terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Sobre a certeza




— Márcia você me desculpe lhe falar mais uma vez amiga, mas é que eu realmente penso que você deveria ir comigo lá no terreiro.
— Bobagem Vera, isto é coisa de ignorante!
— Ignorante amiga? Então quer dizer que você julga-me como tal?
— Não Vera! Apenas digo que as pessoas que fazem parte destes centros são ignorantes.
— Os médiuns?
— Exatamente!
— Mas lá na corrente do terreiro que eu freqüento como assistência existem médicos, professores, entre outros.
— Então, eles são doutos na profissão que exercem, mas ignorantes por acreditarem em contos de fadas.
— Desculpe pela insistência minha amiga, mas é que eu estou muito preocupada com esta sua tontura que nenhum dos médicos que você visitou encontrou explicação plausível.
— Eu sei Vera, eu sei!
— Então amiga, o que lhe custa dar uma chance para que as entidades que militam na umbanda possam lhe auxiliar? Você não quer acabar com esta tontura?
— Puxa, já perdi as contas de quantas vezes você abordou este assunto comigo!!!
— Perdão! Eu não mais lhe aborrecerei!
— Não Vera, eu vou contigo! Está na hora de acabar com esta história de uma vez!
— Então você vai?
— Vou!
— Graças a Deus!
— Quando é a sessão?
— Hoje a noite, às 20;00 horas.
— Pode deixar que eu não faltarei.
Naquela sexta-feira à noite, precisamente às 20h45min, Márcia sentou-se em um toco para receber a consulta do caboclo Rompe-mato que disse-lhe:
— Salve Tupã filha!
Ao que ela respondeu:
— Salve!
— Este caboclo ignorante só gostaria de saber em que poderia auxiliá-la.
Márcia pensou: “ será que esta entidade sabe o que eu penso a respeito desta seita?”
— Religião filha!
— Como?
— A umbanda não é uma seita, é uma religião!
— Então você pode ler meus pensamentos?
— Posso ver somente aquilo que Tupã julgar que seja importante para auxiliá-la.
— Então por que você... caboclo Rompe-mato, não é isso?
— Exatamente!
— Por que você não me diz o que vim fazer aqui nesta noite? Será que Deus permitiria que você visse?
— Já vi!
— Viu?
— Você pode até não saber, mas veio até aqui para acabar com uma certeza dentro de você!
— Acho que você não viu direito!
— Filha eu não devo tentar convence-la de nada. Eu só posso dizer aquilo que a Lei me permita revelar.
— Mas de que certeza você está falando?
— Da mesma certeza que o vosso pai explicou-lhe aos cinco anos de idade!
— Meu falecido pai?
— Exatamente, lá no circo.
— Não me recordo.
— Filha você se lembra quando seu pai lhe explicou como é possível um animal robusto como o elefante ficar preso em um pequenino toco de madeira?
Os olhos de Márcia marejaram com as recordações do pai saudoso e ela respondeu ao caboclo:
— Lembro.
— Então, o seu pai lhe explicou que o elefante desde pequenino tem uma corda amarrada em seu corpo que o prende a um fortíssimo tronco de árvore, não foi?
— Exatamente!
— E como o elefante tenta inúmeras vezes se libertar daquela corda e não consegue um dia ele acaba desistindo de tentar fazer isto justamente por ter a certeza de que isto seria impossível.
— Meu Deus, mas como o senhor pode saber disto?
— Filha não precisa chamar-me de senhor, continue a tratar-me de você.
— Acho impressionante como o senhor pode saber de uma coisa tão antiga, entretanto devo lhe dizer que se enganou quanto ao motivo que me trouxe até aqui esta noite.
— Verdade filha?
— Sim. Vim até aqui por que estou com uma tontura terrível.
— A tontura é conseqüência e a certeza é a causa dela!
— Como é?
Uma certeza que você possui está provocando esta tontura.
— É incrível como o senhor consegue ver tão bem o meu passado, mas não enxerga o momento presente!
— Fale mais filha!
— Na verdade o meu esposo vem cobrando certa coisa há seis anos e eu tenho um medo muito grande de “quebrar a cara” com a decisão que eu tomar. Eu tenho medo e não certeza!
— Você não está indecisa pelo medo, mas devido à certeza!
— Certeza?
— É! Certeza de que vai “quebrar a cara” se concordar com o seu marido.
— E qual é a diferença?
— Aquele que tem medo procura se precaver e se preparar para depois escolher um caminho. Após a escolha ele até teme pelo pior, mas não tem receios de viver um dia após o outro. Já aquele que tem a certeza de que vai “quebrar a cara” acabará “quebrando-a” por que será incapaz de enxergar o aprendizado da caminhada em sua decisão.
— Nisto você tem razão.
— Você entende que é a certeza que a vem impedindo de agir tal qual um pequenino tronco de madeira que consegue prender o mais potente elefante?
Neste instante, ao misturar imagens do presente com recordações do seu saudoso pai, Márcia chorou um copioso pranto.
O caboclo Rompe-mato deixou que a tempestade passasse e somente quando chegou a bonança emotiva no coração de Márcia foi que ele disse:
— Toda escolha envolve perdas e ganhos: o importante é saber o que se quer perder e o que se deseja ganhar com uma determinada escolha.
— Você sabe de qual escolha eu estou falando, não sabe?
— Você, até sentar na frente deste caboclo, tinha a certeza de que engravidar iria acabar com a paz em sua vida. Agora, depois da conversa que estamos tendo, esta certeza já não está tão clara em seu coração.
— É verdade!!! Mas...
— Fale filha!
— Qual é a relação desta certeza com a tontura que venho sentindo?
— Filha, esta gravidez foi programa no plano espiritual antes de seu reencarne e este caboclo só pode dizer que é uma oportunidade que você vem esperando há muitas encarnações.
— É mesmo?
— Sim. E o seu espírito sabendo que a hora é chegada vem lhe fazendo recordar do compromisso assumido há tanto tempo.
— E isto vem causando a tontura?
— Não. A sua teimosia em não querer assumir o compromisso vem atraindo compainhas espirituais indesejadas e grande desequilíbrio energético para você.
— Nossa, caboclo Rompe-mato, eu não entendo muito do que você está falando, mas sinto a força da verdade em suas palavras dentro do meu coração!
— Que bom filha, pois este caboclo só pode lhe dizer o que Tupã permite que seja dito.
— Eu entendo!
— Reflita no que caboclo lhe disse e use o seu livre-arbítrio com sabedoria! Peça a Deus que lhe dê entendimento para discernir verdadeiramente o que é ganhar e o que é perder de acordo com as decisões que você tomar, entende?
— Sim senhor, mas...
— Solta língua seu filha!
— Será que o sonho que tenho desde criança, mas que vem se repetindo intensamente nos últimos seis meses, está relacionado com este meu compromisso pré-reencarnatório?
— Filha este caboclo, no momento, só está autorizado a lhe dizer que assim que o seu filho nascer este sonho não mais se repetirá.
— Sim senhor, obrigada por tudo!
— Não agradeça a este caboclo, agradeça a Tupã.
Dois anos depois deste atendimento Márcia senta-se com o seu filho na frente do caboclo Rompe-mato e lhe diz:
— Senhor caboclo eu vim aqui hoje por dois motivos, sendo que o primeiro é lhe agradecer pela vida do meu filho, Henrique.
— O caboclo cruzou a testa da criança, olhou para Márcia e disse sorrindo:
— O seu curumim é lindo, mas caboclo lembra de ter pedido a você que só agradecesse a Tupã, não é verdade?
— É verdade!
— Mas diga filha Márcia: qual foi o outro motivo que trouxe você para conversar com este caboclo?
— É que eu tenho uma dúvida que para esclarecê-la eu teria que lhe contar aquele sonho que eu tinha desde criança e que, como o senhor mesmo me disse, parou de ocorrer desde o nascimento do Henrique.
— Pode falar filha!
— É que em meu sonho eu me via como esposa de um governante de um dos povos do antigo império babilônico. Eu via também que estava grávida, mas que o filho não era do meu esposo e sim de um escravo de nossa residência que tinha o nome de Josias.
Caboclo Rompe-mato recordava junto com Márcia quando lhe disse:
— Prossiga filha!
— Bom daí, de uma forma que eu não sei dizer como, o meu marido descobriu este fato e chicoteou.....
O caboclo Rompe-mato prosseguiu:
... chicoteou o escravo até mata-lo.
— Isto! Mas o que mais me impressiona foram as palavras ditas pelo escravo antes de morrer e que foram: ........
O caboclo Rompe-mato prosseguiu:
— “...............não se preocupe , pois um dia eu a auxiliarei a trazer a criança de volta a vida”.
— Isto! Mas, como o senhor sabe?
— Continue a contar o sonho filha!
— Naquele momento eu não entendi o porquê do escravo haver dito aquelas palavras a mim; somente dois dias depois do seu óbito foi que descobri: meu marido obrigou-me a escolher entre ter a criança e ser vendida como escrava ou abortar e continuar como a amante dele. Visando apenas o meu conforto eu tive a certeza de que era melhor abortar, mas o meu marido, mesmo assim, vendeu-me como escrava, do resto não me lembro.
— E qual é a sua dúvida filha?
— É que o meu bebê, o Henrique aqui no meu colo, eu sinto como se ele fosse aquele escravo reencarnado, eu estou certa?
— Isto é coisa que caboclo Rompe-mato não está autorizado a dizer só o seu próprio coração.
— Então está bem, agradeço a Deus por tudo, mas também não tem como deixar de agradecê-lo!
E, com um esboço de sorriso no canto dos lábios, o caboclo disse a ela:
— Agradeça somente a Tupã filha! Este caboclo é só um espírito ignorante!
Márcia sorriu ao recordar-se do quanto era pedante e preconceituosa com as práticas umbandistas há dois anos até o momento que conversou pela primeira vez com o caboclo Rompe-mato.
O caboclo despediu-se de Márcia e ela bateu ritualisticamente a cabeça no gongá em reverência e agradecimento a Deus.
A cambone do caboclo Rompe-mato olhou para ele de forma quase suplicante ao solicitar:
— Posso falar com o senhor?
— Pode falar filha!
— É que eu gostaria muito de agradecer o aprendizado que obtive com o senhor neste atendimento: muitas vezes deixamos de agir, de optar, de escolher nem tanto por medo, mas pela certeza de que o caminho que escolhermos nos levará ao arrependimento. Jamais devemos agir com o intuito de errar, mas se errarmos devemos entender que isto só nos aproxima do jeito correto de se fazer as coisas.
— Caboclo está vendo que filha aprendeu mesmo, hein?
— Muitas vezes deixamos de agir não por medo de errar, mas pela prepotência de querermos sempre ser infalíveis e pela triste certeza de que é melhor não agir do que errarmos.
— Caboclo fica feliz com seu aprendizado, mas agradeça somente a Tupã por ele.
— Sabe senhor caboclo foi incrível, quase inacreditável, como o senhor sabia descrever com minúcias o multissecular sonho da Márcia.
— Multissecular?
— É por que, como o senhor sabe, o império babilônico existiu há muitos séculos.
— Entenda, filha cambone, que você não deveria se espantar com este caboclo por isto!
— Ah eu sei que não deveria mesmo, pois eu sei como o senhor é poderoso e..........
— ...............Filha cambone?
— Sim senhor caboclo?
— Nunca mais repita que este caboclo é poderoso!!!
— Desculpe!
— Este caboclo sabe que você exerce há pouco tempo a tarefa de cambonar, mas nunca se esqueça que só Tupã é poderoso aliás, Todo Poderoso!
— Sim senhor!
— Não precisa ficar assustada, porque caboclo não está brigando, mas tentando esclarecer você.
— Sim senhor!
— Caboclo sabia do sonho da filha Márcia não porque é poderoso, a justificativa é muito, mas muito mais simples!
— E o senhor poderia contar qual é?
— É que este caboclo é contemporâneo da época em que ocorreu a história contada pela filha Márcia e é por isso que tem conhecimento do sonho narrado por ela, entendeu?
— Sim senhor!
— Então, por caridade, vá chamar a próxima assistência para este caboclo atender por que a prática da caridade não pode parar, não é filha?
— É sim senhor! Deixa eu ir lá chamar a assistência!
E enquanto a cambone se afastava do caboclo ele agradecia intimamente a Deus pela oportunidade de ter auxiliado na tarefa que há muito aguardava.
A cambone trazia uma senhora de aproximadamente sessenta e cinco anos de idade que seria o próximo atendimento da entidade e, enquanto isto acontecia, o Caboclo Rompe-mato passou a recordar dos tempos em que fora líder religioso de um povo que posteriormente foi feito escravo pelos caldeus. Na religião que ele professava eram ensinadas as verdades sobre a reencarnação, mas também a existência em um único Deus.
Lembrou-se de que era casado e que, quando o seu povo foi feito escravo, o governante maior dos caldeus tomou a sua mulher para amante, sem saber que ela estava grávida do esposo há poucas semanas.
A entidade se recordava destes momentos referentes a esta encarnação com um profundo sentimento de respeito e gratidão ao Divino Criador pelo fato de tanto haver evoluído por meio do sofrimento, e, enquanto a próxima pessoa a ser assistida pela entidade sorria para ele e já se sentava no toco o caboclo Rompe-mato terminava de agradecer a Deus por todo o crescimento espiritual que adquirira quando fora a encarnação do escravo caldeu que possuía, nesta referida época, o nome de Josias.

