, o torpor gerado pelo
coma em seu corpo físico.
Ao chegarmos nas proximidades do Centro, um
guardião nos esperava para guiar-nos até o local.
Quando estávamos em frente ao centro, observei
que Lucas caminhava tal qual um zumbi, sendo então conduzido pelo irmão Carlos.
Já na porta do terreiro, o guardião que nos
acompanhava saudou a duas sentinelas que guardavam a entrada do endereço e foi,
somente assim, que conseguimos adentrar o espaço.
Chegamos precisamente no momento em que seriam
iniciados os trabalhos especiais, ou seja, aqueles que devido
a certas complexidades inerentes a pessoa que precisa de auxílio, são
executados de maneira mais específica. Temos como exemplos destes os trabalhos
de cura, energização e desobsessão.
160
O irmão Carlos contou-me que uma senhora muito
simpática, de pequena estatura, cabelos brancos, usando óculos e que estava
sentada em um banco de madeira onde seriam realizados os trabalhos, era
Josélia, a mãe de Lucas, que trazia em suas mãos uma peça de roupa do filho.
Sem conseguir compreender o motivo que a
fizera trazer a camisa usada pelo filho até o local, então perguntei ao irmão
Carlos, que me respondeu assim:
— Meu irmão, as roupas usadas pelos encarnados
contêm o magnetismo irradiado por seus usuários, compreende?
— Já ouvi falar algo a este respeito, irmão
Carlos.
— Ótimo, pois assim tenho condições de dizer a
você que as entidades usarão o magnetismo presente na roupa de Lucas como um
instrumento para canalizar as orações e trabalhos realizados na noite de hoje,
em benefício dele, até o seu corpo físico.
— Que interessante, irmão Carlos!
— Irmão, sei que possivelmente você possui
outras dúvidas que deseja esclarecer, mas solicito que nos mantenhamos em
prece a fim de que o irmão Lucas possa ser melhor assistido.
— Entendi, irmão Carlos, e seguirei tua
orientação.
Devo dizer que me encontrava positivamente
surpreendido com a organização do terreiro e a concentração dos médiuns para a
realização dos trabalhos. Dispostos em semi-circulo, os cambones e médiuns em
desenvolvimento daquela casa de caridade mantinham-se em prece, aguardando o
início do trabalho.
A entidade que chefiava o trabalho, então,
aproximou-se de Josélia, agachou-se e disse-lhe:
161
— Filha, faz um bom tempo que você tem vindo
às reuniões pedir pela recuperação do seu filho.
— É verdade, senhor Caboclo.
— De igual maneira, faz o mesmo tempo que
estamos dizendo a você que seu filho irá se recuperar, mas que todas as coisas
têm o seu tempo, sendo justamente o tempo de Deus.
— Isto também é verdade.
— Pois, filha, saiba que estou sendo
autorizado, pelos mentores de seu filho, a dizer para você que este tempo não
tarda.
— Graças a Deus, senhor Caboclo!
— Isto, infelizmente, não tem condições de
ocorrer agora, nem amanhã, mas, pela misericórdia divina, não tardará.
— Fico muito feliz em escutar estas palavras.
Obrigado por elas.
— Agradeça apenas a Deus, minha filha, pois só
ele é digno de gratidão.
— É verdade!
— Filha?
— Sim?
162
— Este caboclo pede que você feche os olhos,
mas abra o coração e os sentidos para a realização de preces em favor
do seu filho.
— Sim senhor!
— Enquanto você segura esta peça de roupa,
procure mentalizar que as bençãos de Deus e deste trabalho chegarão
até a ele, proporcionando paz, equilíbrio, saúde e bem-estar. Filha já é
umbandista, então já sabe que não precisa se preocupar com nada do que escutar
durante o trabalho, não é mesmo?
— Com certeza. Pode deixar, senhor Caboclo.
— O corpo de seu filho pode até estar em um
leito de hospital, mas nunca se esqueça de que longe não existe entre pessoas
que se amam.
Aquelas palavras, ditas com tanta humildade e benevolência, fizeram os olhos de
Josélia marejarem, todavia ela aproveitou o momento para fechá-los e agir
conforme orientação da entidade.
Josélia, como dizem os umbandistas, possui uma
firmeza muito grande, o que significa dizer que ela tem uma intensa capacidade
de concentração para alcançar vibratoriamente pessoas e locais
previamente designados na intenção de irradiar pensamentos e emoções caritativas.
Enquanto realizava as preces em benefício do
filho, cujo corpo físico encontrava-se em repouso no leito hospitalar, mal
podia ela imaginar que, na realidade, a essência dele encontrava-se ali
mesmo, naquela casa de caridade, para receber as bençãos do Alto.
163
Ainda que o irmão Carlos tivesse orientado o
esclarecimento de possíveis dúvidas para outro momento, havia algo em relação
ao trabalho que eu via necessidade de esclarecimento. Ele, assim, olhou para
mim e, parecendo adivinhar o que me ia na alma, falou-me mentalmente:
— Fale irmão, pois percebo que tua dúvida é
pertinente ao trabalho.
— Irmão Carlos, no trabalho que
ocorrerá em favor de Lucas, também acontecerão procedimentos de energização e
desobsessão?
— Sim. Visando uma maior eficácia nos objetivos
da noite.
— Compreendi.
— Primeiro ocorrerá uma desobsessão em relação
ao trabalho realizado pela colega de trabalho do Lucas e do qual já conversamos
brevemente.
— Entendo, mas como pode este trabalho,
realizado há tanto tempo, ainda estar prejudicando o Lucas ao ponto dele não
conseguir sair do coma?
— Querido irmão, como foi explicado a você, o
trabalho realizado foi no intuito de destruir o matrimônio de Lucas
e atá-lo sexual e emocionalmente à colega de trabalho que ordenou sua
realização.
— Entendo.
— Estas energias deletérias têm uma
finalidade, mas de qualquer forma, atuando especialmente
nos chakras genésico, cardíaco e frontal, acabam por também
prejudicar a saúde de nosso irmão, como um todo, e atrapalhando o seu
despertar.
— Valei-nos Deus! Mas como os
efeitos de tal magia negativa, realizada há alguns anos, ainda podem ser
sentidos por Lucas?
— Acontece, meu irmão, que certos tipos
de trabalho são realizados para prejudicar o seu alvo por um certo tempo.
Neste caso, o pacto foi de sete anos.
— Meu Deus! Ainda faltam dois anos?
164
— Se nada for feito, sim. Durante o período
estipulado, o pacto deve ser renovado anualmente.
— E tal trabalho tem sido renovado?
— Até o ano passado sim.
— Mas o que aconteceu?
— A colega de trabalho de Lucas perdeu o
emprego.
— Compreendi.
— Paralelamente à desobsessão, ocorrerá a
finalização da magia negativa.
— Entendi, mas irmão Carlos por que esperar
cinco anos para anular tal magia?
— Porque cinco anos foi o tempo necessário
para que Lucas pudesse resgatar certos débitos cármicos alusivos ao período em
que, como Efraim, praticou o uso da magia para prejudicar o seu semelhante.
— Mas se o pacto não tem mais condição de ser
renovado, a magia não terminaria por si própria?
— Meu irmão, estas questões são muito complexas
para o nível de conhecimento magistico que você hoje possui, todavia
tenho como informar que, sem a renovação, o envio das energias negativas até o
alvo seria cessado. É importante que você saiba que Lucas tem a proteção e o
amparo de Deus. Muitos malefícios provenientes deste trabalho foram afastados
dele e aí está presente a misericórdia divina atuando para que cada
um receba conforme às suas obras, mas sem o desamparo do mestre Jesus.
— Compreendo, irmão Carlos.
165
— Então, como eu dizia, sem a renovação do
pacto, foi interrompido o fluxo de energias negativas até Lucas, mas hoje, pela
graça de Deus, findado os efeitos cármico-probatórios do nosso irmão, ele terá
condições de ser purificado de toda e qualquer energia negativa proveniente
desta origem.
— Entendi. Irmão Carlos, observo que muitas
situações pelas quais o Lucas tem passado na atual encarnação são derivadas da
prevalência na atuação do amor pela força do tempo, não é mesmo?
— É a questão sobre a qual conversamos antes e
que diz respeito às consequências das criaturas que, imprevidentemente, usam o
período reencarnatório para prejudicarem o próximo, como se no porvir
não houvessem que, obrigatoriamente, resgatarem o mal praticado.
— Creio que entendo, irmão Carlos. O mal é
semeado na hora que a pessoa quer, mas quando vem o arrependimento e o desejo
de repará-lo com a prática do amor, este fica circunscrito a ação do tempo,
pois só ele poderá dizer quando o resgate será possível.
— Exatamente, meu irmão. Você acaba de
esclarecer a atuação do amor na força do tempo, mas acredito ser a hora de nos
colocarmos enquanto auxiliares do amor divino, através de nossas
potencialidades e, no seu caso, por meio da oração concentrada e
focada, de modo a que nosso irmão Lucas possa receber toda a ajuda da
qual seja merecedor.
— Tudo bem, irmão Carlos, percebo que a
entidade chefe já está para iniciar o trabalho especial.
A entidade em questão, um caboclo conhecido
por Sete Lanças, traçou um ponto riscado no solo e, após, levantou-se dizendo
ao corpo mediúnico:
— Meus filhos, hoje vocês estão aqui, em pé,
enquanto esta filha está sentada no toco. Hoje vocês são os doadores de energia
e ela será a receptora, mas não se enganem, pois a diferença da
posição em que vocês e ela se encontram, não os tornam melhores que ela. Tenham
sempre a humildade para entenderem isto e vivenciarem a fé e a caridade para
que, no porvir, não sejam vocês a trocarem de posição com ela.
166
— Este caboclo pede a todos os filhos de fé
muita firmeza nas orações e nos pontos cantados, mas não porque esta filha é
filha de fé do terreiro, assim como o filho Lucas, mas sim porque todos nós
somos filhos de Deus e, como irmãos, devemos ofertar a nosso próximo o melhor
do que tivermos em nós a fim de que possamos receber, de Deus, o
nosso pai, exatamente o que doarmos. Muita atenção e responsabilidade com a
concentração e as preces, pois certamente vocês receberão exatamente o que
ofertarem.
Preciso dizer ser admirável como aquela
entidade falava bem. Suas palavras eram diretas como flechas disparadas, mas
também reflexivas sobre o papel do médium enquanto doador de energias para a
prática da caridade. Os médiuns ficaram ainda mais centrados ao escutarem
àquelas palavras.
Após breve pausa, o caboclo retomou sua
prédica dizendo:
— A atenção de vocês, para este
trabalho, também é necessária porque o receptor de suas orações está distante
daqui, em leito de hospital, mas com a firmeza e as preces de vocês,
as bençãos de Deus haverão de chegar até ele.
— Guardem sua curiosidade para outro momento.
Se souberem o ponto cantado, então o entoem, mas se não souberem continuem em
oração, pois a vibração não deve cair por um motivo tão pequeno quanto a
curiosidade em momento indevido. Agora é a hora de fazer o bem, então, façamos!
Então, após a breve explanação, o caboclo Sete
Lanças entoou:
167
"Andorinha
voou, voou, neste gongá pousou
andorinha voou, voou,
neste gongá pousou.
Tem pena
dele, andorinha. Ajude a ele, andorinha.
Tem pena
dele, andorinha. Ajude a ele andorinha."
Conforme a frequência e o ritmo em que o ponto
era cantado, observei o ambiente do terreiro ser inundado por uma belíssima
espécie de chuva de luzes douradas que precipitavam do Alto e traziam uma
enorme sensação de paz e tranquilidade. O irmão Carlos, então, esclareceu-me:
— Esta chuva, meu irmão, é proveniente das
esferas superiores e consegue precipitar aqui através de um portal que foi
temporariamente aberto pelos espíritos de luz.
— Portal, irmão Carlos? Mas não
consigo ver portal algum.
— Este não, meu irmão, uma vez que ainda não
preenche os requisitos necessários para tanto, mas conseguirá observar outros
que ainda serão abertos para a realização deste trabalho.
— Meu Deus, que incrível, irmão
Carlos! Mas que chuva é esta?
— É a chuva proveniente do amor de Deus, por
meio dos pontos cantados.
— Como assim? Os pontos cantados provocaram
esta chuva?
— Não, mas tornaram-na possível.
— De que forma, irmão Carlos?
— Os pontos cantados, meu irmão, abrem certas
vias que permitem a interação do plano físico com o plano astral, orientando
forças para diversas finalidades, inclusive facilitando a abertura de portais.
Possivelmente percebendo certa fisionomia de interrogação em meu rosto, o irmão
Carlos, então, disse:
168
— Para que você compreenda de maneira fácil,
posso dizer que esta irradiação energética proveniente do Alto e que você
denomina enquanto chuva dourada tem a finalidade de preparar o ambiente para a
realização do trabalho. Ela funciona como uma espécie de assepsia, mas não se
preocupe com conceitos. Permaneça em oração porque o objetivo desta chuva de
luz, como você mesmo verá, é autoexplicativo.
— Realmente não entendera, por completo, o que
dissera o irmão Carlos, mas permaneci em preces e observando o desenrolar do
trabalho em benefício do irmão Lucas.
Talvez observando o efeito positivo da chuva
dourada, o caboclo Sete Lanças ergueu a destra e, então, disse:
— Salve o ponto!
Imediatamente o canto do ponto cessou.
Passados alguns segundos, já com duas velas apagadas e um rolo de barbante na
mão, o caboclo então iniciou a entoação de outro ponto:
"Santo
Antônio é ouro fino, Santo Antônio é ouro em pó
Santo Antônio
é ouro fino, Santo Antônio é ouro em pó
Desamarra, Santo Antônio,
o cordão de sete nós
Desamarra, Santo Antônio,
o cordão de sete nós."
Firmeza no ponto, meus filhos!!!
169
Entendi, assim, que a magia negativa contra
Lucas seria eliminada a partir daquele instante.
Um portal, ao nível do solo, então se abriu.
Quase que imediatamente adentrou ao terreiro um ser humano
bem alto, musculoso, com odor muito fétido e fisionomia mal-encarada,
bradando:
— Quem foi o miserável que me trouxe até aqui?
Quem foi?
Notei que o ambiente tornou-se denso e uma médium sentiu as vibrações pesadas
daquele ser, dando passagem para sua incorporação. Ao incorporar, ele continuou
a esbravejar e a questionar, em alto tom, quem o trouxera até ali.
Dois médiuns doutrinadores aproximaram-se do
irmão necessitado.
O caboclo Sete Lanças, percebeu a impregnação do ambiente com àquelas energias
deletérias e, imediatamente, mudou o ponto, entoando:
"Santo
Antônio de pemba, segura o terreiro, segura o gongá
Esta
filha de fé não pode cair, não pode parar.
Santo
Antônio de pemba, segura o terreiro, segura o gongá
Esta
filha de fé não pode cair, não pode parar.
Ogum
mareou, meu Pai, Ogum mareou, meu pai
Ogum mareou,
meu Santo Antônio, Ogum mareou."
Observei, desta forma, que a chuva dourada
intensificou-se, como a neutralizar as energias negativas e acabei por entender
sua finalidade de assepsia.
170
O ser que atravessara o portal, por sua
vez, passara a proferir todo o seu destemor:
— Quem vocês estão pensando que são, para
tirarem a mim de meu local? Eu sou o dono do meu círculo, eu mando e desmando.
Tirem-me daqui, agora!
O doutrinador que aparentava mais experiência
com este tipo de situação, então, disse-lhe:
— Mau irmão, por que tanta revolta?
— Irmão? Eu não sou teu irmão! Nunca te vi na
vida e não me venha com a conversa de que temos o mesmo pai, porque Deus já
deixou de mim há muito tempo.
— Mas quem disse tal coisa? Nós temos nosso
livre-arbítrio e podemos abandonar a Deus, mas Ele nunca nos abandona.
— Então sou eu quem te pergunto quem foi que
disse tal asneira a você, por que se isto for verdade, então onde estava Deus
quando minha mãe morreu vítima de magia negativa?
— Deus está em todo lugar.
— Em todo lugar, uma vírgula, pois com minha
mãe ele não estava.
— No passado tua mãezinha veio a
óbito como efeito de uma magia negativa e você não viu a Deus. Atualmente você
também está utilizando do mesmo sortilégio que vitimou sua mãe para prejudicar
outra pessoa. Isto trará sua mãe de volta?
— Você não sabe de nada. Poderia dizer estar
fazendo o que faço somente por que fui muito bem pago para fazê-lo, mas não
seria verdade.
— Por que não?
171
— Porque acabar com o filho desta desgraçada é
missão de honra para mim, pois foi ele mesmo quem fez o feitiço que vitimou a
minha mãe, há muitos séculos. Eu era um nobre egípcio, casado e que vivia com
minha mãe. Minha então esposa contratou um desgraçado que a envenenou e depois
a mim, para ficar com os bens.
Preciso dizer que me espantei com a revelação
escutada. Uma das memórias recuperadas da minha encarnação enquanto Levy, no
procedimento realizado pelo irmão Carlos, era justamente sobre este caso muito
famoso entre a nobreza daquela época, na região em que vivia. Eu sabia quem era
àquele ser e minhas orações em seu benefício foram redobradas.
O doutrinador, então, continuou o diálogo:
— Entendo, mas o motivo que o faz agir contra
o filho desta senhora, na verdade, está relacionado com a vingança.
— Dê você o nome que quiser. Eu só sei que ele
é meu.
Um portal de luz foi aberto no terreiro e,
dele, saiu um ser feminino e com vibração superior de intenso amor. Ela
aproximou-se do doutrinador com candura inestimável e, estendendo-lhe a destra,
passou-lhe a irradiar um fluxo energético incessante. Parecia desejar
transmitir-lhe certa mensagem em benefício daquele ser.
172
O caboclo Sete Lanças, buscando alternar as
vibrações do trabalho, então passou a entoar o seguinte ponto:
"Eu
era um grão de areia, perdido nas ondas do mar
Queria
ser um rei para meio mundo governar.
Meu
Deus, quanta ilusão! Pois nesta gira encontrei a solução.
Meu
Deus, quanta ilusão! Pois nesta gira encontrei a solução."
O doutrinador, então, retomou o diálogo:
— Você diz ser o dono do seu círculo, mas,
onde estão os seus?
— Aguardando o meu retorno.
— Mas você, ainda, quer retornar para lá? Pode
dizer-me a verdade, porque aqui ninguém irá julgá-lo e, lá, ninguém terá
condição de escutá-lo.
— Você está chamando a mim de mentiroso? Muito
cuidado com o que fala, pois posso direcionar meus esforços para prejudicar a
tua vida.
— Em momento algum eu lhe ofendi desta ou de
qualquer outra forma. Assim não o fiz, não necessariamente por ter medo de suas
ameaças, mas pelo respeito que lhe devo em ser meu irmão por paternidade
divina.
O ser feminino que atravessara o portal
luminoso continuava a irradiar suas energias ao doutrinador que, em certo
momento, fechou os olhos, respirou profundamente e continuou o diálogo:
173
— Apenas pergunto a você por que desejar
retornar a um local onde você se sente cerceado em vibrar e sentir pensamentos
e emoções sobre o ser que lhe cala mais fundo no coração, àquela quem lhe deu a
vida, tua mãezinha?
Ouvindo o doutrinador falando com sentimento,
empatia e candura tão abundantes em um coração de mãe, aquele ser, já há tanto
tempo escravo do ódio, iludido pela vingança, mas cheio de saudades,
libertou-se do que lhe estava preso na alma por um incontido pranto.
Ainda intuído por aquele sublime ser feminino,
o doutrinador disse-lhe:
— Veja, meu irmão, o seu tempo de chorar está
para terminar, mas se você ainda desejar fazê-lo, então faça-o junto ao colo de
quem te ama. Você vê? Tua mãezinha está aqui, ela veio buscá-lo.
— Sim, eu vejo.
— Então vá, meu irmão! Vá em paz, vá com
Deus, vá com ela.
O ser desincorporou e foi levado por sua mãe
pelo portal luminoso.
Alguns pontos pertinentes à falange dos preto-velhos foram então entoados pelo
caboclo Sete Lanças e os filhos de fé do terreiro, recuperando-se a vibração
inicial daquela casa de caridade, antes do início do trabalho.
Algumas orações foram realizadas pelo grupo
mediúnico e o trabalho, então, chegou ao seu término.
174
Necessito dizer o quanto fiquei impressionado
com a fundamental importância em relação ao papel do doutrinador para o bom
andamento do trabalho. Ele foi tão importante quanto os irmãos de fé em preces
e cânticos ao favor do próximo; tão fundamental quanto as entidades trabalhando
em favor do bem e quanto aos espíritos superiores que dirigiam àquele trabalho.
A partir daquele dia, o papel do doutrinador dedicado, estudioso e proativo, em
uma gira de umbanda, ficara muito claro para mim.
Após a realização daquele trabalho, o estado
de torpor, em Lucas, diminuíra cerca de quarenta por cento. Sua
atenção ainda continuava bem circunscrita aos aspectos interiores, mas rara e
ocasionalmente ele, aparentemente, olhava rapidamente para alguma coisa,
ou outra que despertava sua atenção.
O irmão Carlos aproximou-se de nós e disse:
— Em instantes, precisarei retornar com
o Lucas para a realização de procedimentos adicionais em benefício de sua
convalescença.
— Está certo, irmão Carlos.
— Não há necessidade de você vir conosco,
desta vez. Em quatro semanas nos encontraremos para a realização do outro
procedimento em favor da recuperação de Lucas e para o qual havia dito que você
possui permissão para participar.
175
— Entendo, irmão Carlos, mas antes de
nos encontrarmos outra vez, haveria possibilidade do esclarecimento
de duas dúvidas em relação aos trabalhos de que tive a ditosa oportunidade de
participar na noite de hoje?
— Sendo pertinentes ao trabalho,
certamente que sim.
— Graças a Deus!
176
XXI - MOMENTO PARA ESCLARECIMENTOS:
A primeira dúvida é relacionada ao espírito
que prejudicava a Lucas. Gostaria de entender porque tal espírito,
contemporâneo a mim e a ele, quando estávamos reencarnados, respectivamente,
enquanto Levy e Efraim, não conseguiu vê-lo quando aqui esteve durante a
realização do trabalho especial?
— Porque àquele nosso irmão,
consciencialmente, encontra-se em outra faixa vibratória. A dor e o sofrimento
castigavam-lhe a alma, mas ele ainda não liberou o perdão para Lucas,
que se encontra em outra frequência vibracional.
— Aliás, irmão Carlos, se você permite-me
dizer, o nosso irmão Lucas, devido ao estado de torpor, encontra-se
consciencialmente em frequência muito baixa, não é isto?
— Exatamente e isto também dificultou-lhe a
percepção do ser enquanto esteve no recinto.
— Nossa, que impressionante! Isto significa
dizer que a criatura humana, ao desencarnar, conseguirá ver somente àquilo que
possuir condições vibratórias para perceber, não é isto?
— Correto. Vejamos o exemplo
da mãezinha deste nosso irmão contemporâneo a você e a Lucas. Perceba
que ela é um ser pertencente às esferas sublimes no entendimento e prática do
amor e da caridade. Sua frequência vibratória é altíssima e ele não conseguia
percebê-la, mesmo ela estando ao seu lado.
177
— É verdade.
— Somente quando ela densificou seu padrão
vibratório foi que ele, orientado pelo doutrinador, cuja consciência estava por
ela influenciada, conseguiu enxergá-la e buscar novo caminho para sua vida.
— Entendi.
— Na verdade, meu irmão, outros trabalhos
ainda precisarão ser realizados, aqui no terreiro, a fim de que, pela
graça de Deus, este nosso irmão conseguia refletir sobre seus atos, sua vida e
perdoar a Lucas. Tudo dando certo em, no máximo, três meses isto estará
acontecendo.
— Se Deus quiser, irmão Carlos, estarei em
prece para que isto seja possível, mas eu também estava aqui pensando em algo,
entende?
— Fale a respeito, meu irmão.
— É que este espírito será mais um para quem o
Lucas necessitará pedir perdão de modo a que tenha paz na
consciência, não é mesmo?
— Não necessariamente.
— Como assim?
— Veja bem, Lucas, enquanto Efraim, prejudicou
a vida deste nosso irmão, mas este também fez o mal para Lucas e não somente
por que foi pago para fazê-lo, mas especialmente em nome do revide.
— Acredito que entendi. Foi por isto que a
espiritualidade aguardou cinco anos para anular este trabalho feito para
prejudicá-lo, não é isto?
— O resgate cármico de um ser humano é algo
muito complexo para ser descrito de uma maneira simples, mas podemos dizer que
este, certamente, foi um dos fatores.
178
— Nossa, quanto sofrimento ao longo do
tempo, não é mesmo, irmão Carlos?
— Veja bem, meu irmão, que é um sofrimento perfeitamente
evitável se a criatura humana, quando encarnada, buscar aprender a viver uma
vida cujas diretrizes sejam a amar a Deus acima de todas as coisas e ao próximo
como Jesus nos amou, pois isto sim é vivenciar princípios que
viabilizam uma existência para a prática do bem e, consequentemente, para o
recebimento deste mesmo bem.
— É verdade, irmão Carlos!
— Por isto Jesus ensinou a perdoar setenta
vezes sete vezes e a reconciliação do ser humano com o seu próximo enquanto
ainda estão encarnados a fim de que, no tribunal divino, não se veja
sentenciado a cumprir o ciclo carnal de provas e expiações até que pague o
último centavo ou, como foi dito anteriormente, enquanto aguarda, no tempo, a
oportunidade reencarnatória de praticar o amor a fim
de dirimir a dor.
— Esclarecedor, irmão Carlos!
— Mas qual seria sua outra dúvida em relação
ao trabalho desta noite?
— Irmão Carlos, se você, eu e Lucas entramos
aqui no terreiro passando pelo portão de entrada, porque aquele ser veio
participar do trabalho através de um portal?
— Na realidade, meu irmão, ele não só
veio por um portal, mas sim foi conduzido até aqui por dois espíritos do plano
maior e que, nesta casa, trabalham enquanto preto-velhos.
— Mas qual o motivo desta diferença?
179
— Você observou, caro irmão, o tanto de
energias deletérias que aquele ser trouxe consigo do local de onde foi trazido?
Lembra o quanto necessitou ser intensificada o fenômeno que você denominou
chuva dourada, para a anulação de tal negatividade?
— Sim, irmão Carlos. Lembro, com certeza.
— Imagine este tanto de energia negativa sendo
espalhada pelos ambientes em que fosse necessário ele passar até chegar aqui.
— Mas não haveria modos de limpar tal
negatividade?
— Decerto que sim, mas como é dito entre vocês
encarnados, o local limpo é aquele que menos se suja, não o que mais se limpa.
— Entendo. Então esta e a razão!
— Não somente.
— Verdade?
— Com certeza! O ser que recebeu auxílio do
Alto encontrava-se em local de difícil acesso e muito bem protegido, não sendo
possível dele ausentar-se de maneira desapercebida.
— Comprrendi, irmão Carlos! Muita coisa
aconteceu para que ele pudesse ser conduzido até aqui.
— Exatamente
180
— Mas, irmão Carlos, desta resposta surgiu
mais uma pergunta. Esta casa de caridade não corre perigo de ser invadido por
seres trevosos, através de portais?
— Não.
— Por que não?
— Você necessitaria possuir algum conhecimento
de magia divina para conseguir absorver completamente conceitos relacionados
aos portais magisticos, todavia para poder fazer-me claro, digo que nesta
casa de caridade existe uma rede de proteção vibratória contra portais que
dariam acesso a seres negativos.
— Como funcionaria isto irmão Carlos?
— Para que o bloqueio vibratório contra
estes tipos de portais seja quebrado, alguém necessitaria possuir uma
espécie de chave de acesso, que o permita acessá-lo para, então, entrar no
terreiro.
— Não entendo.
— Esta rede vibratória emite uma frequência,
então para que um portal seja aberto, é necessário que se saiba qual
é esta frequência.
— Nossa, mas isto é incrível; parece coisa de
ficção científica!
181
— Mas é um princípio básico no estudo dos
portais, pois cada um deles, devido a diferentes fatores, possui uma
frequência vibratória especifica, assim para que alguém consiga furar a rede de
proteção do terreiro através de um portal, seria a ele necessário saber qual a
frequência da rede vibratória que protege esta casa de caridade a
fim de que possa acessá-la; realmente pode parecer coisa de ficção
científica, mas em breve, entre vocês e em especial para questões tecnológicas,
será comum o conhecimento de que para acessar uma rede é necessário
portar uma senha específica.
— Incrível, irmão Carlos, mas o que forma esta
rede de proteção de um terreiro, as entidades?
— Meu irmão, as entidades, de fato, formam uma
grande rede de proteção, muito potente nesta função, contudo tal rede é
alimentada e sustentada por uma rede principal, que é articulada pelo
Alto através dos mentores de cada casa de caridade e que utilizam, em especial,
suas firmezas, assentamentos e o gongá para construi-la e mantê-la.
— Sabe irmão Carlos, estes conhecimentos
teóricos sobre a umbanda são lindos. Aos olhos de um leigo o fumo, as ervas e
as velas podem parecer até coisa de gente ignorante, mas é muito gratificante
saber que, na umbanda, tudo tem um fundamento e uma razão de ser. É ciência
pura!
— Seu entusiasmo é genuíno e cativante, meu
irmão e fico muito grato ao Alto, por poder alimentá-lo por meio do amor ao
conhecimento às coisas divinas, todavia é chegada a hora de partirmos.
— Entendo, irmão Carlos.
— Com as graças de Deus, tudo acontecendo como
deve ser, então daqui a três meses nós teremos um novo encontro com o
irmão Lucas, de modo a que possas participar da segunda atividade em
prol da recuperação dele.
— Será a última, não é irmão Carlos?
— A última da qual você tem
permissão do Alto para participar. Após sua realização, alguns procedimentos
ainda serão necessários para que Lucas desperte do estado comatoso. Tua ajuda
será a de fornecer a nosso irmão divinas energias salutares, por meio da prece.
— Compreendo perfeitamente, irmão
Carlos. Na realidade, vou permanecer em oração para que tudo dê certo e a
realização desta segunda atividade possa ocorrer no tempo certo para nosso
irmão Lucas.
— Que assim seja!
182
XXII - MOMENTO DE PREPARAÇÃO PARA O
REENCONTRO:
O tempo passou naturalmente e eis que, em
certa noite, fui novamente conduzido, pelo companheiro Erasmo, até a presença
do irmão Carlos. Ele disse que me transmitiria algumas informações e que depois
partiríamos ao encontro de Lucas.
Coloquei-me a disposição dele que, então,
falou:
— Querido irmão, de quais fatos relacionados
ao acidente que permitiu a Lucas entrar em estado comatoso, você se recorda?
— Irmão Carlos, lembro que, anteriormente,
você explicou que Lucas não teve culpa no acidente que vitimou sua esposa,
gestante na época, não é isto?
— Correto.
— Ele conduzia o veículo da família, enquanto
discutia com ela, até que parou momentaneamente o carro devido à sinalização do
semáforo.
— Exatamente.
— Após certo tempo, o sinal indicou que ele
poderia seguir em sua viagem. Enquanto isto, no outro semáforo do cruzamento,
havia a indicação para parada temporária de veículos, mas um motorista que
vinha a alta velocidade, desobedeceu à sinalização e chocou-se frontalmente com
o carro onde estava Lucas e sua família.
— Você recordou bem meu irmão. Lucas realmente
seguia as leis de trânsito vigentes entre os encarnados quando ocorreu o
acidente, todavia, intimamente, ele entende que se não estivesse em discussão
verbal com a esposa, certamente estaria mais atento para não ser afetado pela
atitude do condutor que avançou a sinalização.
183
— Lembro disto também, irmão Carlos e é
justamente neste fato que ele tem encontrado dificuldades para despertar do
coma, não é mesmo?
— Exatamente. É um sentimento de culpa desta
encarnação que potencializa a culpa desenvolvida na sua encarnação enquanto
Efraim e que, por sua vez, dificulta o despertar de nosso irmão no
invólucro carnal.
— Compreendo.
— Uma vez já trabalhado o sentimento culposo
proveniente da sua encarnação enquanto Efraim, resta-nos, com Cristo,
trabalharmos tal sentimento no que diz respeito a atual encarnação de nosso
irmão.
— Que assim seja, irmão
Carlos! Mas o Lucas tem boas chances de sucesso na
atividade desta noite?
— As probabilidades são consideráveis, meu
irmão, até mesmo porque ele aguarda a oportunidade deste encontro já há algum
tempo.
— Encontro?
— Sim, companheiro, a nossa tarefa desta noite
é facilitar, promover e sustentar, em preces, o encontro de Lucas com Catarina
e Laura.
— Nossa, que responsabilidade, hein, irmão
Carlos! Mas Catarina e Laura desejam encontrar-se com ele?
— Certamente que sim, companheiro! A lei do
livre arbítrio é uma força motriz que fundamenta as relações no mundo
espiritual.
— Assim como a lei das afinidades, não é,
irmão Carlos?
184
— Exatamente, meu irmão. Assim como tal e
algumas outras, e é justamente por tal motivo que Catarina e Laura desejam
encontrar - se com nosso irmão.
— Compreendo.
— Trata-se de pessoas que estabeleceram
sólidos vínculos de amizade antes da atual encarnação.
— Que ótimo saber sobre isto!
— Além disto, o estado mental de Lucas
encontra-se bem melhor do que relação ao nosso último encontro.
— Graças a Deus!
— Lembre-se, meu irmão, que não temos o
direito de prejudicar o momento de encontro destes entes familiares com
desatenção e descuidado. Você, certamente, será um observador, mas não se
esqueça do foco principal que é a sustentação do encontro por meio da prece,
pois como você já sabe, a disciplina antecede a espontaneidade.
— Certamente, irmão Carlos. Estarei atento a
este fato.
— Então, partamos ao encontro de nosso irmão,
pois estamos sendo aguardados.