sábado, 28 de novembro de 2009

TELEFONE




Em uma madrugada de quarta-feira, em meio à orla marítima, Pai Benedito preparava-se para o último atendimento fraterno daquela noite.



A lua cheia brilhava esplendorosa no céu quando o perispirito de uma senhora de aproximadamente sessenta anos de idade, mas de mente jovial, sentou-se à frente da entidade.


— Como vai suncê zifia?


— Apesar de preocupada eu até que vou bem, mas qual é o nome do senhor?


— Zifia o nome deste nêgo é Benedito, mas nêgo deve pedir licença a suncê pra dizer que o senhor tá no céu.


— Vovô desculpe-me, mas eu só o chamei de senhor para demonstrar respeito.


— Nêgo véio sabe zifia, mas para que fique tudo certo é que nêgo pergunta: eu também posso tratá-la respeitosamente chamando-a de senhora?


— Ah não vovô, se for possível eu gostaria que o senhor me chamasse apenas de Mercedes.


— Então tá tudo certo zifia: nêgo chama suncê de Mercedes e suncê chama nêgo de Benedito.


Respondendo com um sorriso nos lábios Mercedes disse a entidade:


— Está certo vovô!


— Mas conte pra nêgo o que trouxe suncê até ele minha filha!


— Vovô, veja bem, eu conversei com o meu filho e ele disse que na próxima gira do terreiro ele vai estar sentado lá na assistência.


— Que bom zifia! Muito formoso suncê levar mais um zifio pra conhecer uma das casas de caridade onde nóis trabalha em nome da umbanda.


— Nem me fale vovô, pois eu não vejo a hora de chegar o dia da próxima gira no terreiro!


— Mas por que tanta ansiedade zifia Mercedes? O filho de suncê tá com algum problema?


— Foi bom o senhor ter tocado neste assunto vovô, por que, na realidade, quem está com um problema sou eu!


— Conta pra nêgo véio zifia!!!


— Bem, é que nos últimos meses eu tenho me sentido muito só lá na casa onde eu vivo com meu filho, minha nora e meu netinho.


— Como assim zifia?


— A solidão que eu sinto é mais por parte do meu filho, que quase não tem tempo para estar comigo. O meu esposo faleceu há poucos meses, mas eu o sinto muito mais presente na minha vida do que o meu filho que eu tanto amo!


— Zifia Mercedes, nêgo inté que entende suncê; só o que nêgo não entende é o porquê da sua ansiedade em que o seu filho vá à assistência do terreiro.


— Olha vovô a minha ansiedade é por que eu não vejo a hora de o senhor conversar com o meu filho Ramon sobre toda esta solidão que eu já venho sentindo há um bom tempo. O senhor poderia fazer isto?


— Zifia antes, por caridade, responde uma coisa pra nêgo.


— Sim senhor!


— Zifia se o seu filho Ramon, ao invés de morar junto com suncê, residisse numa terra bem distante como suncê haveria de fazer pra conversar com ele?


— Bem vovô, eu poderia usar o telefone.


— Telefone?


— É vovô! O senhor não conhece?


— Ver nêgo já viu só que nêgo não sabe como funciona; suncê pode explicar pra ele?


— Certamente vovô! O telefone é um aparelho de comunicação onde eu posso fazer contato com outras pessoas, tanto como emissora quanto como receptora de mensagens.


— Nossa zifia Mercedes esse tal de telefone é mesmo um aparelho muito importante, não é?


— É sim vovô!


— Zifia pelo que este nêgo tá entendendo o telefone é um aparelho que encurta a distância aproximando pessoas, é isto?


— Exatamente vovô!


— Zifia, se uma pessoa que suncê gosta muito e sente muito a falta de comunicação com ela morasse do lado da sua casa suncê ia preferir entrar em contato com ela pelo telefone ou pessoalmente?


— Olha vovô eu preferiria pessoalmente.


— Suncê pode contar por quê?


— Perfeitamente. Para mim nada é mais importante do que o contato pessoal com aqueles que são tão caros ao nosso afeto. O telefone é importante, mas não deve substituir o carinho, a troca de energia e afeto que só o contato pessoal sabe proporcionar inigualavelmente.


— Deixa nêgo ver se entendeu: suncê tá dizendo que o telefone serve para encurtar distâncias em relação às pessoas que estão longe de nós, porque para pessoas que estão próximas nada é melhor do que o contato pessoal é isto?


— Exatamente isso vovô!


— Zifia Mercedes, nêgo véio entende que suncê veio até aqui pedir auxílio, mas, por caridade, será que Benedito pode fazer mais uma pergunta pra suncê?


— Puxa vovô, não precisa nem pedir!


— Zifia, como suncê mesma pode ver este nêgo véio não é muito chegado a beleza, mas mesmo assim ele pergunta: será que Nêgo Dito é tão feio, mas tão feio que parece um telefone?


Completamente atônita Mercedes respondeu:


— Como é vovô?


— Nêgo véio parece um telefone zifia?


— Claro que não vovô! O senhor é completamente diferente!


— Completamente diferente?


— Completamente vovô!


— Então porque zifia Mercedes deseja transformar este nêgo véio num telefone de suncê?


— Não entendo vovô!


— Não é suncê que mora na mesma casa com o seu filho Ramon?


— Sim senhor.


— Ele não lhe é muitíssimo caro?


— É sim senhor.


— E se ele mora na sua casa isso não quer dizer que ele lhe é próximo?


— Exatamente!