Partimos em direção a uma sala localizada na
própria colônia onde estávamos. Lucas nos recebeu com genuíno contentamento ao
adentrarmos o recinto.
185
— Olá, meus irmãos! Que Deus nos abençoe na
tarefa desta noite!
— Que assim seja!
Respondemos eu e o irmão Carlos, que continuou
o diálogo:
— Irmão Lucas, como você está se sentindo esta
noite?
— Bem, irmão Carlos! Ansioso, mas bem! Você
poderia dizer quando Catarina e Laura chegarão até nós?
— Em breve, mas o reencontro, entre vocês, não
acontecerá aqui.
— Não? Pensei que sim, já que aqui encontro-me
muito mais desperto e atento.
— Certamente que sim, meu irmão, contudo o seu
aspecto mental tem sido foco do nosso atendimento já há algum tempo. Está na
hora de focarmos no equilíbrio de suas emoções, por meio do corpo astral, pois
ele é mais próximo do corpo físico a quem, afinal, desejamos plenamente
desperto.
— Isto é verdade, irmão Carlos.
— Razão e emoção são aspectos indissociáveis.
Para tratarmos da resolução de seu caso, como explicado antes, primeiramente
trabalhamos os seus aspectos psíquicos por meio do teu corpo mental, assim a
tua razão passou a entrar em maior equilíbrio e a influenciar positivamente os
seus aspectos emocionais.
— Entendo.
186
— Agora resta-nos trabalhar suas questões
emocionais, via corpo astral, de modo que ele também convalesça em
homeostase e facilite teu despertar no corpo físico.
— Então, irmão Carlos, onde acontecerá este
encontro?
— No plano físico, já que teu corpo físico encontra-se
neste plano. É lá que trabalharemos seu corpo astral, que é justamente o nível
espiritual mais próximo do corpo carnal.
— Você estará comigo?
— Certamente. Lá estaremos, eu e este nosso
irmão, todavia você não conseguirá perceber nossa presença.
— Mas por que seria isto, irmão Carlos, já que
não fico mais entorpecido quando visitamos o plano físico?
— Porque o laço de afinidade entre nós três
não deve ser utilizado como justificativa para a indiscrição. O objetivo da
atividade desta noite é a cura do teu corpo físico, por meio da cura emocional
a ser restabelecida a partir de um reencontro familiar, assim lá estaremos, em
frequência vibratória que nos tornará imperceptível aos seus olhos, mas em
prece que será sensível ao teu espírito.
— Consigo compreender.
— Todavia, Lucas, é necessário
que conversemos sobre alguns aspectos antes de nossa partida, pois apesar
de nosso irmão conhecê-lo da época de sua roupagem carnal enquanto Efraim, ele
pouco conhece sobre você na atual encarnação, enquanto Lucas.
Parei para refletir sobre a informação passada
pelo irmão Carlos e constatei que, de fato, pouco sabia da encarnação atual de
nosso irmão Lucas.
187
XXIII - MOMENTO PARA CONHECER LUCAS:
Ele, por sua vez, retomou o diálogo
dizendo:
— Irmão Carlos, haveria algum aspecto que você
considere essencial a ser abordado?
— Irmão Lucas, por obséquio, diga-nos: se eu
solicitar a você que cite um local, no plano físico, que represente um símbolo
da união e do amor entre você e Catarina, então o que você diria?
— Com certeza, a praia.
— Então, Lucas, explique, ao nosso irmão, os
motivos de sua resposta.
— Bem, acredito que primeiramente precisaria
explicar a imensa afinidade que eu tenho com o ambiente marítimo. A praia
remete a minha infância, pois jamais esquecerei dos momentos que vivi, nela,
junto aos meus pais. Consigo recordar a primeira vez que fui à praia, já que
foi paixão à primeira vista. O mar sempre me atraiu bastante e
inexplicavelmente. Recordo-me que meus pais passavam alguns momentos de aflição
comigo, pois eu jamais temi ao mar. Lembro que sempre desejei ir fundo e mais
fundo, tal qual uma atração irresistível. Apesar dos momentos de aflição que
isto causava em meus pais, eles faziam tudo para que os nossos momentos de
lazer, aos finais de semana, fossem sempre na praia, ainda mais sendo, eu,
filho único.
Eu escutava Lucas contar, sua história,
bastante admirado em perceber o quanto que suas memórias de infância em relação
ao mar, eram próximas às minhas. Ele continuou:
188
— Quando eu tinha quinze anos, meu pai
desencarnou devido à fragilidade de sua saúde em consequência de um tumor
maligno no pâncreas e isto foi um baque na minha vida, todavia descobri,
naquela idade, que tomar um banho de mar sempre aliviava meu corpo das aflições
da vida e renovava minhas emoções com atitudes positivas, além disto, sem que
eu saiba explicar como, ao caminhar pela orla ou ao sentar nas pedras,
estranhamente eu sentia a presença de meu pai. Parecia que ele dizia estar bem
e que o que aconteceu com ele foi simplesmente a oportunidade divina de evoluir
espiritualmente. A sensação que eu tinha ao vivenciar estes momentos, em
especial na ocorrência de ventos moderados a fortes, era de um extremo
reconforto em entender que a vida continua ou, como ele costumava dizer: ninguém
fica para semente.
Talvez como que para recuperar a saudade que
tais emoções evocavam, Lucas respirou profundamente e, somente após, continuou:
— O tempo passou, mas ainda na juventude
jamais deixei de buscar a presença da energia divina e salutar do mar em pelo
menos um dos dias do final de semana. Foi assim que, já aos trinta e nove anos,
conheci Catarina. Ela sempre foi linda, entende?
Aquiesci com a cabeça em concordância e ele
prosseguiu em sua narrativa:
— Fui subir nas pedras por que, naquele dia de
verão, as lembranças sobre meu pai estavam um pouco exacerbadas e, então, a
encontrei no local, sentada, reflexiva e com lágrimas nos olhos. Sentei-me a
cerca de três metros de distância, mas ela estava tão imersa em possíveis
recordações que não notou minha presença.
189
— Não sei esclarecer o porquê, mas ela
despertou um carinho, um sentimento, um desejo de cuidar e estar próximo, tão
contundentes, que não resisti e dela aproximei-me, sentando e, após, dizendo:
— Eu não sei você, sabe, mas este vento parece
falar comigo.
Ela, ao escutar minha voz, pareceu haver
despertado de um transe e perguntou:
— O que foi mesmo que você disse?
— Desculpe interromper suas reflexões. Eu
disse que este vento parece falar comigo.
Ela abaixou a cabeça com o comentário, mas com
um traço de sorriso no canto dos lábios, virou-se para mim e falou:
— Comigo também, por isto que estou aqui.
No que eu respondi:
— Espero ser, para você, uma pessoa tão
agradável para conversar quanto o nosso amigo, o vento.
Desta vez o sorriso dela abriu-se por completo
e foi exatamente, naquele instante, olhando àquele sorriso mais radiante que o
sol, que me apaixonei por completo. Ela retomou o diálogo:
190
— E o que ele diz para você?
— Basicamente que a vida não para, sabe? Que
devo seguir, tornando presente, e em equilíbrio, as recordações felizes do
passado e aquecendo, no coração, o fogo do amor construído na relação com
àqueles que partiram antes de nós.
— Sinto a mesma coisa. Parece haver uma
renovação em minhas esperanças.
— Sabe, moça.
— Catarina.
— Muito prazer, Lucas! Então, Catarina, parece
que eu sinto Deus falar comigo através do vento.
— Você é religioso?
— Comecei a frequentar um centro de umbanda há
seis meses, então considero-me umbandista.
— Umbanda, já ouvi uma coisa ou outra a
respeito. Você faz parte da corrente mediúnica?
— Ainda não, mas acredito que isto ocorrerá
naturalmente, em tempo certo. E você? É religiosa?
— Não. Acredito em Deus como criador de todas
as coisas e que Ele está comigo em todos os momentos.
191
— Eu penso a mesma coisa. Tenho certeza que
Ele está comigo em todos os instantes, até naqueles em que eu, por
algum vacilo, ausente-me da presença Dele.
Contei a Catarina sobre minha relação íntima
com o mar desde a infância, sobre os vários momentos felizes vivenciados
naquele ambiente, o desencarne do meu pai e como minha relação com este ponto
de forças estreitou-se após este evento; após perguntei a ela:
— E você, Catarina, o que o vento conta para
você?
— Bem Lucas, sinto-me a vontade com você,
então vou narrar um pedaço da minha história.
— Estou na escuta.
— Eu também sempre tive bastante intimidade
com o ambiente marítimo, sabe? Minha mãe, devido a problemas em
decorrência do parto, faleceu logo após o meu nascimento, assim fui criada por
meu pai, que jamais se casou novamente, e por minha tia paterna. Eles, sempre,
a tudo fizeram para que eu usufruísse de uma infância feliz, mas em
especial, levando-me até o mar em todos os finais de semana. Jamais esqueci
tudo o que aprendi com minha tia, mas ela também veio a óbito em minha
adolescência.
— Entendo. O vento dialogava contigo,
sobre sua tia, por meio destas inestimáveis recordações, quando eu a
interrompi, não é isto?
— De forma alguma, Lucas. O vento
dialogava comigo sobre o falecimento do meu pai, ocorrido há pouco mais de um
ano.
192
— Sinto muito Catarina.
Meus pêsames.
— Obrigado, Lucas, mas também entendo que a
vida continua, sabe? Era como ele dizia: ninguém fica para semente.
Surpreendi-me com àquela coincidência e, a
recordação de meu pai, aliada com àquela energia cativante de Catarina, fez com
que nos entrelaçássemos em abraço enternecedor.
Sorri emocionado em escutar a história daquele
casal. Feita de perdas, certamente, mas baseada em profundo afeto. Lucas
prosseguiu em diálogo:
— A partir daquele instante, meu irmão,
nós assumimos um compromisso de namoro. Ela conheceu minha mãe e parecia
que, na verdade, sempre se conheceram tamanha era a afinidade. Sete anos
após, nos casamos, exatamente na mesma praia em que nos conhecemos e a cerimônia
foi consagrada pela entidade chefe.
— Puxa, que incrível! O Caboclo sete Lanças,
não é mesmo?
— Exatamente. Catarina, sempre que podia,
buscava consultar-se, com minha mãe, junto às entidades do terreiro.
— Entendo.
— Um ano antes de entrar em coma, Catarina
engravidou de Laura e eu entrei para a corrente mediúnica do centro.
— Gratificante escutar tua narrativa,
Lucas, mas seria possível lançar para você uma pergunta que, talvez, possa ser
classificada enquanto delicada?
193
— Fique à vontade, meu irmão.
— É que, conforme descreveu, a relação
entre você e sua esposa era pautada no afeto, diálogo e entendimento, certo?
— Certamente. Ela,
inclusive, possuía um nível de compreensão ainda maior do que o
desenvolvido por mim.
Olhei para o irmão Carlos, manifestando o
semblante de quem não tinha o discernimento se a pergunta que desejava fazer
era pertinente em relação ao trabalho ou apenas fruto de inoportuna
curiosidade. Ele, então, disse:
— Faça a pergunta para Lucas, meu irmão.
194
XXIV - MOMENTO PARA ALGUMAS
REFLEXÕES:
— Com a autorização do irmão Carlos, então
procurei refletir um pouco para buscar as melhores palavras e perguntei:
— Lucas, havendo tal nível de compreensão em
sua vida conjugal, então por qual motivo você discutia no dia do acidente?
Em consequência de minha pergunta, Lucas,
então, olhou para o irmão Carlos, que esclareceu:
— Sílvia, a colega de trabalho de Lucas, já
havia realizado o pacto com entidades negativas. Nosso irmão, por sua vez,
estava imprevidente em relação à execução de procedimentos necessários para um
lar harmonioso; assim passou a rarear na realização do Evangelho no lar,
cruzamento e defumação da casa, preparo e uso do banho de ervas, entre outros.
— Entendo.
— O trabalho realizado por Sílvia não seria
nada difícil de ser desfeito com preces e busca de atendimento no terreiro,
todavia ele também estava descuidado na realização destes dois
procedimentos, não é verdade, meu irmão?
Ao que Lucas respondeu:
— Devo confessar que sim. Eu e Catarina não
tínhamos o costume de cometer qualquer forma de violência, um para com o outro,
então, no dia do acidente, não houve explosão de raiva ou impropérios. Eu
apenas, mas infelizmente, descuidei-me de mim mesmo e estava bastante irritado
na ocasião.
— Entendo
195
— Momentos antes de chegarmos ao semáforo
fatídico, eu aumentei o volume do carro ao máximo e isto, aliado a irritação,
fez com que minha atenção estivesse ainda mais dispersa. O resto da história,
você já sabe.
O irmão Carlos complementou o diálogo,
dizendo:
— O relacionamento entre nosso irmão e
Catarina era deveras equilibrado e baseado no afeto. O entendimento, entre
eles, era tão harmonioso que ambos sentiam como se houvessem sido prometidos,
um ao outro, antes de reencarnarem.
— Que fantástico!
— Sim, companheiro, mas a fatalidade ocorrida
na vida de Lucas precisa servir de alerta para todos os casais.
— Como assim?
— Meu irmão, Lucas, Catarina e Laura
trabalharam bastante e com afinco para conseguirem, do Alto, a oportunidade de
estarem juntos na atual reencarnação e, assim, resgatarem o necessário para
prosseguirem em sua evolução espiritual. O alerta significa dizer que a
harmonia entre cônjuges é essencial para conseguirem evoluir em espírito e
verdade, todavia ninguém deve olvidar que, não só a harmonia, mas a paz, o amor
e todas as virtudes provêm de Deus.
— É verdade, irmão Carlos!
— Assim sendo, o casal tem o dever de manter
uma relação de proximidade com Deus, de modo a que consiga viver em
proteção e harmonia, independentemente de religião.
— Você tem razão, irmão Carlos!
196
— Ocorre que se o casal, por exemplo, for
umbandista, então deverá manter esta proximidade com Deus através de preces,
mas também cuidando do lar com procedimentos que são essenciais aos praticantes
desta religião.
— Você fala da realização do cruzamento da
casa com sal grosso, defumação com ervas e reunião do Evangelho no lar?
— Exatamente, pois tais procedimentos, entre
outros, criam condições vibratórias para que os habitantes do lar percebam e
usufruam da presença de Deus por tempo prolongado. Além disto, também é
importante que recorram ao banho de ervas regularmente, pois o corpo do ser
humano é o templo vivo de Deus.
— Com certeza, mas, irmão Carlos, então o
acidente poderia ter sido evitado?
— Certamente.
— Verdade?
— Decerto que sim! Qual o motivo de seu
espanto?
— Lucas, Catarina e Laura trabalharam, antes
de reencarnarem, para que mãe e filha pudessem desencarnar, simultaneamente,
visando o esgotamento de carmas, não é isto?
— Exatamente.
— Mas como isto seria possível sem o acidente?
— O desencarne de ambas foi programado para
ocorrer no momento do parto.
— Meu Deus! Isto quer dizer que
faltava tão pouco tempo!
197
— Exatamente. Não estava programado este
acidente, nem o nosso irmão Lucas entrar em coma naquele momento.
Lucas retornou ao diálogo dizendo:
— Na verdade, meu irmão, o acidente
ocorrido com minha família foi um somatório de equívocos: meu ego inflado em
aceitar e incentivar flertes com uma colega de trabalho, minha imprevidência em
deixar de praticar procedimentos necessários para a manutenção de um lar
harmonioso e um matrimônio aliançado com Deus através de procedimentos
umbandistas e minha resistência em buscar apoio para trabalhar certos aspectos
de meu comportamento devido a preconceitos em relação à psicoterapia.
Não consegui esboçar nenhuma palavra, em
especial, devido à última informação passada por Lucas. O irmão Carlos, então,
disse:
— Mas como já conversamos, irmão
Lucas, as três questões, pontuadas por você, estão longe de ser uma
exceção a regra.
Ele refletiu brevemente no que diria e
retomou:
— Em um mundo ainda machista e patriarcal,
poucos homens recusariam o flerte com uma bela colega de trabalho, pois é
do senso comum que tal procedimento não seja uma traição, mas sim
algo inofensivo e (que triste) com potencial para esquentar o relacionamento.
Esta é a primeira questão: práticas de cunho machistas. Ele continuou:
— O flerte, sendo o homem casado, nada mais é
do que um antigo mal costume masculino de utilizar-se da figura feminina para
satisfação de seu próprio prazer, sem refletir na responsabilidade do
matrimônio e na importância do convívio respeitoso entre as pessoas, inclusive
no ambiente de trabalho.
198
No que Lucas complementou:
— Espero que minha desdita e suas terríveis
consequências sirvam de alerta para todos aos que esta mensagem alcançar.
O irmão Carlos, então, falou:
— Que assim seja, meu irmão!
E, então, prosseguiu:
— Passemos para a segunda questão. Em um mundo
ainda individualista e onde prepondera o preconceito, não é raro a criatura
humana olvidar a procura por psicoterapia, a fim de cuidar dos
aspectos relacionados a sua saúde mental, por considerar que os profissionais
que atuam na área tenham aptidão para cuidar somente de pessoas com um alto
comprometimento em sua sanidade mental. Tal é a segunda questão: o preconceito
em submeter-se às práticas psicoterápicas.
No que Lucas complementou:
— É verdade, irmão Carlos. Jamais poderia
supor que minha dificuldade em manter o equilíbrio emocional, quando
contrariado, pudesse ser em decorrência de alguma forma de transtorno mental.
Na verdade, faz todo o sentido por que não consigo dar conta, desta limitação,
sozinho e justamente por isto acabo sempre por sofrer intensamente quando magoo
algum ente querido.
Lucas prosseguiu:
— Espero, honestamente, ter a oportunidade de
despertar do coma para buscar o auxílio de um profissional da psicologia.
199
O irmão Carlos, desta forma, interagiu
dizendo:
— Que assim seja, meu irmão! Todavia, a busca
por atendimento psicológico, não deve fazer com que a criatura humana olvide a
importância da prece e da vivência e prática diária dos ensinamentos do mestre
Jesus de modo que, efetivamente, tenha condições de alcançar a
possibilidade de experienciar uma vida em equilíbrio mental e emocional.
E, ainda, completou:
— Na realidade, eu espero, em Deus, que
os nossos irmãos de jornada, cada vez mais, possam refletir sobre aspectos
comportamentais de suas existências e buscar, justamente, tal equilíbrio que os
possibilite viver em paz e harmonia tanto com Deus, quanto consigo mesmos e com
o seu próximo.
— É verdade, irmão Carlos.
— Isto por meio da prece e da prática da
caridade, mas, se necessário, também através de atendimento psicológico, certo,
meu irmão?
Com a pergunta realizada pelo irmão Carlos,
eu, então, disse:
— Com certeza! Ainda que seja capacitado para,
por atendimentos, ter a possibilidade de prevenir e tratar doenças mentais, o
psicólogo também tem atribuição para atender a toda pessoa que esteja em
sofrimento psíquico, em busca de autoconhecimento, entre outros.
Lucas, assim, respondeu:
— Gostaria de ter adquirido esta compreensão
há muito mais tempo, pois hoje em dia entendo que a nossa mente nos prega
peças, já que em muitos momentos eu consigo controlar a explosão de raiva,
quando contrariado, mas em outros, não sei por qual motivo, torna-se
praticamente impossível.
200
Foi então que expliquei:
— Provavelmente tua reação, em tais casos de
incontrolável explosão, pode ser em consequência da associação com um gatilho
emocional do que lhe desperta a contrariedade.
— Ao que o irmão Carlos completou:
— É exatamente isto o que ocorre no caso de
nosso irmão Lucas, pois ele, intimamente, encontra-se emocionalmente aliançado
com um terrível complexo de inferioridade.
Então complementei:
— Possivelmente ao vê-se contrariado em
associação com aspectos mentais que, para ele, evocam ta complexo, ele explode
momentaneamente em raiva.
Lucas, assim, confirmou:
— É exatamente desta forma que meu
comportamento funciona. No dia do acidente, por exemplo, o gerente do meu local
de trabalho chamou-me para uma reunião e, então, disse que eu deveria
estimular, um pouco mais, a equipe de vendas que eu supervisiono, a fim
de que as vendas pudessem aumentar em cerca de dez por cento. Eu tinha
algumas ideias para sugerir, mas nossas condições de trabalho inviabilizariam
sua aplicabilidade, assim calei-me e a conversa foi encerrada com eu dizendo
que pensaria em alguma forma para atender a requisição dele.
201
Ao que eu respondi:
— Entendo, Lucas, Tais questões são realmente complexas.
— Pois é. Aquela fala despertou, logo
pela manhã, a sensação desagradável de inferioridade, mas eu pensei haver
conseguido administrá-la. No início da noite, contudo, enquanto conduzia
Catarina para realização de exames relacionados a gravidez, eu guiava o veículo
em velocidade inapropriada para a via, então minha esposa perguntou porque
minha atenção estava dispersa, por qual motivo eu estava calado e,
aparentemente, descontando o que me atormentava na velocidade que empregava
para levar o carro. Como não respondi a tais perguntas, ela, então, solicitou
que eu ampliasse minha capacidade de diálogo e reduzisse a velocidade, pois eu
seria pai e deveria ensinar para nossa filha a noção de que o afeto e o diálogo
a tudo resolvem.
— Entendo.
— Escutar Catarina dizendo tais palavras, como
você bem explicou, despertou em mim um gatilho emocional que potencializou a
frustração sofrida na manhã daquele dia, em meu local de trabalho. Foi então
que eu me exaltei e acabei dizendo algumas poucas coisas a ela, em tom moderado
é verdade, mas que também a atingissem emocionalmente. Em seguida aumentei o
volume do carro. O que aconteceu, pouquíssimos minutos após, vocês já têm
conhecimento.
O irmão Carlos retomou a conversa, dizendo:
— O irmão Lucas, atualmente, consegue falar
sobre tal assunto sem castigar a si mesmo com um terrível sentimento de culpa.
Graças a Deus!
— De certa forma, sim, irmão Carlos, pois hoje
eu entendo que nada do que eu fiz, inclusive os flertes, foi com a intenção de
prejudicar a quem quer que fosse. Eu errei, sim, mas em especial comigo mesmo.
202
No que disse o irmão Carlos:
— Fico feliz em vê-lo centrado ao analisar
suas próprias ações, Lucas.
— Até que sim, irmão Carlos, mas necessito,
realmente, ter esta oportunidade com Catarina para poder explicar-me e tentar
desculpar-me com ela.
— Nós temos conhecimento sobre este fato, meu
irmão, mas é pela misericórdia divina, aliada a teu merecimento, que você terá,
esta noite, tal oportunidade de reencontro.
— Que assim seja, irmão Carlos! Mas, para
ser sincero, nada pesou tanto em minha consciência do que o desleixo que tive
com a prática dos procedimentos umbandistas em meu benefício, de minha família,
do meu lar e do próximo.
O irmão Carlos, então, disse a mim:
— Gracas ao divino criador que Lucas,
atualmente tem este peso, em muito, atenuado pela compreensão de que o passado
é certo, uma vez que o que foi escrito não tem condições de ser reescrito,
todavia o futuro é uma incerteza, sendo exatamente esta a justificativa
perfeita para utilizarmos o momento atual como uma dádiva divina para que,
trabalhando com Cristo, encontremos condições de obtermos, ao menos, uma
certeza no porvir: a de que colheremos os bons frutos plantados, hoje, com a
semente da caridade.
203
— É verdade, irmão Carlos. Atualmente eu
reconheço o hoje como aquilo que ele realmente é: um presente.
O irmão Carlos, assim explicou:
— Mas sendo, efetivamente, a razão da
narrativa de sua desdita um alerta para todos que puderem conhecer tua
história, então considero pertinente abordar a terceira questão, em sua
história de vida, que lhe ocasionou tantos dissabores.
— Concordo, irmão Carlos!
— Tal questão também está relacionada a
procedimento comum a muitos religiosos, independentemente da fé que professem,
em acreditarem que o simples fato de frequentarem um templo religioso possa
garantir-lhes, no dia-a-dia, a plena comunhão com Deus, sem que busquem fazer
sua parte para a continuidade de tal conexão fora dos templos. Tomemos o
exemplo daqueles que professam a religião de umbanda. Entre alguns de seus
adeptos, por vezes, pode ocorrer das tribulações diárias e afazeres cotidianos
servirem de justificativa para deixarem de cuidar integralmente de seu
lar a fim de que seja um oásis de paz, compreensão, harmonia e onde
também possam fazer morada, o divino mestre Jesus e os espíritos de luz.
No que tanto eu quanto Lucas concordamos
dizendo:
— Isto é verdade, irmão Carlos!
204
Ele, assim, prosseguiu:
— Em consequência disto, não defumam os seus
lares, não desmagnetizam suas casas de energias negativas cruzando-as com água
e sal grosso e não realizam a leitura compartilhada de conteúdos
espiritualmente edificantes por meio do Evangelho no lar.
Lucas, então, disse:
— Era exatamente o que eu passei a não fazer,
irmão Carlos!
— Sim, Lucas, mas o mais agravante,
felizmente, não ocorria em seu lar.
— E o quê seria isto, irmão Carlos?
— O fato de muitas famílias, não só as
umbandistas, praticamente não dialogarem mais entre si, não reservarem algum
momento de seus dias para trocarem experiências diárias, compartilharem
anseios, verbalizarem sonhos e, assim, fortalecer a unicidade familiar.
Foi quando eu disse:
— É triste, mas é verdade, irmão Carlos.
— Triste mesmo, meus irmãos, é ver estes
mesmos filhos de fé chegarem em frente das entidades, nos dias de atendimento,
e dizerem que tem algo errado em seu lar, em sua família, com esposo, com a
esposa, com os filhos, consigo mesmos e por aí vai.
— Complicado, não é, irmão Carlos?
— Complicado, de verdade, meus filhos, é
quando as entidades, em atendimento, respondem explicando que não existe
trabalho feito, nem demanda, mas que eles precisam realizar cultos no lar,
cruzá-lo e defumá-lo.
205
— Por que, irmão Carlos, o que acontece?
— Muitos começam a ponderar que a entidade é
fraca e passam a consultar-se com outras que, naturalmente, acabam por
dizer-lhes as mesmas coisas. E é justamente nesta hora que vários
começam a avaliar que, na verdade, o templo seja fraco e partem para serem
membros de outros terreiros.
Ao que Lucas disse:
— Inacreditável, irmão Carlos!
— Também é difícil acreditar na atitude de
nossos irmãos de fé em escutar as entidades sobre o que é necessário para que o
divino mestre e seus mensageiros de luz possam fazer, de seus lares, um abrigo
e, ainda assim, deixarem o cansaço ou as dificuldades diárias ser um empecilho
para que isto ocorra.
— É verdade, irmão Carlos.
— Entendam, meus irmãos, que não digo isto em
atitude arrogante ou de superioridade, mas sim de saudável admoestação.
— Nós entendemos, irmão Carlos!
— Vocês ficariam muito surpresos se pudessem
constatar o quanto de dores, sofrimentos e mazelas poderiam ser evitadas se
nossos irmãos umbandistas realizassem, regularmente, estes procedimentos, pois
eles são a base segura para um lar crescer em divinas virtudes e ser um foco de
luz com o qual os divinos mensageiros possam contar em sua tarefa para fazer,
deste mundo, um lugar de paz, fraternidade e amor.
206
Foi quando Lucas falou:
— É verdade, irmão Carlos, pois você mesmo
disse que, no meu caso, se tais procedimentos fossem realizados, a magia
negativa realizada para prejudicar-me poderia ser isolada de mim, ou bem
atenuada de modo a ser anulada no terreiro.
— Exatamente, Lucas! É exatamente por isto que
resta-nos manter as nossas preces para que todos aos que esta mensagem
alcançarem possam compreender o tamanho de suas responsabilidades enquanto religiosos,
independentemente da fé que professem, pois poder congregar-se com os
irmãos junto a um templo religioso para clamar, a Deus, proteção e paz para si,
sua família e para o mundo é algo de suma importância, mas não diminui sua
responsabilidade em fazer-se multiplicador das bençãos recebidas e
mantenedor destas junto ao lar e a sua família.
O irmão Carlos continuou:
— Os seres trevosos e seus asseclas também
sabem sobre a evolução dos mundos e entendem que o planeta terra está para
tornar-se um planeta de regeneração, assim querem evitar o seu expurgo natural
para outros orbes através de vários procedimentos, mas o principal
destes é a tentativa de perpetuar sua presença neste mundo causando mal às
famílias e fazendo, destas, multiplicadoras deste mal. Resta a criatura humana
entender tal situação e colocar-se enquanto instrumento de Deus a fim
de que o divino mestre e seus mensageiros de luz possam utilizá-los como
elementos multiplicadores de sua paz.
— Que assim seja, irmão Carlos!
207
Afirmamos, eu e Lucas. Ele, por sua vez,
retomou o diálogo dizendo:
— Resumindo, Lucas, podemos dizer que o
machismo, o preconceito com a psicoterapia e a invigilância religiosa estão
longe de ser raridade entre os seres humanos, então não se sinta incapaz e
inferiorizado, pois a tua humildade e disponibilidade em compartilhar sua
história, com as graças de Deus, fará com que o divino mestre Jesus possa fazer
dela um instrumento para a descontinuidade de tais práticas junto a todos que a
ela alcançar por meio desta mensagem.
— Que assim seja, irmão Carlos! Eu realmente
consigo compreender o quanto estas práticas, ainda que muitas vezes discretas,
estavam retardando o meu processo de evolução espiritual. Agradeço a Deus pela
oportunidade de aprendizado e tenho muita expectativa na oportunidade de
reencontro com Catarina, pois eu necessito conseguir o perdão dela, a fim
de que possa liberar perdão a mim mesmo.
Ouvindo-o dialogar tão francamente, o irmão
Carlos esclareceu a Lucas de que o reencontro estava prestes a ocorrer, mas que
para o bom proveito de todos os envolvidos, deveríamos serenar nossas emoções
por meio da prece e confiar em Deus, porque o procedimento aconteceria em
acordo com os Seus santos desígnios, não necessariamente conforme esperássemos.
— Eu confio em Deus, irmão Carlos, pois ele
sabe o que é melhor para cada um de nós.
A vibração dos sentimentos de Lucas, ao dizer
tais palavras, eram absolutamente transparentes. Ele demonstrava um nível de
confiança poucas vezes observada por mim.
208
XXV - MOMENTO PARA O REVER O MAR:
Observando que apesar da natural ansiedade,
havia uma alta vibração de confiança e serenidade, o irmão Carlos nos
esclareceu de que o local onde Lucas tornaria a encontrar esposa e filha não
seria onde estávamos, além disto reiterou a ele que não conseguiria observar a
nossa presença, para que fosse mantida a privacidade e a discrição em momento
tão particular.
Em seguida, ele solicitou que eu me mantivesse
na realização de preces durante a realização de toda a atividade de modo a
que tudo pudesse ocorrer conforme os desígnios de Deus e planejamento dos
amigos espirituais.
Após observar que eu e Lucas havíamos
compreendido todas as suas orientações, o irmão Carlos realizou uma sentida
prece para que Deus e seus mensageiros pudessem abençoar a todos nós com as
atitudes de paz, equilíbrio, boa vontade e amor, a fim de que o
trabalho evoluísse conforme Seus santos desígnios e também de que fossemos,
somente, leais colaboradores de sua seara.
Em sequência, conduzido pelo irmão Carlos,
partimos, os três, em direção ao orbe terrestre.
Foi ao nos aproximarmos do local que pude
perceber, a certa distância, parecer tratar-se da mesma região litorânea onde
começara toda a atividade em benefício do irmão Lucas.
209
Este, então, disse:
— Meus irmãos, eu conheço este local! É a
mesma praia em que conheci Catarina e a mesma onde nos casamos. Eu amo este
lugar!
O irmão Carlos confirmou:
— Exatamente, Lucas! Não só por ser um ponto
de forcas da natureza, mas também pelo que representa para você e sua esposa,
foi que os amigos do plano maior o designaram para ser o local de seu
reencontro com ela.
— Puxa, irmão Carlos, fico muito grato pela
misericórdia divina e por tamanha consideração!
Ao terminarmos a volitação, pude
confirmar que, aquele local tão precioso para Lucas, também era o mesmo onde
fora inicialmente chamado para trabalhar em favor dele. Aliás, descobri, ainda,
que para a realização daquela tarefa eu encontrava-me em corpo mental, uma vez
que pude constatar, surpreso, o meu corpo astral na mesma posição de quando ali
estivera pela primeira vez, ou seja, sentado em uma cadeira e ladeado
ao corpo astral de Lucas, também na mesma posição.
Talvez observando minha expressão fisionômica
de interrogação foi que o irmão Carlos disse:
— Sei que, no começo, causa certo
estranhamento sentir-se pleno e completo enquanto ser humano para olhar um
pouquinho adiante e ver-se desdobrado, mas em outro nível de consciência.
210
— Foi exatamente o que senti, irmão Carlos.
— A primeira vez que você se juntou a nós, com
o objetivo de acessar memórias akashicas em benefício do irmão Lucas,
foi a única em que foi necessário você estar em corpo mental para sua execução
e por motivos sobre os quais já conversamos anteriormente.
— Sim, irmão Carlos. Lembro-me de você
explicando que o corpo astral de Lucas estava muito comprometido devido ao
estado comatoso e aos efeitos da magia negativa realizada em seu malefício.
— Exatamente. Todas as tarefas subsequentes
foram realizadas em nível de corpo astral.
— Eu entendo, irmão Carlos, mas é que da outra
vez eu tive a consciência no processo realizado em meu corpo astral, de
modo a que pudesse acessar o corpo mental, o que não ocorreu esta noite.
— Entenda este processo como consequência
natural do desenvolvimento do espírito, quando busca observar e praticar o que
a ele é orientado, por determinação divina, através de seus amigos espirituais.
— Parece que você está dizendo que eu estou em
um bom caminho, mas não consigo entender qual o motivo da diferença.