— Suncê quer que ele saiba que suncê se sente só em relação a ele, não é isto?


— Exatamente!


— Então por que suncê não aproveita esta oportunidade de ouro que é viver ao lado dele e não lhe diz o quanto a ausência dele a está fazendo sentir-se sozinha, triste, com medo de ser abandonada? Quem é nêgo véio pra substituir suncê no coração do seu filho? Se suncê souber quando, como e o que falar as suas palavras terão muito mais valia no coração do filho Ramon, do que qualquer palavra que este nêgo disser a ele, pois aos olhos daquele zifio nêgo véio seria apenas um telefone.


Talvez seja pelo fato do preto-velho falar das coisas que vão ao coração de um jeito tão humilde, talvez seja pelas palavras daquela entidade terem ampliado a consciência de Mercedes, ou talvez seja mesmo pelo fato dela ter carregado aquele sentimento de abandono por tempo demais dentro do seu ser: a realidade é que nenhuma destas teorias é mais importante do que o pranto transmutador que brotou dos olhos de Mercedes, desafogando o peito dela do medo e clareando o seu mental.


Após alguns instantes, e já se sentindo bem melhor, Mercedes disse a entidade:


— Vovô, o senhor me disse que se eu souber quando, como e o que falar com o meu filho o resultado será benéfico para nós dois, mas como é que eu vou saber o que quando e como comunicar-me com o meu filho?


— Simples zifia: é só suncê fazer um telefonema antes de conversar pessoalmente com o filho Ramon!


— Telefonema? Mas o senhor não acabou de dizer que é melhor falar pessoalmente?


— Este telefonema que suncê vai fazer num é pro fio Ramon!


— Não!?!?


— Não! É pra Zambi-Nosso-Pai!


— Telefonar para Deus? Vovô, o senhor está falando sério?


— Claro zifia Mercedes!


— E como é que se telefona pra Deus?


— Um telefone não serve pra comunicação?


— Sim.


— E como comunicar-se com Deus?


— Ah, entendi vovô! Eu devo fazer uma prece a Deus, não é isso?


— Exatamente zifia!


— Só que eu já fiz inúmeras preces a Deus e até agora não consegui encontrar forças para falar da minha dificuldade com o meu filho, por isto é que eu fui trazida até aqui para falar com o senhor!


— Nêgo véio sabe disto zifia: os filhos de fé são os emissores dos pedidos de auxilio divino, Zambi é o receptor destes pedidos, a oração é o telefone e nós, que suncês chamam de entidades, somos os impulsos telefônicos!


— Pois é vovô a sua definição é, mais uma vez, brilhante em tanta simplicidade, mas o que o senhor quer me dizer, na realidade, é que eu devo fazer mais preces antes de conversar com o Ramon?


— Zifia, por caridade, cite pra nêgo pelo menos dois problemas que podem atrapalhar ou impossibilitar a comunicação num telefonema entre duas pessoas aqui na terra.


— Bem, quando o telefone está mudo isto impossibilita a ligação telefônica; já quando esta é estabelecida os chiados podem atrapalhar a comunicação.


— Muito bom zifia! Foi suncê que acabou de ser brilhante!


— Eu?


— É zifia! Suncê mesma acabou de responder por que não conseguiu forças pra conversar com o seu filho apesar de sua reiterantes rogativas a Zambi.


— Eu respondi vovô?


— É zifia! Suncê até hoje não obteve a resposta de Zambi em relação aos “telefonemas” que suncê faz a Ele por conta das interferências no telefone.


— Não entendi vovô!


— Zifia Mercedes suncê mesma respondeu pra nêgo: quando o telefone está mudo a ligação fica impossibilitada.


— Desculpe, mas ainda não entendi vovô!


— Zifia muitas vezes quando suncê pega o telefone da oração pra fazer rogativas a Zambi ele está mudo e daì Zambi não recebe a mensagem de suncê!


— Quando é que isto acontece vovô?


— Quando sunce, por exemplo, faz a prece, mas se julga imerecedora de receber a benção, nêgo véio tá mentindo?


— Não senhor!


— O fato de emitir a oração com algum juízo de valor é o suficiente, por si só, pra torná-la muda, pois só Zambi-Nosso-Pai pode julgar o merecimento ou não de cada um em suas orações.


— Estou entendendo vovô, mas será que o senhor também poderia contar-me a interferência que faz a minha oração ficar com “chiados” aos ouvidos de Deus?


— Perfeitamente zifia! É quando suncê faz preces com outros desequilíbrios nos campos da fé!


— O desequilíbrio nos campos da fé provoca chiados na oração a Deus: é isto?


— Exatamente, pois a oração é por si só, um ato de fé, não é verdade?


— É verdade, agora estou entendendo Pai Benedito!


— No seu caso, como suncê bem sabe, o desequilíbrio nos campos da fé que produz os chiados em suas orações é originário do medo que suncê tem que Deus lhe dote de forças pra conversar com o seu filho e de que você, depois de conversar com ele, seja tratada de forma indesejada pelo Ramon devido à incompreensão dele.


— Não vou negar o senhor tem razão, é verdade!!!


— Pois então minha filha mudar sua postura, seu estado consciencial, continuar a ter fé em Deus sem duvidar de seu próprio merecimento e capacidade são as condições que farão a qualidade dos seus telefonemas ser a melhor possível aos ouvidos de Zambi-Nosso-Pai, suncê entendeu?


— Sim senhor!


— Então vá na força e na luz de Zambi-Nosso-Pai!


— Que assim seja e muito obrigado vovô!


— Nêgo véio é que agradece zifia Mercedes, nêgo veio é que agradece!!!







Mensagem de Pai Benedito recebida por Pedro Rangel.