— A diferença, meu irmão, está na prática de
simples, mas fundamental procedimento para realização de um bom trabalho: a
prece.
211
— Irmão Carlos, quando eu estive aqui, da
primeira vez, não tinha o hábito de realizar preces adequadamente antes de
deitar-me para dormir e isto não vem ocorrendo mais. Então esta foi a
diferença?
— Parece pouca coisa, não é meu
irmão? Mas a experiência serve para que jamais te esqueças do poder
de uma prece realizada. Você, esta noite, antes de chegar à colônia espiritual
e estar junto a mim e Lucas, também passou por aqui e pelo mesmo procedimento
executado, da primeira vez em que aqui esteve, para que pudesse acessar o seu
corpo mental. A grande diferença foi a realização de prece, pois ela aclara e
sutiliza a consciência. Não te esqueças nunca, meu irmão, de que o reino dos
céus é dos mais simples.
Senti-me tocado com àquelas palavras tão
generosas e reflexivas que pensei um pouco antes de, assim, dizer:
— Eu concordo totalmente com tudo o que disse,
irmão Carlos. Acredito que meu espanto ao deparar-me com meu corpo astral,
talvez signifique o quanto ainda tenho que aprender sobre os aspectos do
espírito.
— De fato, meu irmão, mas para tentar
minimizar os efeitos desta situação impactante, posso tecer algumas breves
considerações, antes que o companheiro Lucas tenha a oportunidade de vivenciar
o tão aguardado reencontro.
Lucas sorriu com a observação enquanto
respondi ao irmão Carlos dizendo:
— Sou todo ouvidos, irmão Carlos!
212
— O ser humano é constituído por sete níveis
espirituais, ou sete corpos, entre outras definições. O mais material deles é o
corpo físico, já o mais sutil, também conhecido enquanto centelha divina, é o
corpo átmico.
— Estou conseguindo acompanhá-lo.
— Desta forma, meu irmão, evoluir
espiritualmente significa a criatura humana experienciar, desde o corpo físico
até o átmico, a fim de coletar conhecimento que proporcione o
equilíbrio e desenvolvimento das emoções e do intelecto e viabilize sua
transmutação em pura luz.
— Entendo.
— É uma tarefa que não ocorre
instantaneamente, mas a cada experiência que o espírito vai adquirindo em suas
experiências corpóreas. A cada ensinamento experimentado, a consciência vai
evoluindo gradativamente em direção a Deus. Veja o irmão Lucas, por exemplo:
— Ele, com a lição aprendida, acabou por
criar, para si próprio, condições de vivenciar, esta noite, a
nível de corpo astral, a última experiência necessária para que, obtendo
sucesso, recupere o equilíbrio entre razão e emoção e, desta forma e em tempo
certo, desperte em seu corpo físico.
— É verdade, irmão Carlos! Na última tarefa em
que tive oportunidade de participar, na gira do terreiro, eu observei que nosso
irmão., após a sua conclusão, conseguiu obter importante melhora no aspecto
consciencial de seu corpo astral.
— Correto. E desde este dia, até
hoje, em muito o nosso irmão tem mostrado considerável recuperação neste
aspecto.
— Graças a Deus!
213
— Resta-lhe a última etapa desta recuperação,
o reencontro com sua família.
— Entendi, mas eu, irmão Carlos, auxiliarei na
tarefa também em corpo astral?
— Exatamente, meu irmão. Você retomará o corpo
astral antes do irmão Lucas. A partir dai, nós trabalharemos aspectos
vibracionais em tal corpo espiritual a fim de que sua presença
torne-se imperceptível para ele.
— Entendo.
— Em seguida, Lucas despertará para o início
dos trabalhos desta noite.
Ao ouvir o irmão Carlos repassando as diretrizes para a execução do trabalho,
Lucas, então, perguntou a ele:
— Então meu reencontro familiar vai mesmo
acontecer em nível de corpo astral, irmão Carlos?
— É importante que seja assim, companheiro
Lucas, conforme conversamos anteriormente. Tenha fé em Deus e confie, pois
tais são as atitudes ideais a serem desenvolvidas para sua convalescença.
— Que assim seja, irmão Carlos!
Findadas as orientações, o irmão Lucas, assim
como eu, passou a colocar-se em respeitosa atitude de prece.
E foi desta forma, por meio do suporte
bondoso do irmão Carlos, que reassumi meu corpo astral. Ele, então, realizou
alguns procedimentos junto ao irmão Lucas e solicitou que aguardássemos o seu
despertar, o que não tardou a acontecer.
214
Ao descerrar os olhos, Lucas fitou o imenso
mar a sua frente como se o fizesse pela primeira vez. Ele encontrava-se
embevecido e admirado em poder rever aquele local, mas ao perceber que seus
olhos passariam a marejar, ele, então, iniciou a prática de exercício
respiratório.
O irmão Carlos esclareceu:
— Nosso irmão, através deste exercício,
sentir-se-a mais sereno, centrado e sintonizado com os mentores do plano maior.
Intimamente, não sei se por, na época, ser um
estudante de psicologia, eu ponderei que, talvez, aquela não fosse a melhor
hora para que Lucas realizasse o tal exercício, pois ele lutara muito para que tivesse
a oportunidade de chegar aquele momento.
Eu conseguia entender que o reencontro de
Lucas com sua família era a atividade derradeira para ele assumir plenamente a
consciência em seu corpo astral, por meio do equilíbrio de suas emoções,
todavia ser equilibrado emocionalmente não significa reprimir as emoções, mas
sim controlá-las para poderem se manifestar no momento certo e, ao menos para
mim, aquele era justamente o caso.
Então, como conclusão destes pensamentos, eu
fechei os meus olhos e fiz uma prece clamando a Deus, aos mentores de Lucas e a
mamãe Iemanjá para que o abençoassem com a oportunidade de um choro divino,
desanuviador, tranquilizador e equilibrador.
Não sei ao certo por quanto tempo estive em
prece, mas em dado momento senti como se alguém a mim,
dissesse: "está feito!", assim agradeci a Deus pela oportunidade
e abri os olhos.
215
Após brevíssimo instante, Lucas cessou o
exercício respiratório, colocou-se de joelhos na sagrada areia da orla e verteu
um sentido pranto. Ele encontrava-se cabisbaixo, mas toda a vez que olhava para
o mar, parecia que um choro renovado brotava de dentro do seu ser.
Não saberia justificar plenamente o motivo
daquele pranto, mas talvez esteja relacionado a recordações de sua infância,
junto aos pais, naquele ponto de forças da natureza, ou lembranças de seu
primeiro encontro com a esposa e de seu casamento, que também ocorreram
justamente naquele local.
Ainda assim, quaisquer que fossem as
motivações para o vertimento daquelas lágrimas, só o que eu consegui perceber é
que parecia um choro renovador.
Era como se lágrimas de sofrimento, remorsos,
mágoas e decepções, aparentemente, estivessem escoando de seus olhos em direção
ao mar, como que para eliminar energias negativas, ao passo que vibrações de
paz, equilíbrio e amor fluíam do oceano e penetravam em todo o seu ser mental,
transmutando lágrimas de aflição em um pranto de esperança.
O irmão Carlos, então, disse a mim:
— A principal razão para o tocante pranto de
nosso irmão é de gratidão a Deus pela oportunidade de assumir uma vida
desanuviada de arrependimentos, após um longo processo de resgate através dos
séculos, e também por, a partir deste instante, estar apto a assumir,
plenamente e após cinco anos, os aspectos cognitivos e afetivos de seu corpo
astral e, desta forma, ter a oportunidade de visualizar e interagir com o local
da natureza onde ele mais se sente próximo de Deus, o qual é justamente aquele
onde agora se encontra.
216
Ao pronunciar aquelas palavras, pude perceber
no timbre de voz e na fisionomia do irmão Carlos a expressão de um sentimento
possível de ser esboçado somente por aqueles que alcançam sucesso em alguma
etapa da difícil, mas nobre tarefa de orientação espiritual a seu pupilo, ou
seja, os mentores espirituais. Possivelmente um sentimento de júbilo em ver o
aprendiz sendo aprovado nas lições da vida e, assim, alcançando condições de
acessar novas etapas de aprendizado, em busca da evolução espiritual.
Mas com o brilho de uma lágrima parecendo
cintilar em seu olhar, ele apenas disse:
— Oremos por nosso irmão!
Realizamos uma prece e, após certo tempo,
Lucas tornou a sentar-se na cadeira, fechou os olhos e retomou a prática do
exercício respiratório.
Sentindo-se mais sereno, ele olhou de lado a outro, fitou o oceano e então
levantou-se em direção a beira do mar. Foi justamente quando observei que
ele, realmente, não conseguia notar a nossa presença.
O irmão Carlos, então, aduziu:
— Nosso irmão não pode nos ver, mas sabe
estar sendo amparado pela misericórdia divina. Não devemos interferir em seu
livre-arbítrio, mas sim orar e emanar vibrações positivas para que, praticando
tudo o que aprendeu, consiga completar a tarefa da noite com êxito.
— Eu entendo.
217
XXVI - MOMENTO PARA O REENCONTRO:
Lucas continuava a olhar de forma esperançosa
para o mar, talvez como se, em passe de mágica, Catarina pudesse emergir das
águas.
Após algum tempo, ele decidiu subir nas pedras, quem sabe como uma maneira de
recordar o local e o momento onde conhecera a esposa.
Já sentado, mas imerso em suas lembranças, ele
mal notou quando uma moça perguntou-lhe:
— Posso juntar-me a você?
O irmão Carlos esclareceu:
— Esta é Catarina.
Lucas, despertando de seus pensamentos, a ela
respondeu:
— Com certeza, sente-se por favor!
Desculpe a distração.
Ela então sentou-se na formação rochosa, mas
Lucas parecia não reconhecê-la.
O irmão Carlos esclareceu:
— Ela encontra-se com a aparência que
apresentava antes de reencarnar como Catarina.
Não entendi o motivo para tal situação,
mas atalhando possíveis inquéritos de minha parte, ele apenas
recomendou:
— Permaneçamos em prece por nosso irmão.
218
Compreendi a singela admoestação e, entendendo
que a disciplina antecede a espontaneidade, apenas respondi:
— Que assim seja, irmão Carlos!
Percebi que ela retomava o diálogo com Lucas,
dizendo:
— Sabe, há alguns anos conheci uma
pessoa incrível aqui, neste mesmo local.
— Verdade? Que inusitado!
— Por que inusitado?
— Porque eu também conheci um ser humano
formidável aqui, já há alguns anos.
Ela complementou:
— Que coincidência, não é mesmo?
Lucas apenas respondeu:
— Total!
Após refletir brevemente, ele disse:
— Inclusive, e por favor, não pense ser
uma possível cantada, tem algo em você que traz uma forte lembrança dela.
219
— Verdade?
— Sim! Eu só não saberia dizer o motivo. Mesmo
entendendo que as pessoas diferem, eu poderia garantir que tua energia pessoal
é idêntica à dela.
— Bondade sua. Talvez seja o fato de
estarmos neste local tão abençoado e importante para nós.
— Talvez você esteja certa.
Ela, assim, continuou:
— Eu sempre gostei muito de vir aqui
para recordar momentos bons e ouvir a voz do vento.
Lucas surpreendeu-se com mais aquela
coincidência e o sentimento de que a conhecia de algum local tornou-se ainda
mais forte, todavia ela prosseguiu a conversar:
— Contudo, ouvir a pessoa a quem conheci
aqui era tão agradável quanto dialogar com o vento.
Lucas sentiu o coração bater de forma
mais acelerada e tornou a suspeitar de algo, mas respirou profundamente
antes de dizer:
— Esta é mais uma coincidência entre
nós, sabia?
220
Ela, propositadamente, não respondeu aquela
constatação em forma de pergunta e retomou o diálogo dizendo:
— Foi com esta pessoa que consegui ouvir
o vento dizendo que devo seguir, tornando presente, e em equilíbrio,
recordações felizes do passado e aquecendo, no coração, o fogo do
amor construído na relação com àqueles que partiram antes de nós.
Ao escutá-la repetir as mesmas palavras que
dissera a Catarina em seu primeiro encontro, Lucas abandonou os receios e
apenas perguntou:
— Catarina?
— Sim, Lucas, sou eu!
Ele, então, não disse mais nada, somente a
enlaçou em um profundo, terno e longo abraço.
Nos olhos do casal transbordava toda a emoção
que lhes ia n'alma. Ali, naquele momento, parecia não existir mais o homem
preso a um passado de remorso e que tanto lutara para dele se libertar e sair
da condição de ser somente um aprendiz do amor na força do tempo.
Estar ali, permutando afeto junto ao ser
amado, apenas reforçava sua determinação em continuar na prática de novo
aprendizado: o de ser um aprendiz no exercício de utilizar o tempo na força do
amor, somente para amar.
Passado algum tempo, Lucas disse a ela:
— Você está diferente!
— Estou com a aparência que apresentava
antes de reencarnarmos, mas minha essência é a mesma.
221
— Graças a Deus, por isto! E eu
bem que pude senti-la!
Catarina continuou o diálogo:
— Lucas, entendo que você tem certas
coisas a falar para mim e que muito se esforçou para conseguir a oportunidade
de fazê-lo, mas se for possível, gostaria que, antes, você escutasse algumas
palavras que tenho a dizer.
— Certamente, Catarina, eu ainda continuo
sendo um cavalheiro: as damas primeiro!
Ela sorriu com o comentário e, em seguida,
disse:
— Lucas, não pense que tenha sido fácil
a espiritualidade amiga conseguir encontrar uma pessoa com as características
necessárias para a execução de minha tarefa em desencarnar durante o parto.
Ela ponderou um pouco antes de, então,
continuar:
— Haveria de ser uma pessoa forte, de
bom coração, amiga e caridosa. Esta pessoa, Lucas, é você!
— Talvez você até não se recorde, mas eu
sei muito bem a força que você tem.
— Catarina respirou profundamente e
prosseguiu:
— Desencarnei um mês antes do período
traçado por nossos amigos do plano maior? Com certeza, todavia, isto em nada
prejudicou o plano traçado por eles, muito pelo contrário! Então, meu bem, não
se culpe, pois a vida continua.
222
— Eu entendo, Catarina, mas é difícil
prosseguir em minha tarefa reencarnatória sem você!
— E eu, lucas, como vou conseguir
executar minha tarefa sem você?
— Tarefa?
— Sim, Lucas! Em meu plano evolutivo
encontra-se a tarefa de auxiliá-lo, no que me for possível, a encontrar
condições para a felicidade, você não se lembra?
— Desculpe, mas não me
recordo. E Laura, onde está?
— Está lá na orla, vê?
Ela estendeu o indicador da destra na direção
desejada e Lucas, assim, respondeu:
— Sim, eu a vejo! Mas, por que
ela não está aqui conosco?
— Porque este aqui é e sempre será o
nosso local.
Lucas emocionou-se com aquelas palavras
dotadas de intenso afeto e, novamente, abraçou-a.
Catarina, então, levantou-se e, estendo a ele
as mãos, disse:
— Vamos até la!
— Sim, com certeza! Mas fale mais um
pouco sobre esta sua tarefa!
— Falaremos lá, pois Laura também faz
parte dela.
— Verdade?
— Certamente!
— Então vamos!
223
XXVII - MOMENTO PARA MAIS UM
REENCONTRO:
O casal, assim, caminhou até onde estava
Laura.
Ela era uma adolescente com a aparência de
quem possui cerca de dezesseis anos. Tinha estatura média, cabelos de um lindo
louro encaracolado, aparência serena e grandes olhos em sutil tom esverdeado.
Ela estava ansiosa com o encontro, que não
tardou a acontecer, mediante a aproximação do casal.
Ao vê-la, tão próxima a si, Lucas, com a voz
embargada pela emoção, pediu:
— Antes de qualquer outra coisa, você me
permitiria um abraço?
No que ela, tão emocionada quanto, mas
descontraidamente, respondeu:
— Mas, só um?
Ele sorriu com a brincadeira e, assim, a
envolveu em um abraço acolhedor.
Após algum tempo, disse-lhe:
— Você é linda, minha filha! Então seria esta
a aparência que você desenvolveria se estivesse encarnada?
— Fico grata pelo elogio, pai, mas não. Esta e
a aparência com a qual mais tenho afinidade, aquela de quando nos conhecemos
antes de reencarnarmos, você não se lembra?
224
— Não devo negar que seus traços me são muito
peculiares.
— Mas pai, ainda que tivesse outra aparência,
se encarnada estivesse, um fato não mudaria nunca e é justamente sobre isto que
preciso falar com você.
— Então diga, minha filha, pois sou todo
ouvidos!
— O amor, meu pai! O amor não tem face, então,
independente do rosto que desenvolvesse, se encarnada estivesse, a essência do
meu amor por você não mudaria nunca.
— Eu também posso dizer o mesmo, com certeza!
— Que bom, pai! Este é o motivo principal para
mim, você e a mamãe estarmos aqui reunidos, esta noite.
— Verdade?
Catarina tornou ao diálogo dizendo:
— Certamente, Lucas! Você lembra quando há
pouco lhe disse que você é peça principal para a execução de minha tarefa?
— Claro que sim! Você disse ser uma tarefa
para auxiliar-me a encontrar a felicidade, não é isto?
— Isto!
Ele, assim, disse:
225
— Só não sei como isso será possível sem
vocês.
Laura, então, falou:
— Mas pai, você não se recorda do que acabei
de lhe dizer sobre o fato do amor não possuir face?
— Sim, minha filha.
— Pois saiba que a felicidade é irmã do amor e
também não possui aparência definida.
Catarina voltou a participar da conversa,
dizendo:
— Nós duas aqui estamos para,
através da misericórdia de Deus, do poder do diálogo e da força de nosso amor,
auxiliá-lo a vencer seu temor em retornar ao corpo físico, despertando do coma.
Percebi que aquele núcleo familiar passaria a
abordar questões muito delicadas, em especial, para o nosso irmão Lucas, então
redobrei o meu estado de prece.
Enquanto isso, Lucas, cabisbaixo, parecia
refletir intensamente sobre o que era dito a ele por aquelas mulheres
incríveis.
Catarina tornou ao diálogo dizendo:
— Lucas?
Ele, então, deixou o estado introspectivo em
que se encontrava e falou:
226
— Desculpe-me, Catarina, estava pensando no
que vocês acabaram de dizer para mim.
— E chegou a alguma conclusão?
— A de que vocês têm razão, mas o que eu vou
fazer se, para mim, a felicidade tem o seu rosto?
— Permanecer em preces e pedir a Deus que
possa abençoá-lo e retirá-lo do estado de ilusão.
— Ilusão? Mas você não é ilusão, meu
amor por você não é ilusão!
— Mas você, enquanto ser humano, foi criado
para ser feliz e suas recordações a meu respeito têm trazido mais tristezas do
que alegrias.
— Não sei se posso concordar com você,
Catarina, pois estas lembranças trazem muita felicidade.
— Felicidade? Lucas, meu bem, a felicidade é
força divina que nos impulsiona adiante, então que felicidade é esta que o
paralisa a retomar o corpo físico?
Devo confessar que a lógica argumentativa de
Catarina era formidável e fazia-me refletir sobre vários aspectos de minha
própria vida.
Percebi que Lucas pensava em contra-argumentar, mas a lucidez daquelas ideias
era tão latente que só conseguiu respondê-la:
— Devo confessar que você tem razão, mas
preciso reafirmar que o meu amor não é ilusão!
— Jamais diria isto a seu respeito meu amor,
todavia preciso esclarecer ser ilusório sim, acreditar que a tua felicidade
tenha o meu rosto, o de Laura ou o de quem quer que seja, pois como foi dito a
felicidade não tem rosto.
227
— Como assim? Não consigo compreender
totalmente o que você me diz!
— Entao rogue a Deus que o faça entender, no
tempo Dele, cada parte daquilo sobre o qual estamos conversando.
Desta vez foi Laura quem disse ao pai:
— O que estamos tentando dizer, pai, é que
presentes divinos tais quais amor e felicidade são impessoais. São, antes,
dádivas que o divino criador nos oportuniza de modo a que tenhamos
condições de seguir adiante em nossa jornada evolutiva enquanto espíritos
imortais.
Catarina complementou:
— São graças divinas para conseguirmos, por
vivências e experiências, vencer as provas da vida e ser aprovados nos testes
criteriosos a qual somos submetidos pelo tribunal de nossas próprias
consciências.
Lucas, então, conseguiu dizer:
— Mas que motivação teria eu para despertar,
se não posso contar com a felicidade de estar junto a vocês?
— A motivação para ser humilde e entender que
a felicidade não é um fim, mas um meio. A felicidade não está na pressa para
vencer a si mesmo, mas na jornada que conduz a este propósito.
228
Laura juntou-se à fala de Catarina, dizendo:
— É verdade, pai! Você não deve ter pressa
para, ao despertar do coma, vencer a si mesmo, ou seja, tudo aquilo que te traz
dor, mas sim em apegar-se com Deus a fim de que Ele o faça um aprendiz
do tempo na força do amor, ou seja, para que você utilize todos os momentos
diários de sua jornada como ferramentas para a prática do amor:
o amor a Deus, a si próprio e ao próximo, através da caridade.
Catarina aduziu:
— Exatamente, querido. Enquanto vivenciamos e
praticamos estes gestos de amor, acabamos por nem mesmo sentir o tempo passar e
este é um dos grandes mistérios que se abrem para àqueles com humildade
suficiente para se tornarem um seu aprendiz: ele altera a nossa percepção sobre
o tempo.
— É isto, pai! Acorde do coma,
mas também desperte para a vida! Busque ser um assíduo praticante da
caridade e serás um aprendiz do tempo na força do amor.
Catarina somou-se à fala da filha, dizendo:
— Exatamente, lucas! Será agindo desta forma
que, junto a seus mentores, teremos condição de auxiliá-lo a alcançar aquilo a
que nós três nos propusemos antes de reencarnarmos: auxiliá-lo na formação de
uma família.
— Não me recordo a respeito disto.
Laura, assim, respondeu:
230
— Por isto estamos aqui, pai! Para poder
recordar do quanto que você é luz!
Catarina complementou:
— Eu e Laura, Lucas, necessitávamos passar
pela experiência do desencarne que, para muitos, é considerado precoce. Nós
duas somos espíritos que nos conhecemos de longuíssima data, ao contrário de
você, que nos conheceu apenas na encarnação atual.
— Isto é verdade.
Ela prosseguiu:
— Você não conseguiria imaginar o quão difícil
foi para os nossos mentores encontrarem alguém que se adequasse ao nosso
plano reencarnatorio.
— Realmente não sabia disto.
Com toda a espontaneidade e vivacidade, Laura
pediu a fala e, então, disse:
— Pai, ainda que soe clichê, não há como não
dizer que, para mim, você é o nosso herói!
A naturalidade e o sentimento presentes
naquelas palavras eram tão genuínas que acabou por emocionar profundamente a
Lucas, ainda assim, com jovial autenticidade, ela prosseguiu em seu diálogo:
— Pai, você bem sabe que, em sua atual
encarnação, comprometeu-se a alcançar paz na consciência no que diz respeito a
seu relacionamento com Levy, não é isto?
231
— Sim, filha.
— Então, o que você não sabe é o quanto se
predispôs, antes de reencarnar, a trabalhar incansavelmente, em prol da
caridade, para conseguir alcançar mérito suficiente que o credenciasse a ser
parte de nossa composição familiar quando encarnasse.
— Sério?
— Com certeza, pai! Você fez este gesto
altruísta por nós, para nos dar a oportunidade de aproveitarmos o nosso
reencarne com o intuito de quitarmos os nossos débitos.
Catarina complementou:
— Você se sensibilizou e simpatizou-se com a
história de nossa jornada evolutiva, assim, quando soube desta dificuldade,
candidatou-se para colaborar em parte de nossa trajetória na carne.
Lucas estava positivamente surpreso com aquela
revelação e, por mais incrível que possa parecer, ainda mais surpreso consigo
mesmo.
Observando tal situação, Catarina, então,
disse-lhe:
— Não se surpreenda tanto a respeito de si
próprio, querido. Tudo o que lhe contamos foi com a permissão de seus mentores
espirituais e com a finalidade de que você possa compreender o tanto de
bondade, empatia, generosidade e afeto que existem dentro de você.
232
Ele estava visivelmente
emocionado com as palavras que escutava.
Catarina prosseguiu a conversar, falando:
— Nós esperamos que, no exercício desta tua
generosidade, você encontre condições de nos dar a oportunidade de, conforme
programado antes do reencarne, retribuir tua boa vontade no auxílio para que,
pela prática da caridade, vença tuas provas e consiga concluir as tarefas a
você destinadas em seu processo reencarnatorio.
— Vocês fariam isto por mim?
— Sim, não somente por que seja nossa tarefa,
mas especialmente por que você nos cativou.
— Mas como seria isto?
— Pelo caminho da fé e da generosidade, ou
seja, crendo em Deus, em você mesmo e exercitando a fé por meio da caridade,
pois sem ela, não há salvação.
Laura complementou a fala de Catarina,
dizendo:
— Você, pai, auxiliou, de todas as formas
possíveis, a formar a nossa família. Só o que pedimos é que nos conceda a
oportunidade de nos empenharmos para que você construa a sua.
— Outra família? Mas eu não quero
esquecer vocês!
Laura então o respondeu:
233
— E eu acho mesmo bom que não se esqueça de
nós, não é mesmo, mãe?
Ela sinalizou uma breve piscadela para
Catarina, tal qual uma criança preparando-se para mais uma travessura.
Catarina percebeu a intenção de Laura em
manter a harmonização do ambiente e, então, aduziu:
— Exatamente, querido, ou então nós o
assombraremos para o resto da vida.
— Isto mesmo, mãe! Puxaremos a coberta por
sobre os pés dele todas as noites, a fim de ajudá-lo a lembrar-se de
nós.
Os três sorriram genuinamente com a
brincadeira das duas.
Após curto tempo, Lucas, então, disse a elas:
Antes de reassumir tão importante compromisso,
eu preciso pedir perdão, a vocês, pelo desencarne fora do programado.
— Pai, você percebe que está pedindo desculpas
para si mesmo? Ou alguma atitude minha, ou da mamãe deu a impressão de que
estaríamos magoadas com você?
Catarina complementou a fala de Laura,
dizendo:
— Lucas, você, com Deus, precisa aprender a
ter mais compaixão consigo mesmo!
234
— Como assim?
— Nós duas desencarnamos há cinco
anos, mas a prática da caridade, o estudo sobre as coisas do espírito, a busca
do autoconhecimento e a prática do perdão faz parecer que este fato ocorreu há
cinquenta anos.
— É pai, não são só palavras: a prática do bem
a si mesmo e ao próximo acaba por verdadeiramente nos condicionar a vivenciar o
tempo na força do amor.
Ao notar que o sentimento vibrado por suas
palavras provocava em Lucas o almejado efeito de reflexão, então Catarina, após
certo tempo, completou sua fala dizendo:
— O que estamos tentando explicar, Lucas, é
que para aquele que vivencia o tempo na força do amor, e isto em
todas as dimensões que o constituem, inclusive o perdão, acaba por sentir-se
liberto dos grilhões que o aprisionam ao sofrimento.
— Pai, sabemos que o fato de estarmos libertas
do corpo físico facilita, em muito, experienciar e viver a utilização da
dimensão temporal para o amor, mas não deixe que isto o desmotive a, pelo
menos, tentar, pois, a recompensa é dadivosa: ter a possibilidade diária de
encontrar-se com a felicidade.
Catarina complementou:
— É por isto, Lucas, que dizemos não haver o
que lhe perdoar, mas só o que lhe agradecer.
235
— Isto pai! Quando utilizamos o tempo para o
amor, não há espaço para remorso e sofrimento. Ao nos libertarmos do tempo da
dor, naturalmente nos abrimos para uma nova perspectiva de temporalidade: o
tempo da amorosidade!
Lucas refletiu por certo tempo e, após, disse:
— Conseguir viver assim é ser feliz, não é
mesmo? Acredito que começo a perceber quando vocês dizem que a felicidade não
tem rosto!
— Isto mesmo, pai! A felicidade, se fizermos
por onde, não será encontrada ao final de uma jornada, mas em cada etapa da
viagem.
— Cada dia é preciosa oportunidade de encontro
diário com a felicidade.
— Creio que agora estou entendendo: devo
almejar ser um incansável praticante da caridade, pois tal ação irá
habilitar-me a ser um aprendiz do tempo na força do amor.
— Exatamente, pai!
— Tornando-me um aprendiz, conseguirei ter a
possibilidade de convivência diária com a felicidade.
— Isto!
— Agindo desta forma, eu teria a oportunidade
de fazer vocês felizes.
— Sim, querido, mas você não deve tomar
qualquer atitude com o intuito de nos trazer alegria, pois é justamente o
oposto: vê-lo buscar alcançar a tua felicidade é o que, naturalmente, nos daria
imensa alegria.
236
Laura completou:
— Exatamente, pai! Ver você buscando a sua
felicidade nos traria incomensurável alegria e por todos os motivos possíveis,
mas especialmente porque tal atitude é que nos permitiria, junto a seus
mentores, auxiliá-lo a edificar a tua família.
— Meninas, eu preciso confessar algo a vocês.
Ambas disseram, em uníssono:
— Diga!
— No início de nosso diálogo eu cheguei até
mesmo a ficar entristecido quando vocês disseram que me auxiliariam a formar
uma nova família, sabiam?
Laura respondeu:
— Sabíamos, sim, pai! Você ficou triste por
pensar que nós ainda estávamos chateadas com você e, desta forma, queríamos nos
livrar da tua presença, empurrando você para uma nova família.
Lucas encabulou-se com a espontaneidade e
perspicácia da filha, mas confessou:
— Foi por este motivo mesmo.
Laura continuou:
— E, se bem lhe conheço, agora você está muito
feliz justamente na esperança de constituir esta nova família, todavia está
contendo a manifestação deste sentimento por medo de que nós desenvolvamos
aquilo que você sentiu: o sentimento de estarmos sendo rejeitadas.
237
— Meu Deus, minha filha! Quanta sabedoria! É
isto mesmo!
— Pai, pai, pai nós já dissemos a
você, mas é importante repetir: a felicidade é impessoal. A felicidade não está
personificada em alguém ou em coisas, mas nos momentos, nos instantes em que
pudermos verificar o fruto do nosso esforço e constatar que, por meio da caridade,
pudemos contribuir com a alegria do próximo.
Catarina completou:
— É exatamente assim, Lucas, desta forma nós
não podemos levar a felicidade até você, visto que ela não é uma coisa, ou um
fim por si mesma, mas podemos, se você permitir fazendo o que lhe
couber, tentar conduzi-lo a momentos que conduzam à felicidade.
Laura continuou:
— Isto, pai! Levar as pessoas a vivenciarem
estes momentos é o que nos torna,verdadeiramente, felizes. Não é só
fazer preces e esperar que o outro seja feliz, mas sim conduzi-lo, com Cristo,
até estes momentos.
— E é por isto pai que não haveria a
menor possibilidade de nos entristecemos com sua ventura.
Lucas, então, disse:
— Observo que o raciocínio por trás
destes argumentos denota uma prática que é possível a todos, mas que
só pode ser vivenciada por aqueles que vivenciam diariamente a prática da
caridade. É um aprendizado, mas quero ser um aprendiz do Cristo, pois foi ele
que, como nenhum outro, doou tudo de si, em momentos diários de caridade, para
que todos pudessem encontrar a felicidade.
238
Ele continuou a dizer:
— Tudo sobre o que conversamos nesta
noite trouxe uma paz formidável para a construção do meu equilíbrio mental e
emocional. Sinto-me mais confiante, pois apesar de saber que quase tudo sobre o
que conversamos não terá condição de ser recordado por mim quando reassumir o
corpo físico, ainda assim tenho fé que Deus nunca me desamparará.
No que Laura, emocionada, o abraçou e disse:
— Nem nós, pai, nem nós!
Catarina juntou-se aquele abraço fraterno e os
três, unidos em esperança e amor, partiram volitando tal qual um raio de luz.
239
XXVIII - MOMENTO PARA DESCOBERTAS E
AUTOCONHECIMENTO:
O irmão Carlos, então, disse:
— Todos eles foram para colônia espiritual.
Eu, por minha vez, somente respondi:
— Então é isto, irmão Carlos? O nosso irmão
Lucas, graças a Deus e enfim, conseguirá despertar do coma?
— Ele terá condições para tanto, mas o tempo
certo de todas as coisas pertence a Deus desde o acordar de uma dor até o
despertar de uma flor.
— Nossa, então ainda vai levar mais algum
tempo para que isto possa ocorrer?
— Naturalmente, meu irmão, como já conversamos
anteriormente, lembra-se?
— Sim, é verdade.
— Ainda faltam alguns pequenos ajustes nos
centros de força e em certas áreas do cérebro para que o despertar de nosso
irmão ocorra com a eficiência desejada.
— Sabe, irmão Carlos, sinto-me muito grato por
haver participado e contribuído, ainda que minimamente, com o processo de
recuperação do nosso irmão Lucas, todavia, por incrível que possa parecer,
tenho a impressão que eu fui o maior beneficiado, pois me sinto
confortavelmente mais leve. Parece até que fui eu o abençoado em receber ajuda
divina.
— Esta, meu irmão, é a leveza passível de ser
sentida apenas por aqueles que fazem o bem e que traduz fielmente a máxima de
que "é dando que se recebe".
240
— Puxa, irmão Carlos, nem sei se sou merecedor
de tamanha ventura.
— Mas é claro que sim, meu irmão, pois do
contrário você não a estaria sentindo! Esta sensação de leveza tem uma razão de
ser.
— Mas, qual seria ela?
— É que ao longo deste processo você foi
realmente beneficiado pela misericórdia divina.
— Puxa, como Deus é bom! Mas este
auxílio divino foi em qual sentido, irmão Carlos?
— No sentido do alívio em certo aspecto de seu
sofrimento psíquico.
— Você poderia esclarecer tal assunto?