segunda-feira, 2 de novembro de 2009

OLHOS DO CORAÇÃO


O corpo de Jorge repousava em seu leito em um sono dos mais profundos e foi quando o seu espírito libertou-se parcialmente do invólucro carnal que ele recebeu uma visita inusitada: um homem alto, com barba branca, rala e olhar sereno o aguardava de braços cruzados.
Fazia pouco menos de um ano que Jorge entrara na corrente mediúnica de um terreiro de umbanda onde atuava como cambone. Apesar de amar a umbanda e os trabalhos das entidades ele, devido ao seu gênio cético, sentia-se pouco à vontade para participar de trabalhos envolvendo obsessores.
A cada trabalho deste gênero que acontecia no terreiro ele observava atentamente a tarefa dos doutrinadores e das entidades junto a estes irmãos necessitados sendo que uma dúvida raramente saia de sua cabeça: “Será que tudo isto que vejo é realmente verdade?”.
Quando esta dúvida tornava-se por demais exacerbada em alguma gira o caboclo a quem ele cambonava dizia-lhe:
— Firmeza no ponto filho! Firmeza nos trabalhos!
Daí então ele procurava afastar as dúvidas e concentrar-se nas orações, mas ao sair do terreiro, aos términos das reuniões, ele invariavelmente dizia aos seus irmãos de fé em tom jocoso: sou discípulo de São Tomé!
Caboclo Rompe-mato era a entidade a quem Jorge cambonava e que ali, dentro daquele terreiro, tinha a incubência de comandar as rodas de descarrego.
Ele observava o sentimento crescente de dúvida em seu cambone a cada reunião até que em uma gira a entidade pediu a ele que assentasse no banco disposto onde aconteciam os trabalhos especiais de descarrego e em que chegavam, quando necessário, espíritos obsessores e sofredores.
Jorge já se dirigia ao banco determinado pelo caboclo quando ainda tentou argumentar com a entidade:
— “Seu” Rompe-mato, eu estou super-bem na minha vida pessoal, familiar, nos estudos, no trabalho e não sabia que estava com problemas junto a espíritos obsessores e sofredores!
Fio, não vamos ser pejorativos com o sofrimento alheio, chamemos o espírito que aqui se manifestará a implorar perdão como: irmão.
Jorge estava, de fato, sentindo-se muito bem e não entendia o porquê da realização daquele trabalho, entretanto em tom respeitoso ele respondeu à entidade:
— Sim senhor”
— Procure não usar muito o intelecto; ao invés disto sinta o amor divino em seu coração e procure oferta-lo ao irmão que aqui se manifestará tão necessitado do seu perdão. Estamos combinados?
— Sim senhor!
Jorge respondera ao caboclo sem entender o porquê da ênfase que ele dera a necessidade de perdão por parte de seu cambone por que sendo Jorge uma pessoa que não era rancorosa então ele não haveria de ter dificuldades em conceder o perdão a qualquer espírito que lhe solicitasse isto.
Mesmo sentindo-se um discípulo de São Tomé, Jorge sentou-se no banco e em poucos minutos um espírito sofredor manifestou-se em um médium que não era o mesmo que cedia o corpo físico para a manifestação do caboclo Rompe-mato.
O sofrimento do espírito era imenso e muitas lágrimas eram vertidas enquanto ele pedia perdão a Jorge:
— Perdão! Perdoe-me Ernesto! Hoje sei que o que eu fiz foi errado, mas na época eu julgava que era amor! Perdão pelo amor de Deus!
Jorge não conseguia entender nada do que acontecia, pois desde a manifestação deste espírito, no médium de nome Carlos, um ódio inexplicável brotou do seu coração em relação ao referido sofredor.
Não suportando a curiosidade e já começando a pensar que estava enlouquecendo Jorge abriu os olhos e olhou para o espírito manifestado em Carlos, mas só que ele estranhamente não conseguia ver o médium apenas o espírito incorporado; foi quando o caboclo Rompe-mato determinou-lhe:
— Feche os olhos fio! Abra somente o teu coração e procure fazer o que combinamos!
— Sim senhor!
O espírito berrava com todo o seu sofrer:
— Olhe pra mim Ernesto! Perdoe-me, daqui eu vejo que Renilda, nossa companheira de outrora, está de volta ao seu lado! Você não precisa continuar a odiar-me! Perdoe-me!
Enquanto tudo isto acontecia o caboclo Rompe-mato estendeu a destra na direção do chacra cardíaco de Jorge irradiando energias que funcionavam como um bálsamo nas emoções de seu cambone.
Foi somente assim que Jorge conseguiu respirar melhor, abrandar as emoções, abrir novamente os olhos e balbuciar para o espírito manifestado em Carlos:
— Eu te perdôo! Vá em paz!
O espírito, assim, virou-se em direção ao caboclo e perguntou:
— E então, falta pouco para eu ser livre?
— Sim meu irmão, em breve você será liberto.
— Obrigado, obrigado, obrigado!!!
Foi o que respondeu o espírito em questão antes de desincorporar.
A gira, então, prosseguiu normalmente até o seu término.
Os médiuns despediram-se com abraços fraternais antes de retornarem para os seus lares.
Jorge chegou a sua casa e, enquanto tomava um banho, encontrava-se deveras impressionado com o que lhe ocorrera na gira, mas a fome era ainda maior que sua curiosidade e ele procurou não demorar-se para lanchar.
Após uma leve refeição um sono pesadíssimo o acometeu e ele foi preparar-se para deitar.
Somente quando o sono chegou foi que o seu espírito, então semi-liberto do corpo carnal, reparou na visita que recebia em seu quarto: era um homem alto, com barba branca, rala e de olhos amorosamente serenos que o aguardava de braços cruzados.
Jorge fitava os profundos olhos azuis deste homem quando este lhe disse:
— E então, vamos?
— Você desculpe-me, mas vamos aonde se eu nem mesmo lhe conheço?
— Seus olhos podem não me reconhecer, mas o seu coração sim. Feche os seus olhos e sinta quem eu sou!
Jorge fechou os olhos e então o homem estendeu sua destra na direção do chacra cardíaco dele enviando ondas de energia que subiam em direção ao chacra frontal, na direção do “terceiro olho”, como se estivesse a estimulá-lo.
Então, tomado por incontida emoção, foi que Jorge ajoelhou-se respeitosamente e disse ao homem:
— Meu coração o reconhece e saúda senhor caboclo Rompe-mato!
— Deixe de formalidades meu filho! Faça como o de costume em dia de gira: chame a mim de “Seu” Rompe-mato.
— Sim senhor!
— E então? Vamos?
— O senhor me desculpe “Seu” Rompe-mato, mas vamos aonde?
— Ora não é você que vive dizendo aos seus irmãos de fé que é discípulo de São Tomé?
Visivelmente encabulado Jorge respondeu:
— Sim senhor!
— E você não gostaria de ver para crer se o seu perdão efetivamente serviu para auxiliar na libertação do espírito que se manifestou a pedi-lo calorosamente na gira?
— Gostaria de ver, mas não para crer, apenas para auxiliar.
— E por que não?
— Por que na última gira eu aprendi a ver pelos olhos do coração.
— Bela resposta meu filho, demonstra sabedoria.
— Na verdade eu não sei se conseguiria perdoar aquele irmão se o senhor não tivesse me doado um pouco da sua energia.
— Mas não foi a minha energia que o fez perdoar!
— Não!
— Não. A minha energia só clareou os caminhos para que você pudesse enxergar a luz do perdão divino que existe não só dentro de ti, mas de cada ser humano.
— Entendo.
— Usando um dos meus atributos eu enviei-lhe uma energia rompedora que o auxiliou a romper tristezas, mágoas e ressentimentos que estavam a obstruir o teu acesso ao caminho do perdão.
— Puxa que lindo!!!
— E então vamos?
— Estou as suas ordens!
E Jorge, acompanhado do caboclo Rompe-mato, foi até a região umbralina interligada ao espírito que se manifestara na gira do terreiro a suplicar o perdão dele.
Havia uma espécie de complexo prisional e eles pararam em frente à cela onde se encontrava o referido espírito, mas este não conseguia vê-los. Foi então que a entidade disse a Jorge:
— Vou densificar o seu corpo astral para que o irmão encarcerado possa vê-lo. Não procure dialogar com ele, apenas abra as grades e liberte-o!
— Sim senhor!
Jorge, assim, tornou-se visível ao espírito que, fortemente emocionado, bradou:
— Ernesto! Graças a Deus! Louvado seja Deus! Vejo que de fato você me perdoou! Saiba que muitos se ofereceram para abrir este portão, mas eu tinha que recusar! Eu só poderia sair daqui e ser um homem realmente livre se o meu leal amigo de outrora julgasse que eu merecesse ser liberto por meio do seu perdão e você veio, você veio! Louvado seja Deus!
Jorge percebeu que o portão não possuía tranca alguma e então o empurrou para que a cela fosse aberta.
O caboclo pedira-lhe que não travasse nenhum dialogo com o espírito encarcerado e olhar para aquele ser maltrapilho e que exalava odores fétidos era terrível para Jorge, mas foi procurando manifestar a essência divina do amor e do perdão que havia encontrado dentro de si que Jorge abriu amorosamente os braços e, procurando vencer a náusea, disse para o ex-encarcerado:
— Venha meu irmão, abraça-me!
Saindo de dentro da cela agradecendo a Deus pelo tamanho infinito de Sua misericórdia o espírito caminhou com passos inseguros em direção a Jorge e encaixou-se perfeitamente nos seus braços que se apertaram em torno dele com uma força de sinceridade tão pungente que acabaram levando ambos a copiosas lágrimas.
Após alguns instantes eles se soltaram e o espírito foi para uma zona de refazimento energético-espiritual acompanhado por um espírito que ele chamava amorosamente de “mãe”.
O caboclo, então, levou Jorge de volta a sua residência após aplicar-lhe uma descarga energética desagregadora de fluidos perniciosos.
Após estes procedimentos Jorge resolveu perguntar a entidade:
— “Seu” Rompe-mato o senhor permitiu que eu tivesse esta experiência só por que muitas vezes eu duvidava se aqueles obsessores e sofredores realmente estavam manifestados nos médiuns que lhes cediam o corpo e a mente nas giras do terreiro?
— “Só” filho? Você diz “só”? Por que você se julga tão pouco assim meu filho?
— Hein? Desculpe-me, mas como?
— Filho, entenda que uma pirâmide não prescinde da menor de suas pedras, que uma corrente jamais será a mesma se um dos seus elos se partir e que, portanto, a força mental, a dedicação, o carinho e a prece de cada filho de fé é imprescindível para que a caridade possa ser praticada no andamento de uma gira, está entendendo?
— Sim senhor!
— Em uma gira você não é mais e nem menos importante que qualquer irmão de fé ou entidade: você é tão importante quanto! O próprio mestre Jesus foi quem disse isto só que nessas palavras: “ Vos sois deuses, se tiverdes fé fareis coisas mais fantásticas das que eu fiz”; então, quem é este caboclo para desmentir o mestre eterno e amado?
— Entendo.
— Mas a experiência desta noite não aconteceu somente por este motivo, mas também para acabar com quase dois séculos de culpa, dor e sofrimento, certo?
— Sim senhor!
— Então vá meu filho! Retorne ao seu vaso corpóreo por que já é dia e o sol que está nascendo vem a despertar-lhe para os seus compromissos enquanto espírito encarnado!
— Sim senhor!
— Salve Deus!
— Para sempre seja louvado!




segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Marinheiro

Mensagem de um marinheiro recebida por Pedro Rangel


Acontecia uma gira de esquerda e José Carlos cambonava uma entidade conhecida como Capitão Miguel.
Havia um ano que ele começara a participar da corrente mediúnica daquele terreiro e, apesar de conhecer um pouquinho da forma de trabalho dos marinheiros, ele não conseguia entende-la e nem aceita-la completamente.
Nesta referida gira, então, José Carlos estava tão preocupado com as dificuldades que o afligiam que não conseguia nem concentrar-se direito na divina tarefa de cambonar.
A entidade girava para cá e atendia uma pessoa, girava para lá e atendia outra enquanto José Carlos mantinha-se com o pensamento distante; Capitão Miguel sorria para seu cambone como se nada estivesse acontecendo e continuava a prestar seus atendimentos.
José Carlos afligia-se bastante com os problemas que estavam a martelar sua mente e desconcentrava-se cada vez mais permitindo que sua mente começasse a vaguear para fora do terreiro, mas foi justamente neste instante que o marinheiro disse a ele:
— Quer resolver os seus problemas?
— Sim Capitão Miguel!
— Pois então se concentre com todo o carinho e dedicação no próximo atendimento que farei para que tudo comece a ficar mais claro para ti, ok?
— Sim senhor!
— O senhor tá no céu, agora vem comigo que eu preciso trocar uns dedos de prosa com aquela sereia!
Chegando perto de Matilde e beijando-lhe respeitosamente a destra foi que a entidade cumprimentou-a:
— Boa noite minha flor!
— Boa noite Capitão Miguel!
— Gostei do seu sorriso minha sereia! Você poderia mantê-lo no rosto enquanto eu choro suas dores?
Ao obter um franco sorriso como resposta a sua indagação a entidade passou a utilizar as glândulas e o canal lacrimal do seu médium como forma de descarregar a consulente através de pesadas e insistentes lágrimas.
Capitão Miguel nada dizia a Matilde. Só ficava a segurar-lhe a destra e a olhar no fundo dos grandes, negros e doces olhos dela. José Carlos até estranhou, mas quanto mais a entidade "chorava" mais o sorriso nos lábios de Matilde enlarguecia.
Após alguns instantes, Capitão Miguel soltou-lhe a destra e disse-lhe:
— Não se preocupe por que seu esposo vai parar de beber e a harmonia voltará a reinar em seu lar.
— Meu Deus é tudo o que eu mais preciso e quero!!!
—Leve três cigarros e uma "loura" pra eu na orla marítima que a gente finaliza o trabalho. Faça isso na terça-feira à noite e a partir das 21:00 horas!
— Com certeza que farei Capitão Miguel, mas...
— Pode falar minha flor!
— Como foi que soube do meu problema sem eu nada dizer?
— O teu sorriso me disse tudo que eu precisava e poderia saber pra te ajudar.
— Meu sorriso?
— É! Ou não é verdade que você, quando percebeu minha aproximação, pensou assim: " Deus, meu pai, é hora de deixar os meus problemas para lá e ganhar um pouco da alegria deste marinheiro"?
— É verdade!!!
— Saiba que a alegria da nossa vida vem da satisfação de poder ajudar todos aqueles que nos são permitidos por Deus.
— Alegria? Mas você chorava ao tocar na minha mão!
— Enquanto o teu sorriso era um esforço divino para espantar a tristeza, as minhas lágrimas foram uma forma de descarregar a sua tristeza através da alegria.
— Alegria?
— Sim. A alegria de encontrar um filho de fé que consegue nos ver como realmente somos.
— Não entendo!
— Muitos pensam que nós marinheiros somos seus escravos, que temos a obrigação de resolver problemas que eles mesmos criam para si próprios. Aparentemente sofrem com os problemas e desejam que sejam resolvidos; no entanto, secretamente, são seres que das brumas ainda não saíram que só encontram um sentido para sua vida através das dores oriundas dos problemas que vivem a criar na forma de casos nascentes uns após outros.
— Puxa!!!
— Encontrar uma sereia como você que nos vê apenas como "lixeiros" auxiliadores do Cristo Divino só nos faz sorrir de alegria enquanto limpamos as mazelas astrais daqueles que se fazem merecedores.
— Lixeiros?
— Qual é a casa mais limpa? Aquela que mais se limpa ou aquela que menos se suja?
— A que menos se suja!
— Pois então, muitos dos filhos de fé ao nos avistarem numa casa de umbanda despejam sobre nós todas as suas imundícies, na forma de suas mazelas conscienciais como se eles mesmos não tivessem dever algum com o asseio das suas mentes, das suas emoções e dos seus espíritos. Poucos agem como você agiu na gira de hoje ao me perceber indo na sua direção dizendo de você para o Divino Criador: " meu Deus afaste estes problemas de mim e faça com que um pouco da alegria deste marinheiro possa trazer felicidades à minha vida"; ou seja, você ao me avistar não quis se utilizar e nem abusar do meu atributo de "lixeiro"para despejar suas mazelas sobre mim, você viu o melhor em mim, você só viu a minha alegria e dela procurou compartilhar.
— Puxa Capitão Miguel, você falando assim dá até vontade de chorar!
— Não chore minha sereia, pois eu já chorei por ti nesta gira!
E, como se já houvesse falado tudo o que havia para ser dito, a entidade despediu-se de Matilde:
— Boa noite minha sereia!
— Boa noite Capitão Miguel!
Após dar algumas baforadas o marinheiro olhou para José Carlos e falou:
— E então companheiro, você se sente melhor?
— Olha, eu nem lhe falei da dificuldade que venho enfrentado e, mesmo assim, sinto-me totalmente renovado, como pode ser isso?
— Isso acontece por que o seu "lixo" já está na minha rede.
— Rede?
— É! Você não vê?
— Não!!!
— Então deixa eu dilatar um pouquinho da sua vidência e audição mediúnica: segure minha "loura" com a mão esquerda, feche os olhos, tome um gole e mentalize que está de frente ao mar.
— Deus meu que gosma nojenta é esta na sua rede?
— Este é o "lixo" que recolhi de quem me foi autorizado na gira de hoje.
— Nossa que incrível!!!
— Tão incrível que aquele seu problema com sua sereia agora nem parece tão grande, não é verdade?
— Puxa Capitão Miguel você é danado, hein? Não vou nem perguntar como o senhor sabe disto!
— Nem haveria como eu não saber!!!
— Ah é? Por quê?
— Por que você não parou de reverberar este problema desde o inicio da gira.
— É verdade!
— Reverberava tanto o seu próprio problema que nem conseguia auxiliar-me corretamente junto à assistência.
— Puxa, desculpe-me! Realmente esta é uma dificuldade que eu tenho, mas tudo o que você conversou com a irmã Matilde fez-me refletir bastante sobre este meu erro e, se Deus quiser, eu conseguirei resolver esta minha deficiência.
— Entendeu porque eu lhe determinei que se concentrasse em minha conversa com a Matilde?
— Entendi!
— Nenhum ser humano é maior que outro. Um problema de um ser humano jamais será maior que o problema de outro ser humano; então, no auxilio fraterno ao próximo, um filho de fé não deve disso se esquecer para que possa auxiliar ao seu irmão da melhor forma possível!
— É verdade Capitão Miguel!!! Penso que aprendi a lição.
— Na história de vida de um único ser humano está contida toda a história da humanidade: na história de cada um haverá alegrias com vitórias alcançadas, tristezas devido a quedas morais e esperança de que novas vitórias sejam alcançadas ao conseguirem vencer a si mesmos.
— É verdade!!!
— E, se assim é, nenhum auxilio fraterno ao próximo deve ser prejudicado por conta das dificuldades pessoais daquele que auxilia.
— Amar ao próximo como a si mesmo.
— Exatamente companheiro!!! Pois somente dando deste amor é que se conseguirá receber do mesmo.
— Entendo.
— Será que entende mesmo?
— .....................????
— A sua sereia companheiro.
— Minha esposa?
— Isto.
— O que há com minha esposa?
— Você diz que a ama muito e que gostaria que ela demonstrasse o mesmo amor por você.
— É verdade!
— Mas, será que você demonstra este amor por ela?
— Claro!
— E que amor você demonstra?
— O meu amor por ela!
— O fato de você estar ingerindo muita bebida alcoólica, aos olhos dela, será que é demonstração de amor? Os palavrões que você profere em direção aos sensíveis ouvidos dela também serão demonstração de amor?
José Carlos engoliu seco e Capitão Miguel prosseguiu:
— Por que se você chamar estas atitudes de demonstração de amor, então saiba também que é todo esse "amor" que você vem ofertando a sua sereia que a tem feito ofertar do mesmo"amor" a você só que na forma de indiferença nas intimidades entre vocês.
— Puxa!!!
— Amar ao próximo como a si mesmo também é demonstrar aquele amor que a pessoa amada espera receber de você, por que é muito fácil amar sem ter que abrir mão de você mesmo. Observe como eu seguro minha "loura".
E, dizendo isto, Capitão Miguel levantou rapidamente o casco de cerveja e tomou do seu liquido da mesma forma. Olhando posteriormente para José Carlos ele disse:
— Eu adoro espuma e é por isto que viro a minha loura desta forma quando vou tomá-la. Se eu não gostasse de espuma procuraria virar o casco de outra forma.
— É verdade.
— E você, como prefere beber a cerveja?
— Sem espuma.
— Tome aqui um gole da minha "loura".
José Carlos bebericou e procurou esconder a careta por ter ingerido o tanto de espuma que ainda estava aderida à cerveja.
— A minha "loura" desceu quadrada na sua garganta, não foi companheiro?
— Desculpe, mas foi isso mesmo!
— Pois então da próxima vez que você for agir com a sua esposa de uma forma que a desagrade procure, antes, lembrar-se de como este gole da "loura" de Capitão Miguel desceu quadrado na sua garganta e mude sua postura no agir com ela para que seu comportamento não desça quadrado em direção aos mais puros sentimentos que ela nutre por você.
José Carlos sensibilizou-se profundamente e colocou um sorriso sincero no rosto quando respondeu:
— Com fé em Deus eu farei o que me pede!
— Teu sorriso não foi tão lindo quanto o da sereia Matilde, mas eu também gostei da sinceridade presente nele.
— Puxa Capitão Miguel você surpreendeu-me!
— Eu?
— É! Pois dizem que a linha dos marinheiros trabalha com pedidos materiais, mas com a irmã Matilde o senhor não trabalhou desta forma!
— Entenda que o nosso atributo é sermos lixeiros do astral e encaminhar toda negatividade recolhida para ser esgotada no seio do Mar Sagrado, sendo que muito da sujeira recolhida advém de energias referentes a questões da vida material de vocês encarnados, está entendendo?
— Sim Capitão Miguel!
— Mas com a sereia Matilde tive que proceder diferente por que, afinal, ela em toda sua benignidade só quis ver o melhor de mim. Ela não foi logo despejando seus "lixos" em cima de mim, mesmo sabendo que meu dever é recolhê-lo. De mim ela só quis a alegria que existe no coração de cada marinheiro por trabalhar na umbanda.
— Puxa Capitão Miguel, que lindo!!!
— A maioria dos nossos consulentes pelos terreiros de umbanda julgam que nós temos a obrigação de limpar todo o "lixo" deles, mas nem se importam de receber a nossa alegria; outros, em número bem menor, entregam-nos as suas imundícies, mas também divertem-se em receber da nossa alegria.
— É verdade.
— Já a sereia Matilde foi um caso raro no trabalho deste marinheiro por que de Capitão Miguel ela só quis a alegria, chegando inclusive a rogar a Deus que levasse a tristeza dela embora para que eu não me sujasse com a sua melancolia.
— Puxa Capitão Miguel, o que o senhor hoje confessa a mim é tocante!
— Por falar em tocante, o apito do navio está tocando a nos chamar, você está escutando?
— Meu Deus é incrível, eu estou escutando!!!
— Dá licença só um instantinho companheiro!
Chamando a atenção dos marinheiros que estavam presentes no terreiro, Capitão Miguel disse:
— Vambora marujada, o barco já vai partir!
E falando com todos os médiuns do terreiro, mas olhando na direção de José Carlos, Capitão Miguel despediu-se dizendo:
— Boa noite!!!
Os marinheiros então foram desincorporando e, um a um, passaram a formar uma fila para entrar no barco atracado na beira da praia. Cada um deles carregava uma rede cheia de lixo astral para ser esgotado com a energia divina do Mar Sagrado.
Quando a última entidade entrou na embarcação a visão de José Carlos foi embora.
Todos os médiuns da corrente mediúnica do terreiro deram-se as mãos a realizar preces de agradecimento a Deus por todas as bênçãos recebidas naquela reunião, mas o que nenhum médium conseguia compreender era a insistência caudalosa com que inúmeras lágrimas deslizavam dos olhos de José Carlos por toda a sua face: é que cada lágrima representava uma prece de agradecimento sincero ao Divino Criador pelo fato dele, naquela gira, ter aprendido não apenas a aceitar o trabalho dos marinheiros, mas também a amar com todas as forças de sua alma e, principalmente, humildade do seu coração.