— Vejamos: diga-me o que sentiu ao acessar as
memórias akáshicas e, assim, reviver o modo como aconteceu o óbito de
Lilian e Eloah?
— Então, irmão Carlos, mesmo sem saber que era
eu a reencarnação de Levi, senti uma tristeza profunda, daquelas que produzem
um vazio decorrente de uma falta sobre a qual não se consegue explicar a causa.
— Compreendo.
— Todavia, irmão Carlos, eu inicialmente
pensei que este fato poderia ser explicado por questões relacionadas a empatia.
Ele, então, respondeu:
— Sabe aquela melancolia profunda e renitente
a qual tantas vezes você é inexplicavelmente acometido?
241
— Sim, irmão Carlos! É um sentimento de
profundo pesar, de uma falta sobre a qual nunca consegui esclarecimento.
— Exatamente, então, meu irmão, graças a
misericórdia divina, a partir de hoje, ela deixará de existir.
— Suponho que entendi. Esta falta era
decorrente do luto sentido por Lilian e Eloah, não é isto?
— Teu raciocínio está correto.
— Mas, irmão Carlos, após o tempo vivido em minha
atual encarnação, por que justamente agora foi que Deus e os mensageiros de luz
consideraram abençoar-me com este lenitivo?
— Os motivos são variados e não tão simples de
explicar, todavia posso esclarecer sobre o principal deles: sua mãe.
— Minha mãe? Como assim?
— Foi ela,
enquanto mãezinha dedicada e atenta com as coisas do espírito, a
primeira a perceber que aquela melancolia não poderia ser explicada enquanto
processo resultante de uma única encarnação.
— Meu Deus, como assim!
— Reconhecendo sua limitação, ela passou a
rogar por você, a Deus, de modo a que Ele, que sabe e pode todas as
coisas, pudesse abençoá-lo com uma cura.
— Meu pai, eu nunca soube disto. Ela nunca me
falou!
— Ela praticou o ensinamento do
Cristo: "não sabei sua mão direita, o que faz a esquerda".
242
— Entendo.
— Ela, enquanto mãe, compreendeu que nada
poderia fazer, a não ser preces ao divino criador, rogando por sua cura. Ela
vem realizando estas preces há anos e tal ação, aliada a teu
merecimento e a outros fatores sobre os quais não tenho permissão para
discorrer, facultaram-no a receber prova da misericórdia divina por meio da
cura.
— Resumindo, irmão Carlos, você está dizendo
que esta melancolia é fruto de uma encarnação remota, de quando eu era Levi?
— Exatamente.
— Nossa, isso é surpreendente!
O irmão Carlos refletiu um pouco antes de
responder-me e, então, disse:
— Não se surpreenda tanto, meu irmão, pois
considerável parte dos problemas emocionais e psíquicos que nossos irmãos
encarnados possuem são consequências de perturbações traumáticas ou
demasiadamente intensas que foram por eles vivenciadas em encarnações passadas
e que os marcaram, extremamente, em seu inconsciente.
— Mas, irmão Carlos, o inconsciente estudado
nas escolas da psicologia não abrange conceitos como reencarnação e vidas
passadas.
— Concordo com você, meu irmão, mas tudo tem o
seu tempo.
— Não sei se consegui compreender tua
observação, irmão Carlos.
— Realmente não é tão simples, mas tentarei
explicar. Veja bem, até hoje os cientistas vivem em embates tentando
circunscrever a existência da mente, da alma ao aspecto cerebral. Na
realidade, a ciência ainda nem chegou, ao certo, a uma conclusão sobre a parte
cerebral onde reside a consciência, imagine no que diz respeito aos complexos
processos inconscientes relacionados às vidas passadas.
243
— É verdade.
— Mas chegará o tempo em que será projetada a
luz nestes aspectos sobre os quais estamos conversando.
— Muito tempo?
— O tempo necessário para que este planeta
seja habitado por pessoas com índole mais voltada para a prática do bem, do que
o mal. Com o equilíbrio mental e emocional alicerçado na vivência moral dos
preceitos preconizados pelo divino mestre Jesus.
— Nossa, irmão Carlos, mas por que seria
necessário o cumprimento de tais exigências para o avanço dos estudos sobre o
psiquismo e a alma humana?
— Porque em vosso mundo encontram-se
registradas as consequências funestas da utilização e manipulação de princípios
psíquicos na intenção de prejudicar um seu semelhante.
— Como assim?
— Você tem algum conhecimento sobre a
Atlântida?
— Sim. Nada muito aprofundado, mas já li uma
coisa ou outra.
— Pois saiba que não se trata de uma lenda e
que o povo atlante atingiu o ápice do entendimento em vários aspectos do
conhecimento humano, todavia, com o passar do tempo, o aspecto moral de muitos
daqueles que conduziam a evolução do povo foi comprometido por atitudes
egoísticas, arrogantes e afrontantes ao excelso amor do divino criador.
244
— Verdade?
— Com certeza! Nenhuma criatura sobre a face
da terra estudou e entendeu sobre os aspectos psíquicos como este povo.
Todavia, eles profanaram esta potencialidade divina e, em busca do poder,
trouxeram imenso sofrimento a seus habitantes.
— Eu já tive a oportunidade de ler a respeito
do que você está dizendo.
— Sim, mas muita informação encontra-se e deve
permanecer desconhecida.
— Você teria algum exemplo, irmão Carlos?
— Certamente que sim, pois muito dos avanços
tecnológicos obtidos por esta civilização, até hoje, ainda não foram alcançados
por vocês. Por exemplo, a utilização de cristais para a geração de energia a
ser utilizada de diferentes formas.
— Inacreditável!
— Aliás, estes elementos, associados a
utilização de certas faculdades psíquicas, conseguiam realizar coisas que,
atualmente, vocês diriam apenas tratar-se de ficção científica.
— Que fantástico, irmão Carlos!
— Sim, meu irmão, mas a utilização
desequilibrada e exacerbada destes elementos comprometeu o campo
eletromagnético do local onde se encontrava estabelecida esta civilização,
provocando um terrível cataclismo que o submergiu.
245
— Muito triste, irmão Carlos!
— A energia dos cristais catalisava a
realização de procedimentos psíquicos, mas ainda que, atualmente, a civilização
humana pouquíssimo saiba utilizar-se de tais procedimentos, apenas com o pouco
conhecimento que possui, muito prejuízo traz, intencionalmente, ao seu irmão de
jornada.
— É verdade, irmão Carlos.
— Se com o parco entendimento que atualmente
tem sobre a utilização de forças psíquicas e manipulação de energia cristalina,
tanto mal a criatura humana tem praticado contra o próximo, imagine se este
nível de conhecimento fosse mais amplo, ou irrestrito.
— Irmão Carlos, pelo que pude entender, desde
quando se iniciou esta minha tarefa, se este conhecimento fosse maior, a
energia psíquica poderia ser utilizada como uma arma para dominar e subjugar,
ao invés de uma força divina para ajudar ao próximo.
— Exatamente, meu irmão, tal qual a humanidade
fez com o fogo.
— Sabe, irmão Carlos, estava aqui pensando que
a espiritualidade do plano maior tem razão, pois se com o uso de nosso
psiquismo, atualmente em desenvolvimento, aliados a projeções vibratórias de
ódio, inveja e luxúria, temos potencial enorme para prejudicar o próximo,
imagine com estas descobertas!
— Vejo que realmente entendeu o meu exemplo.
— Perfeitamente, irmão Carlos, assim como
também pude compreender que a melancolia que me adoecia, em certos aspectos
mentais, era fruto da falta, do pesar em ter perdido, ainda tão jovem,
enquanto Levi, a companhia de Lilian e Eloah.
246
— Na realidade, meu irmão, seu estado
melancólico era potencializado por tal situação.
— Então a melancolia vai persisirir?
— Será atenuada em cerca de oitenta por
cento.
— Puxa, graças a Deus; mas, irmão
Carlos, por que não cem por cento?
— Porque estes vinte por cento precisam
ser trabalhados para que você os supere e encontre condições de evoluir
espiritualmente.
— Faz parte do meu resgate carmico,
não é isso, irmão Carlos?
— Exatamente. Entenda que o sucesso na
evolução espiritual do espírito encarnado tem maior probabilidade de ser
cumprida integralmente quanto maior for a fé em Deus e a prática da caridade
durante o período reencarnatório.
— É verdade, irmão Carlos.
— Não é nada simples de ser alcançado,
mas perfeitamente possível se forem seguidos os ensinamentos do
divino mestre Jesus.
— Entendo.
— Vejamos no seu caso, por exemplo, o
estado melancólico. Ele não é fruto somente do pesar em haver perdido
precocemente o convívio diário com Lilian e Eloah, já que
na encarnação enquanto Levy você não teve nenhuma culpabilidade na
ocorrência do fato.
— É verdade.
247
— Sendo assim, podemos entender tal
resultado como consequência do prejuízo que você causou a
Lucas, antes da encarnação dele, enquanto Efraim, pois se assim não fosse,
suas, então, esposa e filha desencarnariam de causas naturais.
— Puxa, então aí está a raiz deste sentimento
melancólico: a culpa!
— Exatamente. Você mesmo desenvolveu um forte
sentimento de culpa.
— A dor que veio da culpa e a culpa que
veio do remorso.
— Mas compreenda que tudo poderia ser de
outra forma, pois quando encarnado enquanto Levy, você buscou sempre
estender a mão amiga a Efraim desde o primeiro momento em que se conheceram,
todavia o seu amor e benevolência não foram suficientes para aplacar o desejo
de revide em nosso irmão, justamente devido a questões relacionadas a
encarnação anterior a esta época.
— Eu compreendo, sim, irmão Carlos.
— Aquela encarnação de vocês, no Egito,
foi uma divina oportunidade de reajuste e resgate. O resultado daquela
experiência deveria ser o perdão, mas Efraim não conseguiu fazê-lo.
— Eu entendo isto, irmão Carlos, assim
como compreendo que a dor sentida por mim, é similar àquela que Lucas vem
passando desde a época em que encarnou como Efraim.
— Isto mesmo. Atualmente vocês conseguem
compreender intimamente a dor de um e do outro.
248
— É verdade.
— E foi exatamente tal compreensão
genuína que possibilitou a cura de vocês.
— Graças a Deus!
— Mas entenda, meu irmão, que todas as
coisas têm o seu tempo, sendo justamente aquele designado por Deus.
— Tanto é que foi em tua atual encarnação
que houve a ordenação Dele para que seus mentores o preparassem a fim
de que pudesse vivenciar experiências com potencial para promover a
superação desta dor.
— Realmente.
— Uma superação através do entendimento e
do amor, certamente, mas em especial em consequência da misericórdia divina
— Não me entenda enquanto um filho
mal-agradecido, irmão Carlos, mas por que em especial?
— Porque a tarefa que você realizou em
benefício do irmão Lucas e que acabou por beneficiá-lo, deveria ocorrer cerca
de quinze anos a frente.
— Então você está dizendo que eu
conviveria com esta forma de melancolia por mais quinze anos?
— Exatamente.
249
— Mas o que ocorreu para que Deus
decidisse por me conceder Sua misericordiosa cura antes do tempo
determinado?
— O amor de mães foi o que
ocorreu, pois se de um lado a mãezinha de Lucas rogava pela
cura e recuperação do filho, de outro lado, a tua mãezinha tecia
preces ao Criador, ao seu favor e no mesmo sentido.
— Penso que consigo entender, irmão
Carlos: vários fatores conduziram a oportunidade do processo de cura para mim e
para Lucas, mas o que catalisou esta ação foram as preces de nossas mães
alcançando a Deus que, por sua infinita misericórdia, liberou a oportunidade de
convalescença para as dores de nossas almas.
— Você compreendeu perfeitamente, meu
irmão.
— Gracas a Deus, o futuro parece bem
venturoso tanto para mim, quanto para Lucas!
— Verdade. Rogo a Deus que os abençoe de
modo a que aproveitem plenamente a oportunidade concedida.
— É verdade, irmão Carlos. Que Deus
abençoe a Lucas em seu despertar, reabilitação e na preparação para a formação
de nova família.
— Tenha fé, meu irmão, pois creio que o
divino criador abençoará a Lucas, mas também a você, em sua jornada.
— Por falar nisto, irmão Carlos, acredito
que tanto para mim, quanto para Lucas ou qualquer espírito encarnado, seria
muito mais fácil se, ao despertarmos do sono físico, tivéssemos a
oportunidade de lembrar das lições aprendidas, junto aos amigos espirituais,
durante o sono.
250
— Fácil talvez, mas certamente não tão
proveitoso e valoroso para o resgate cármico de cada ser humano.
— Por que, irmão Carlos?
— Porque as decisões a serem tomadas por
vocês, encarnados, precisam ser realizadas pelo caminho da fé em Deus, da prece
e da sabedoria, não por interferência do livre arbítrio.
— Entendo.
— Analisemos, por exemplo, o caso do irmão
Lucas. Ele deve procurar despertar, reabilitar-se, praticar a caridade e buscar
sua evolução espiritual não pela plena consciência do que a ele foi dito por
Catarina e Laura, mas sim pela boa impressão que ficará em seu
inconsciente devido a este contato.
— Compreendo.
— Esta impressão, esperançosa e
motivadora, foi um presente divino para estimulá-lo a fazer o que necessita ser
feito de modo a que consiga cumprir as suas provações e crescer em
espírito e verdade.
— Você tem razão, irmão Carlos!
— A mesma coisa serve para você e a
qualquer espírito encarnado, meu irmão.
— É verdade, irmão Carlos! Que Deus abençoe o
despertar de Lucas, sua reabilitação e a continuidade de sua jornada terrena.
251
— Que assim seja, meu irmão! Se Deus
quiser, ele assim o fará e receberá muitas bençãos, inclusive uma tão
aguardada por ele e planejada.
— Verdade?
— Certamente, meu irmão. Após a formação de
sua família, Lucas terá o retorno do espírito de Maya, como sua filha.
— Meu Deus, que bom! Como Deus é bom!
— Sempre foi, é e sempre será!
— Puxa, irmão Carlos, mas se Lucas soubesse
deste fato seria um incentivo a mais para que ele haja conforme tudo aquilo a
que se comprometeu durante a realização das tarefas que foram executadas.
— Mas interferiria em seu livre arbítrio,
você não concorda?
— Isto é verdade.
— Fazer o bem a si próprio ou a alguém,
deve ser uma atividade desinteressada de recompensa.
— Você tem razão, irmão Carlos.
— A única recompensa almejada deve ser a
oportunidade de realizarmos novos atos de caridade.
— Tendo, assim, a oportunidade de
aumentarmos o nosso tesouro espiritual, não é isso, irmão Carlos?
— Exatamente, meu irmão, pois como disse um
nobre irmão espiritual: "a única ambição válida é a caridade”.
252
XXIX - MOMENTO PARA O EPÍLOGO:
— É, irmão Carlos, observo que você tem razão.
Sei que, também no meu caso, nada do que vivenciei nas noites em que atuei como
pequeno colaborador nas tarefas realizadas em prol do irmão Lucas, terá a
possibilidade de ser recordado por mim.
Refleti um pouco e, após, retomei a fala,
dizendo:
— Mas eu penso que o mais importante talvez
seja o efeito destas ações em mim, pois se aqui, parcialmente livre do corpo
físico, eu me sinto tão bem, tão mais leve, imagine, então, a leveza que
sentirei ao despertar no corpo físico.
— Você, de fato, também foi beneficiado com a
tarefa realizada, meu irmão, assim como lhe dissemos anteriormente. Os efeitos
deste benefício serão sentidos por você exatamente da forma como imagina.
— Foi o que deduzi, irmão Carlos.
— Realmente, tudo o que você vivenciou será
mantido nas partes mais profundas do teu inconsciente.
— Eu entendo.
— Todavia, se seguirdes cumprindo as tarefas a
você designadas, então chegará a hora que a você tudo será permitido lembrar.
— Mas como saberei se estarei cumprindo tais
tarefas?
253
— Tendo Jesus como parâmetro para todas as
suas ações, ou seja, amando a Deus, acima de todas as coisas e praticando a
caridade.
— Mas, irmão Carlos, se eu conseguir cumprir
tais tarefas, em quanto tempo terei condições de recordar esta experiência?
— Continue tendo fé em Deus e humildade, meu
irmão, mas seja mais assertivo em tuas colocações: diga quando ao invés de se
eu conseguir.
— Você tem razão, irmão Carlos.
— As palavras são poderosas, meu
irmão. Têm o poder de concriar.
— Eu entendo, mas corrigindo então a minha
fala eu pergunto: em quanto tempo recordarei, quando eu conseguir cumprir tais
tarefas?
— Entre vinte e cinco e trinta anos.
— Nossa, tanto tempo assim? Como isto poderia
beneficiar-me?
— O teu benefício você já recebeu na paz da
consciência e na esperança venturosa do porvir, que se refletem na leveza que
você relatou estar sentindo.
— É verdade, irmão Carlos, mas qual seria o
sentido desta recordação?
— Relatar e compartilhar.
— Relatar? Como assim? Eu darei palestras?
— Não necessariamente. Falo de escrita.
254
— Eu escreverei o que vivenciamos: é isto?