Saravá a toda linha de trabalho dos marinheiros!!!!!


quinta-feira, 20 de agosto de 2009

CICLOS

Mensagem de um irmão espiritual recebida por Pedro Rangel






Milênios de anos atrás dois irmãos encontravam-se sentados diante de uma fogueira acesa no interior de uma mata e sendo orientados por um dos mestres ancestrais do seu povo:
— Concentrem-se meus adorados pupilos, pois já é tempo de superarem este trauma em suas vidas!
— Desculpe mestre Athukan, mas eu não entendo como ficar sentado em frente ao fogo poderá nos ajudar a superar a saudade do vovô!
— Você não entende por que ainda não vivenciou Kunyã: é vivendo que se aprende!
— Perdão mestre, emendou Aluthapa, mas mesmo tendo aprendido com o senhor coisas significativas sobre a vida espiritual nos é difícil aceitar a morte de nosso avô! Sabemos que ele continua a viver, mas mesmo assim é difícil para nós!!!
— Então fechem os olhos meus aprendizes, pois eu fui incubido de vos auxiliar com algumas coisas que vocês precisam ver. Concentrem-se em suas visões e só abram os olhos quando escutarem o bater de palmas em minhas mãos.
Os dois irmãos, gêmeos idênticos de doze anos de idade, obedeceram prontamente à determinação de seu líder espiritual e somente depois de vários minutos foi que escutaram o bater de palmas e, assim, abriram os olhos.
Mestre Athukan aguardou alguns instantes e depois solicitou a Aluthapa:
— Conte-nos o que você viu meu pupilo!
— Mestre a visão foi esquisita, mas foi assim: a nossa terra estava afogando em água enquanto o meu avô, encarnado em outro corpo, escapava com os poucos de nosso povo que haviam dado atenção para os seus alertas de que isto aconteceria; na minha visão, inclusive, a nossa terra era rasgada em várias partes diferentes pelo mau uso psíquico e magístico que dávamos aos cristais.
— E qual seria a justificativa para você classificar a tua visão como “esquisita”?
— Perdão mestre, mas isto é óbvio!
— Então diga!
— O nosso povo não se utiliza de cristais!!!
— Ainda!!!
— Como?
— Aluthapa, tudo tem o seu inicio, meio e fim para que um reinicio seja possível e você será o início de um novo ciclo para o nosso povo.
— Mas, como?
— Aluthapa, você bem sabe que viemos das estrelas!
— É verdade mestre!
— Este conhecimento sobre os cristais você traz dentro de si desde quando vivíamos em nossa estrela.
— Mas como vou avivá-los em minha memória? Quem será o meu iniciador?
— O espírito que você chama de avô. Saiba que o ciclo para o qual ele preparou o nosso povo, há muito tempo, chegará ao fim e você, quando for à hora certa, iniciará a nossa gente no último ciclo que eles viverão aqui nessa terra.
— Mas, mestre eu tenho medo!
— Não tema Aluthapa, pois um fruto só despenca naturalmente de uma árvore quando está pronto para ser utilizado como sustento ao próximo; mas, conte-me o motivo de seu temor!
— É que se eu iniciarei o nosso povo no uso dos cristais e se ele se destruirá justamente pelo mau uso destes, então eu serei responsabilizado por esta destruição.
— Aluthapa, para que o fogo foi criado?
— Para nos guardar do frio.
— Mas e se alguém quiser utilizá-lo para a destruição?
— Acho que entendo aonde quer chegar mestre: tudo que o Divino Criador gerou Ele o fez para o nosso bem, mas se alguém quiser utilizar-se do fogo criado por Ele para fazer o mal à culpa não será Dele e nem daquele que primeiro conseguiu manipular este elemento, mas tão somente da pessoa que perverteu o seu uso divino.
— Muito bem meu kerrish*, creio que você percebeu que o mesmo exemplo do fogo aplica-se em tudo gerado pelo Divino Criador, incluindo os cristais, certo?
— Certamente mestre, mas em quantos anos isto acontecerá?
— Anos? Mas podem ser muitas décadas ou também muitos séculos, não é verdade?
— É verdade mestre, o nosso tempo cronológico não é parâmetro para a passagem do tempo presente em vosso plano!
— Só o que posso lhe dizer é que tudo acontecerá na hora exata, certo?
— Certo mestre!
— Mas e você Kunyã? Diga-nos o que você enxergou em sua visão!
— Mestre, a minha visão não foi menos estranha que a de Aluthapa; aliás, parece que a minha visão completa a dele por que eu vi que estava em um outro corpo, junto com o meu avô, como um daqueles poucos que deram atenção às suas advertências de que nossa terra seria submergida pelas águas do mar. Após este grande cataclismo nós andamos por tempos infindáveis até encontrarmos uma nova terra para o nosso povo.
— E qual foi o motivo do estranhamento em sua visão?
— É que com o passar do tempo a estrutura corporal do nosso povo mudou bastante, sendo nossa pele muito, mas muito avermelhada.
— Na realidade não há motivos para estranhamento Kunyã, pois quando o ciclo do nosso povo iniciado por Aluthapa chegar ao fim, o que ainda levará décadas de séculos, você iniciará com eles um novo ciclo em uma nova terra.
— Mestre é incrível!!!
— Um dia este ciclo iniciado por você também chegará ao fim para que um outro ciclo possa ser iniciado.
— Verdade?
— Certamente. Quando o ciclo iniciado por você chegar ao fim muitos pensarão que o nosso povo foi extinto, mas isto não será verdade: eles só terão retornado para o seio de nossa estrela, isto é, aqueles que não ficarem presos à prática do mal a cada novo corpo de carne que receberem, pois estes continuarão na carne até que expiem suas práticas nefastas e seus remorsos conscienciais.
— Nossa mestre!!!
— Não há do que se espantar meu kerrish. Uma gota de água quando está no estado físico de vapor juntamente de suas irmãs formando uma nuvem muitas vezes não quer descer da seguridade do firmamento para caírem na terra, você entende?
— Sim senhor.
— Muitas morrem de medo de caírem e se sujarem na terra, outras de caírem no mar e tornarem-se salobras.
Os discípulos sorriam com a estória de Athukan e este continuou a contá-la:
— Já outras gotinhas da nuvem muito abnegadamente esquecem de si e procuram descer ao solo com um sorriso de satisfação no seu rosto molhado justamente por saberem da sua importância na continuidade da existência da água no planeta e que se explica por um fenômeno conhecido como ciclo da água.
— Maravilhoso mestre!
— Na verdade Kunyã maravilhosa mesmo é a sabedoria do Divino Criador que faz o mundo evoluir independente da vontade de suas criaturas que nele habitam. Evolução é mudança meus discípulos e a vida há que estar sempre mudando para que possa evoluir!!! A gota que não quer despencar dos céus desce das nuvens a despeito deste fato e descobre novas formas de existir e estar no mundo aprendendo, por exemplo, que tornar-se salgada por cair no mar não é só pesar ao sentir também a delícia que é ter todo o seu corpo mais leve devido à salinidade do mar, não é verdade?
— Sim mestre!
— E não tenham dúvida que esta mesma gotinha d’água quando tiver voltado a ser nuvem não terá mais medo de despencar dos céus e cair no mar outra vez e por que isto aconteceu? Por que o mundo evolui independente da vontade de seus habitantes ou, no caso da gotinha, por que o fenômeno da chuva ocorre independente da vontade da água.
— Incrível mestre!
— E assim como acontece com uma gota de água isto também ocorre em toda a criação divina e você, seu irmão, seu povo e seu avô não poderiam se furtar ao processo da evolução que a sabedoria infinita do Divino Criador fez para existir em ciclos, onde o fim de um não elimina o anterior, mas o aperfeiçoa.
— É verdade mestre!
— Na natureza as criaturas irracionais respeitam e obedecem à determinação cíclica da vida ofertada pelo Divino Criador; já o ser humano, devido ao mau uso da racionalidade, muitas vezes se rebela contra os ciclos da vida e muita dor proporciona aos seus semelhantes.
— E, a esta observação, os pupilos de Athukan responderam em uníssono:
— É verdade mestre!
— Nunca se esqueçam meus queridos aprendizes de que viemos banidos das estrelas principalmente por não aceitarmos a evolução natural e cíclica da vida e, com isto, tentarmos burlar a divina Lei da reencarnação.
— Nós não esquecemos mestre Athukan!!!
— Então porque estavam a tanto lamentar a perda do avô de vocês antes de terem as vossas visões? Não pensem vocês que eu não entendo o estreito laço entre vós e o espírito que chamam de avô, pois eu bem sei que ele se perde no tempo ao longo das inúmeras reencarnações que vocês já tiveram juntos; mas se eu vos falo com esta severidade é por que bem sei quanto o inconformismo pode avolumar-se até transformar-se em rebeldia e destruição, vocês me entenderam?
— Sim mestre Athukan!
— Então fechem novamente os olhos e concentrem-se, pois neste exato momento um ciclo diário da vida de vocês precisa chegar ao fim para que um outro possa ser iniciado.
Com os olhos arregalados e assustados os irmãos perguntaram a Athukan em uma só voz:
— Mestre, o senhor está dizendo que vamos desencarnar já?
Esboçando um sorriso incontido na face, o mestre respondeu aos seus discípulos:
— Não estou falando de desencarne e sim do ciclo do sono físico de vocês que está pertíssimo do fim.
Tanto Kunyã quanto Aluthapa, sentindo-se aliviados com aquela resposta, responderam simultaneamente:
— Graças ao Divino Criador!!!
— Entendam que quando vocês despertarem se esquecerão de quase tudo que hoje foi vivenciado, mas viverão bem com as emoções que forem provocadas no corpo físico ocasionadas pela saudade do avô de vocês devido, tanto ao esclarecimento obtido quanto pelo fato de seus corpos astrais terem sido banhados com a energia equilibradora do fogo.
— Obrigado por tudo mestre!
— Não me agradeçam meus Kerrish e fechem os olhos para que possam despertar!
— Sim senhor!!!
— Fiquem na paz!!!
— Estejamos todos na paz mestre!!!






* KERRISH = o mesmo que discípulo, aprendiz, aluno, etc.

sábado, 18 de julho de 2009

NÊGA SALU

Alguns séculos atrás,na região norte do estado de Alagoas, Nêga Salustiana revirava os olhos na senzala e respirava ofegante tentando entender o que acontecia com ela; uma dor aguda apertava o canto esquerdo do seu peito enquanto ela recordava momentos de sua encarnação presente:
Vivera boa parte da vida na senzala, mas trabalhara na casa grande dos vinte aos cinqüenta anos de idade.
A única coisa que a entristecia era o fato de não ser chamada pelo nome, mas de aberração devido ao fato de ter nascido com uma deficiência que lhe deformava a face.
Entretanto, provavelmente, o mais impressionante na Nêga Salu era o fato dela sempre procurar servir com um sorriso no rosto. Por conta desta característica, inclusive, era muito ofendida: " do que você ri, negrume do inferno?", "Já que você está tão feliz eu vou dobrar os seus trabalhos"; só que nem a própria Salustiana entendia o porque daquele sorriso teimar tanto em brotar de seus lábios constantemente, mas também ela pensava: "se eu não me sinto triste, por que não posso sorrir?"
Quando estava com trinta anos a vida de Salustiana mudou: um certo dia ela foi até a horta retirar algumas folhas de boldo para fazer um chá para a filha mais nova da sua sinhá quando teve uma visão: foi um homem alto, com vestes estranhas e um olhar profundo, duro e penetrante que lhe disse:
— Sua missão deve começar agora!
— Missão?
— Sim. Colocar em prática todo o conhecimento com ervas que você aprendeu do lado de cá.
— Como assim? Suncê é o novo sinhô de Nêga Salu?
— Não Salu. Você é que é minha senhora! Durante muito tempo atrás teus erros passados fizeram-te servir-me no embaixo, mas, mesmo assim, nunca deixei de ser-lhe um servo.
— Suncê fala umas coisa muito difícil pra Nêga entender.
— Você não me entende com a mente, mas sente a verdade do que lhe digo com o seu coração, não é assim?
— Isso inté que é!!!
— Então, isto que é importante: seu coração sentir a presença do Divino Criador e manifesta-la através de seus gestos e sorrisos.
— Nêga tem evitado de sorrir!
— Mas, por que?
— Pra num ser chamada de nêga do inferno.
— Mas, qual o problema nisso?
— Isso num tem problema nenhum porque Nêga sabe que o inferno não tá fora, mas dentro do coração do homem; mas é que toda vez que Nêga é tratada de aberração ela lembra do defeito no rosto e sente tristeza.
— Pois a partir de agora toda vez que você for tratada como aberração, você dará um sorriso de agradecimento pela misericórdia de Deus, sabe por quê?
— Não sinhô!
— Por que seu reencarne pedia este disfarce para afastá-la dos seus inimigos espirituais, entenda esta deformidade como um disfarce proporcionado pela sabedoria divina, entende?
— Sim sinhô!!!
— Esta tua atual reencarnação é importante oportunidade que tens de trabalhar com afinco na caridade para que venha, no momento certo, assumir o seu grau na luz.
— Mas, o que é caridade meu sinhô?
— Caridade é procurar fazer o bem sem olhar a quem, sem interesse algum e, se possível, com um sorriso no rosto como você bem sabe dar.
— Bondade sua, meu sinhô.
— Preciso ser breve Salustiana, pois a sua sinhaninha precisa das ervas para restabelecer a saúde.
— É verdade! Deixa eu pegar meus boldo!
— Não Salustiana, não toque no boldo!!!
— Mas, como Nêga vai fazer o chá sem folhas?
— A resposta está dentro de ti Salu.
— Mas, Nêga num conhece ervas!
— Conhece sim Salu e muito e, a partir de agora, será a hora em que você disto se recordará, feche os olhos!!!
Nêga Salustiana fechou os olhos e viu em sua mente a erva comumente conhecida como chapéu-de-couro e foi quando ela respondeu a seu interlocutor:
— Eu vi, eu vi, meu sinhô!!!
— Então pegue as folhas e faça o chá!!!
— Mas a sinhá vai brigar por que ela mandou Nêga trazer boldo.
— E o que é mais importante: satisfazer o seu orgulho em nunca ter levado uma reprimenda dos seus senhores, ou ter paz no espírito em se ver que se está cumprindo uma missão?
— Você tem razão meu sinhô: é preferível eu ter paz no meu sorriso do que viver com um sorriso amarelo, por isso é que Nêga vai pegar o chapéu-de-couro!
— Nunca se esqueça Salustiana: Deus é contigo! Confie em si mesma! Confie no conhecimento armazenado em seu espírito e use as ervas em favor do próximo, pois são elas que, um dia, te levarão de volta ao seu grau.
— Sim meu sinhô, Nêga vai trabalhar!
Assim respondeu Salustiana, mas aquele ser misterioso já havia ido embora.
Salustiana não desviava da sua missão um segundo sequer: "aprendeu" a benzer, curar, fazer chás, poções e tudo o mais que fosse relacionado aos vegetais; sendo que a primeira destas curas foi com a filha de sua sinhá. Inclusive, esta, vendo o resultado fabuloso que sua filha obteve com a prescrição fitoterápica de sua escrava Salu, passou a testá-la com o trabalho de ervas nos escravos debilitados organicamente da sua fazenda e, depois do resultado positivo de tantos testes, a sinhá de Salu concluiu que ela era praticamente infalível.
Após esta constatação a sua sinhá proibiu-a de colocar os pés outra vez na senzala sendo que Salustiana só atendia àqueles que seus senhores ordenavam.
Uma certa noite, no inicio de sua tarefa fitoterápica, Salu estava colhendo algumas ervas quando um irmão de sina e cor pediu sua presença para auxiliar um velho negro que se encontrava doente na senzala, mas foi impedida de fazê-lo por um capataz que tinha a missão exclusiva de vigiá-la.
Este velho escravo morreu poucos dias depois e nenhum negro daquela fazenda jamais olhou outra vez nos olhos de Salustiana sendo que muitos até cuspiam no chão discretamente quando passavam perto dela: pensavam nela como uma traidora.
Mas Salustiana não tinha tempo para ficar triste tamanha era a quantidade de trabalho a que era submetida, pois se das seis as dezoito horas ela trabalhava normalmente na Casa Grande, a partir das vinte horas ele devia sempre estar disponivel para atender aqueles que lhe fossem encaminhados por seus senhores, sendo que quase a totalidade destes eram escravos de outras fazendas encaminhados até ali por seus senhores. Salustiana, enquanto escrava, nada ganhava economicamente para exercer esta tarefa, mas os senhores dela ganharam um bom dinheiro explorando esta habilidade dela com as ervas.
Tanto era o trabalho de Salustiana que no dia em que completou quarenta e três anos de idade sua aparência era de mais de sessenta.
Aos quarenta e cinco anos ela começou a manifestar um sério problema no coração e sua sinhá resolveu diminuir consideravelmente as suas tarefas na Casa Grande: só o que não diminuía era o seu trabalho com as ervas.
Poucos anos depois o senhor de Salustiana manifestou uma grave enfermidade na estrutura óssea do corpo físico.
Salu era convocada a intervir e muito minorou o sofrimento de seu senhor, mas não houve jeito e alguns meses depois ele veio a falecer.
A sinhá acusou Salu de incompetente, ineficiente e a devolveu, aos cinqüenta anos de idade, para a senzala.
A sinhá também aumentou consideravelmente a carga de trabalho de Salu; fato que agravou ainda mais os problemas em seu coração e, para completar, o desprezo dos escravos por ela não diminuira em nada com o tempo.
Nem é preciso muito esforço para se prever que poucas semanas após estes infortúnios encontraríamos Salustiana a revirar os olhos e respirar ofegante, com pontadas no lado esquerdo do peito, tentando entender o que acontecia com ela.
Forçando as vistas ao olhar o canto esquerdo do portão de entrada da senzala ela viu surgir na sua frente aquele mesmo ser que vira na horta da Casa Grande décadas atrás. Foi ele quem disse a ela:
— O que você teme?
— Num posso morrer agora meu sinhô, num posso!
— Por que não?
— Minha missão está incompleta, eu passei a vida curando com muito amor quem a minha sinhá e o meu sinhô queria e quando Deus me deu a chance de tentar reconquistar o amor de meus irmãos de raça aqui da senzala e trabalhar por eles eu num posso morrer!!!
— Sua missão está encerrada, você conseguiu completa-la!
— Mas, como? Meus irmãos têm ódio por mim!
— Um dia tudo será entendido, mas agora você precisa vir.
— Tudo bem, eu confio no sinhô!!! Me leva meu sinhô!!!
Imediatamente após o desencarne Salustiana era pura luz e, achando tudo aquilo bem estranho, perguntou a seu interlocutor:
— Que luz é esta meu sinhô? Quem é suncê, meu sinhô?
— Esta é a luz de Deus que trouxeste até a ti própria, pela prática do bem; quanto a mim, podes chamar-me de guardião da porteira.
— Guardião da porteira? O senhor abre portas?
— Não, sou só um atravessador!!! Atravesso pelas portas de Deus aqueles que, pela prática da caridade, conseguem abrir essas portas.
— Então o senhor veio me atravessar?
— Já lhe atravessei da morte para a vida.
— Mas eu morri, tô morta!!!
— Não Salustiana, você está viva na verdadeira vida que é a espiritual, agora feche os olhos e concentre-se para que possas retornar ao seu lugar original.
Assim foi feito e assim Nêga Salu, graças à prática incessante e abnegada da caridade conseguiu retomar o seu posto na luz na hierarquia divina.
Atualmente ela trabalha como uma preta-velha juremeira que trabalha no campo santo: através das ervas ela cura, sara e regenera àqueles espíritos que se fazem merecedores a fim de que possam ser levados para seus lugares de merecimento.
Nêga Salu, por onde passa, não cansa de repetir uma frase que tanto vivenciou em sua última encarnação: fora da caridade, não há salvação!!!