— Exatamente.
— Mas minha memória nem é tão boa a este
ponto.
— Não possuo autorização para estender-me
sobre o assunto, mas não tenha dúvidas de que tua consciência e tuas mãos serão
guiadas por nós, em parceria intuitiva, programada e coordenada.
— Entendo.
— Mas não te preocupes com o porvir, pois ele
pertence a Deus. Ocupe-se de seguir, vivenciar e praticar os ensinamentos do
divino mestre Jesus.
— Você tem razão, irmão Carlos, pois somente
assim poderei vivenciar, experienciar o tempo na força do amor.
— Vejo que aprendeu bem sobre a mensagem
principal em relação a todas as tarefas às quais participou: viver o tempo para
a caridade é a chave para que a humanidade transmute a vivência do amor na
força do tempo para experienciar a temporalidade na potência do amor e, assim,
ter condições de viver momentos de uma vida plena e feliz.
— É verdade, irmão Carlos.
— Meu irmão, é chegada a hora de finalizarmos
os trabalhos desta noite.
— Irmão Carlos, sou imensamente grato por toda
a oportunidade, todavia, antes do término da tarefa, haveria a possibilidade de
abraçá-lo?
— Decerto, que sim, meu irmão!
255
Assim, o abracei repleto da mais profunda
gratidão. Todo o meu ser pulsava admiração e afeto, talvez como jamais tenha
sentido em toda a minha vida e só quis compartilha-los em um abraço, todavia o
que eu sentia em nada se comparava a intensidade e frequência dos bons
sentimentos que ele vibrava por mim. Lágrimas espontâneas brotavam de meus
olhos e eu só pedia a Deus que pudesse carregar um pouquinho daquela paz comigo
pelo resto de minha vida. Somente após algum tempo consegui dizer a ele:
— Irmão Carlos, ainda que meu cérebro humano
apague, por certo tempo, a experiência que tive, meu coração jamais o
esquecerá, nem as experiências vividas. Muito obrigado!
— Não há o que agradecer a mim, meu irmão, só
a Deus, pois só Ele é digno de toda a honra.
Ele pensou brevemente e concluiu:
— Mas é fato que sou muito grato a Deus pela
oportunidade de haver contribuído um pouquinho em seu processo de aprendizado
sobre as coisas do espírito.
— Eu também, mas irmão Carlos, o que devo
fazer para ser encerrada a atividade desta noite?
— Sentar- se nesta cadeira e permanecer em
oração.
Pensei um pouco e pedi a ele:
— Haveria a possibilidade de refletir um
pouco sobre tudo que vivenciei, antes de sentar-me?
— Certamente, meu irmão. Eu estarei aqui o
aguardando, só não se esqueça de que a disciplina antecede a espontaneidade.
— Certo, irmão Carlos, eu não me esquecerei.
256
Assim, passei a caminhar pela orla daquela
praia formidável, antes da realização dos procedimentos finais que me preparariam
para despertar no corpo físico, afinal eu necessitava ordenar meus
pensamentos, sentimentos e revisitar aprendizados para então voltar ao
invólucro carnal.
Em pensamento, mas com todo o meu sentimento,
fiz uma prece agradecendo primeiramente a Deus por nunca haver me abandonado em
todos os momentos de minha vida, por nunca duvidar de mim, pelo incentivo e
proteção para que eu seja, a cada dia, um aprendiz e praticante dos
ensinamentos do divino mestre Jesus.
Agradeci, igualmente, a falange de Maria que, através
de uma de suas integrantes, em especial no início da tarefa, tanta paz,
harmonia e amor trouxe ao meu espírito, fomentando reflexão e mudança de
postura no meu proceder com as coisas do espírito.
Agradeci também ao Exu da Praia e a toda a sua
guarnição que prepararam vibratoriamente aquele ponto de forças da
natureza, a fim de que tivéssemos toda segurança, proteção e amparo
para realizar o que nos foi designado pela misericórdia divina.
Agradeci, ainda, ao companheiro Erasmo. Um
amigo espiritual que milita na religião de umbanda junto a falange dos
marinheiros, por toda a paciência e generosidade para comigo no período
preparatório para que eu pudesse participar de toda a tarefa.
Somente após, foi que me pus a observar a
beleza irretocável, sublime e divina daquele ponto de forças da natureza.
257
A lua fulgurava cheia, enorme, dourada e
belíssima em um firmamento completamente desanuviado e repleto de
brilhantes miríades estelares.
Ventava razoavelmente naquele momento e de uma forma que trazia uma imensa paz.
Já o rebentar das ondas na areia era um
natural e dadivoso convite a meditação e, assim, acabei por refletir:
É necessário esperar o advento da primavera
para que se possa contemplar a beleza e o perfume das flores. Como a
periodicidade de sua ocorrência é anual, então é certo aguardar um ano para que
dela possamos usufruir.
É preciso aguardar o amanhecer para que se
possa ser beneficiado com o calor terapêutico e benfazejo no raiar do sol. Como
tal fenômeno acontece diariamente, assim é certo esperarmos o dia seguinte para
podermos aproveitar sua presença.
Da mesma forma, é necessário plantar boas
sementes para que se possa ter esperança na colheita de bons frutos.
Ocorre que o homem nada precisa fazer para o
brotar das flores, pois elas certamente surgirão na primavera, a cada ano.
Da mesma forma, a criatura humana coisa alguma
necessita realizar para o raiar do sol, pois é certo que a rotação planetária
fará com que ele aconteça diariamente.
Mas se desejar a coleta de bons frutos,
ele deverá fazer bem mais que esperar o seu aparecimento, pois para que a
semente possa passar por todas as etapas de seu desenvolvimento e gerar frutos
saudáveis, torna-se importante a sua parceria. A natureza sabe o que e como
fazer, mas necessita da colaboração humana para que o faça.
258
De igual maneira, penso ser importante
entendermos que experienciar uma vida plena em momentos de felicidade
não acontecerá espontaneamente, tal qual os fenômenos naturais da primavera ou
da alvorada.
Acredito que isto ocorra pelo fato da
felicidade não ser um fenômeno que floresça espontaneamente de uma árvore ou
com o surgimento dos primeiros raios de sol.
Na verdade, comparativamente, considero ser
ela mais como preciosa semente que necessita de nós para germinar,
desenvolver-se, florar e frutificar.
Após tudo o que a misericórdia divina
permitiu-me vivenciar enquanto oportuno colaborador nas tarefas realizadas em
benefício do irmão Lucas, eu consegui entender que cada atitude nossa para com
o próximo é similar ao plantio de sementes na lavoura do tempo.
No momento adequado, cada uma delas germinará
até que, como resultado, possamos colher dos seus frutos.
A espécie e qualidade do fruto será
diretamente proporcional às das sementes que forem plantadas.
Existem pessoas que preferem frutos agridoces
como os morangos, outras têm predileção por frutos adocicados tais quais as
mangas.
Uma vez ocorrido o plantio da semente de uma espécie de fruto, será exatamente
este tipo de fruto que poderá ser coletado da árvore, quando maduro.
Cada ser humano tem o livre arbítrio para
cultivar a semente que melhor lhe aprouver, mas colherá, obrigatoriamente, o
fruto congruente ao plantio.
A grande diferença está em entender que passar uma vida plantando as sementes
da paz, do amor, da fraternidade e da caridade é tarefa exequível apenas para
aqueles que buscam desenvolver a fé e a esperança.
Fé e esperança na transformação de si mesmos e
do mundo em pessoas e estrutura cada vez mais perfectíveis.
259
O solo dos nossos corações encontra-se afetado
pelas dores de existir e estar no mundo, mas trabalhar o tempo na força do amor
é confiar que enquanto plantamos o bem no mundo, também o estaremos cultivando
em nossos próprios corações.
É confiar que Deus, em Seu tempo, nos
permitirá e ao mundo coletar os frutos de nossas ações.
É ter a humildade em entender que o plantio da
semente é humano, mas o seu germinar é divino.
Eis a magia e o encanto de trabalharmos o
nosso tempo na força do amor: libertar-se da pressa e da afobação
enquanto evoluímos em calma, paciência e humildade.
Sim, sim, sim: trabalharmos o nosso tempo
na força do amor, faz com que Deus e seus mensageiros de luz nos libertem das
armadilhas do tempo.
Já para aqueles que utilizam o seu tempo na força dos princípios contrários ao
amor, acabam por semear a dor, o ódio e o caos no campo da dimensão temporal.
Eis que quando vier a hora da colheita e, em
tempo oportuno, o arrependimento, este incauto cultivador de perniciosas
sementes sentirá como se o tempo trabalhasse contra si.
É uma sensação proveniente da urgência que
sente em compensar o mal outrora praticado.
Tal pessoa aprendeu a importância de cultivar
o amor para ceifar a dor,mas está circunscrito, como todos estamos, a
temporalidade para que isto seja possível.
260
Enquanto o momento do resgate não chega, ela
deverá aprender a superar as armadilhas do tempo e que muito envolvem a pressa,
a impaciência e o atropelo.
Tais são as circunstâncias de se trabalhar o
amor circunscrito à força da temporalidade.
Enquanto tecia mais algumas considerações
sobre tudo o que vivenciei, voltei para perto do irmão Carlos e da cadeira que
me aguardava.
Assim, olhei uma vez mais para o firmamento e ponderei que, na verdade, se
reconhecermos, com humildade e honestidade, que todos estamos
reencarnados para o reajuste de débitos cármicos, então só nos restará
entender que também nos encontramos condicionados a vivenciar o amor pela força
da dimensão temporal.
Todavia, se buscarmos viver uma existência nos
esforçando, a cada dia, para amar a Deus acima de todas as coisas e ao próximo
como a nós mesmos, por meio da caridade, então acabaremos por também nos tornar
usuários, beneficiários e aprendizes da potência temporal na dimensão do amor.
Porque o bem que praticamos ao outro, torna-se
o bem que fazemos a nos mesmos. Da mesma forma, a felicidade que proporcionamos
ao próximo é aquela que tornará a nós, assim como o amor a alguém, nos tornará
meritórios deste mesmo amor.
Viver nesta ambiência de amor e caridade, traz
significativas experiências de felicidade e torna relativa, para nós, a
influência da forca do tempo, pois quando se vive para amar, o tempo parece
correr ao nosso favor.
Em suma, todos nós reencarnamos para vivenciar
o amor na força do tempo e, assim, debitar as nossas faltas pretéritas, mas
quando escolhemos, com Cristo e os espíritos de luz, usar este tempo para
trilhar a estrada do amor a Deus e ao próximo, então os momentos de amorosidade
e felicidade nos capacitarão a sermos aprendizes da utilização do tempo na
força do amor, criando condições para que tal potência prevaleça em nossas
vidas, em detrimento do tempo.
261
Assim, como ponderei antes, eu entendo
perfeitamente que, como espírito encarnado, tenho
pendências cármicas a remir, todavia tenho o propósito de
resgatá-las, sejam quais forem, utilizando o meu tempo para o amor
praticar, pois tão importante quanto quitar o mal pretérito é
utilizar o tempo que tenho, agora, para o grão do amor semear, afinal é
exatamente tal atitude que me possibilitará encontrar, nesta e em futuras
reencarnações, os prazerosos, formidáveis e ditosos momentos de
felicidade.
Tais momentos não serão raros desde que haja o
propósito, a resiliência e a persistência de nos mantermos no caminho que leva
a prática da caridade, pois ser feliz envolve todo um planejamento.
Isto por que, como disse antes, compreendo não ser, a felicidade, um fruto a
ser coletado espontaneamente junto a uma árvore.
Talvez seja mais como inestimável grão que
necessita ser completamente cuidado com os adubos da paciência, sabedoria,
humildade e compreensão, de modo a que frutifique.
É justamente por tal fato que não consigo
visualizar a possibilidade de felicidade plena sem que haja planejamento.
Porque a felicidade não é simplesmente
aguardar que a vida nos traga somente instantes de contentamento, já
que não é prazeroso pagar dívidas, mas sim satisfatório, na medida
que traz paz a consciência.
Contudo, ao coletarmos os frutos da árvore da felicidade, acabamos por
entender que estar junto a este sentimento não significa, necessariamente, que
tudo em nossa vida acontecerá em acordo com nosso desejo e vontade, mas sim que
estaremos em um estado de consciência de satisfação tão genuína e plena que nos
sentiremos felizes, independente dos momentos pelos quais estivermos passando,
inclusive ao resgatarmos carmas.
262
Isto requer a compreensão de que
a genuína felicidade não é um estado de espírito, no sentido de que
não está condicionada pelas forças das circunstâncias. Ela é mais como um
tesouro do espírito, um atributo com que Deus facultou a cada criatura para que
por meio do amor a Ele e pela prática da caridade, seja multiplicado,
melhorando a qualidade de vida, mas especialmente proporcionando a evolução do
espírito imortal.
Assim, buscar ser feliz é optar por uma vida de planejamento, plantio e espera
em Deus, todavia, ao ser iniciada a coleta dos frutos, estará assegurada a
permanência destes conosco, como aquisição espiritual.
Já a ilusória felicidade, circunstancial,
brilhante, mas ligeira tal qual estrela-cadente, é uma coisa de momento.
Respirei profundamente, pois senti
que já se aproximava o momento do meu despertar no invólucro carnal,
então sentei-me na cadeira e olhei para o mar a frente agradecendo a Deus por
toda a oportunidade e, por fim, olhei para o irmão Carlos como quem
diz: “estou pronto!”.
Então fiz uma derradeira prece de gratidão e
obtive a oportunidade divina na elaboração de uma última reflexão.
Por meio dela conclui que todo ser humano tem
o seu livre arbítrio.
Assim, se você desejar, tem todo o direito de pensar de forma diversa a mim,
mas não esqueça que na vida é muito importante sentir que o tempo está a seu
favor e ser verdadeiramente feliz, mas que isto só é realmente possível
utilizando-o para a prática do amor.
Então roguemos a Deus por mim, por ti e por
todos a fim de que possamos utilizá-lo somente para amar, no
entendimento de que momentos são divinas oportunidades de plantarmos os grãos
do amor no coração da humanidade, pois do contrário, entre múltiplas
possibilidades, nos restará, preferencialmente,experenciar...
… O AMOR NA FORÇA DO TEMPO.
263
POSFÁCIO:
É importante explicar que após o despertar,
como esclarecera o irmão Carlos durante o desdobramento, eu não consegui
recordar sobre fato algum relacionado a tal experiência.
Cerca de vinte anos após este último
desdobramento, eu sonhei estar sendo guiado por um espírito que hoje sei
tratar-se do irmão Carlos.
Ele levava-me até uma praia que, atualmente,
compreendo ser a mesma que é tão importante para Lucas.
Não me recordo de nada do que foi conversado
comigo ou se, de fato, houve alguma conversação. A única coisa que tenho nítida
em minha memória foi a cena observada, pois havia um casal que caminhava pela
orla e segurava as mãos de uma linda garotinha, com aproximadamente quatro
anos, que andava entre eles.
Eu entendi que estas três pessoas estavam
encarnadas por que todas possuíam um cordão prateado junto a si, todavia, logo
atrás da família e também de mãos dadas, seguiam duas moças radiantes em
contentamento, sem a presença de tal cordão e que somente agora compreendo
tratar-se de Catarina e Laura.
Todos andavam de encontro onde estávamos eu e
o irmão Carlos.
Segurei a emoção o quanto pude, seguindo a orientação do irmão Carlos, mas quando
todos passaram perto de nós, aconteceu uma explosão de júbilo tão intensa e, na
época inexplicável, que eu conseguia apenas chorar intensamente. E foi
assim, vertendo lágrimas em profusão, que despertei em minha cama sem conseguir
entender a motivação para a manifestação de tamanha emoção por avistar pessoas
“desconhecidas” para mim.
264
Apenas hoje consigo compreender que este
episódio não foi um sonho, mas uma dádiva em poder, junto ao irmão Carlos,
entender que Lucas se recuperara do coma, de suas possíveis consequências, que
havia constituído uma nova família; além disto pude observar que Maya, realmente,
havia reencarnado e também que Catarina e Laura velavam por aquela
família como dois anjos bons.
Foi uma experiência, na época, incompreensível
para mim. Lembro que na ocasião manifestei intensa gratidão a Deus, mas não
conseguia saber precisamente por que agradecia. Somente na atualidade é que
consigo entender significativamente o tamanho do amor de Deus em haver me
oportunizado tal experiência.
Acredito fortemente que tudo o que nos
acontece na vida é derivado de duas possíveis causas: a consequência de nossas
ações e a misericórdia divina, assim reconhecendo o quão imperfeito sou, apenas
consigo atribuir a vivenciação de tal experiência em consequência da compaixão
de nosso divino criador que, por intermédio do mestre Jesus e dos divinos
espíritos de luz, consegue dilatar imensamente a aplicabilidade da infinitude
de Seu amor na vida de seus humanos filhos.
Reitero, então, que ainda que possam ser
incríveis ou fantásticas, a única palavra que consigo expressar em consequência
de tudo o que pude vivenciar, em consequência desta misericórdia, é vibrada em
um intenso sentimento denominado unicamente por: gratidão!!!
265
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