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Conversando com Exu

Certa vez eu caminhava à noite por um deserto muito, mas muito frio. A temperatura estava tão baixa que eu tinha a convicção de que se ali não estivesse fora do corpo físico, já haveria "congelado" por hipotermia.
Eu caminhava sem saber nem mesmo o porquê, só sentia algo dentro de mim determinando que procedesse desta forma.
Andei até que escutei uma sonora gargalhada que vinha de uma pequena inclinação localizada a minha direita. Subi inclinação acima e dei de frente com um ser que se encontrava ajoelhado ao solo e que me fitava seriamente como se estivesse a me esperar.
Caminhei passo-a-passo na sua direção e foi quando dele escutei:
— Salve cabra, senta no chão!
— Salve senhor Exu!
Foi o que intuitiva e respeitosamente respondi enquanto me sentava no solo arenoso.
— Como vai cabra?
— Vou bem senhor Exu, na força de Deus Pai.
— Fico satisfeito em escutar isto de ti, pois o assunto desta madrugada será sério por demais.
Preparei o coração e os ouvidos por que senti que vinha "chumbo grosso".
— A conversa desta noite será breve, mas nem por isso deixará de ser séria.
— Sim senhor.
— Um médium entra pela primeira vez para a corrente mediúnica de um terreiro de umbanda e começa a exercer o divino ato de cambonar as entidades; acontece que depois de algum tempo exercendo tal tarefa este médium começou a considerar esta sublime tarefa repetitiva, está acompanhando?
— Sim senhor!
— Pois bem, devido a este sentimento de repetitividade o referido médium passou a desejar ardentemente que as entidades começassem a se utilizar do seu corpo físico e da sua mente através da incorporação. Mas como filho de umbanda não tem querer isto só começou a ocorrer dois anos após sua entrada na corrente mediúnica. Ainda acompanhando?
— Perfeitamente, senhor Exu!
— Pois saiba que algum tempo depois que as entidades começaram a incorporar no médium este passou a achar o fato delas incorporarem e ficarem quase sempre parada no mesmo lugar, e fazendo as mesmas coisas, bastante repetitivo e começou a ansiar que as entidades que o assistem nas incorporações auxiliassem nas rodas de descarrego, está entendendo?
— Estou sim, senhor Exu!
— Algum tempo depois que as entidades passaram a trabalhar nas rodas de descarrego este referido médium também começou a achar este trabalho repetitivo e passou a desejar que as entidades que o assistem prestassem consultas a assistência, ainda me acompanhando cabra?
— Sim senhor!
— Algum tempo após este período as entidades que assistem a este referido médium em suas incorporações começaram a prestar consultas para a assistência e, após algum tempo, ele passou a considerar esta também sublime tarefa bastante repetitiva e começou a ansiar por algo que ele nem sabia o que era, ainda está atento ao que digo?
— Sim senhor Exu!
— Então me permita continuar a história: o tempo passou e como já estava prescrito no desenvolvimento mediúnico do médium, ele começou a ser utilizado por seus mentores para trabalhar a favor da caridade em espírito durante as noites de sono e, após algum tempo, começou a considerar esta tarefa repetitiva, está me entendendo?
— Sim senhor!
Como o Exu calou-se e começou a fitar-me com olhos inquisidores eu perguntei a ele:
— Acabou a história senhor Exu?
— Sim!
— Posso lhe fazer uma pergunta?
— Já estava esperando!
—Eu gostaria de saber, se possível, o seguinte: porquê essa sensação de repetitividade recorrente na vida mediúnica do médium em questão?
— Por que ele se ilude querendo e ansiando sempre por um algo mais por considerar-se um iniciado.
— Meu Deus!!! Então quer dizer que este médium está sendo assessorado por espíritos mistificadores?
— Não cabra! Na verdade até mesmo um iniciado ele é, ele só precisa retomar o foco!
— Como?
— O foco cabra! Qual é o foco de qualquer tarefa, atividade ou trabalho umbandista?
— A caridade!
— Que bom você responder-me com uma afirmação ao invés de uma interrogação, pois isto significa que você não tem dúvida alguma no que diz respeito a isto.
— Mas se o senhor diz que o médium em questão é um iniciado por que também diz que ele encontra-se iludido?
— Por que toda e qualquer tarefa umbandista tem, aos olhos do Divino Criador, o mesmo valor. Não existe tarefa mais valorosa que outra: um cambone cuja meta é a caridade desinteressada está trabalhando por sua evolução o mesmo tanto que o chefe de um terreiro de umbanda se este labuta da mesma forma em favor da caridade. Você entende?
— Sim senhor!
— O valor do médium cuja entidade comanda uma roda de descarrego é o mesmo do que qualquer iniciado se ambos possuem no coração o desejo de ao próximo fazer o bem. Já estive em muitas tendas, casas, centros e terreiros de umbanda onde o valor equivocado de uma iniciação fez com que a vaidade e o inconformismo encontrassem acesso no mental e coração de muitos médiuns!
— Fazendo com que caíssem mediunicamente senhor Exu?
— Nem todos, mas fazendo com que trabalhassem com menos da metade da metade dos seus potenciais, certamente!
— Como assim?
— Imagine três operários que estão construindo uma edificação em comum. O primeiro não sabe o que será construído; o segundo sabe somente que será uma escola e o terceiro, além de ter consigo a mesma informação do segundo operário, sabe que não só os seus filhos, mas também os filhos dos seus dois colegas estudarão gratuitamente naquela futura instituição de ensino, entendeu cabra?
— Sim senhor Exu!
— Então eu lhe pergunto: os três ganharão o mesmo salário, mas qual deles provavelmente trabalhará com maior motivação?
— É muito mais provável que seja o terceiro operário!
— Pois bem cabra, todo médium umbandista está trabalhando a favor de uma edificação denominada EVOLUÇÃO ESPIRITUAL cuja matéria-prima básica é de conhecimento de todo médium e denominada CARIDADE, você entende?
— Sim senhor Exu!
— Então responda-me por que tantos médiuns umbandistas mesmo conhecendo as verdadeiras motivações que se deve ter para freqüentar a corrente mediúnica de um terreiro quais sejam, caridade e evolução espiritual, ficam tão ansiosos por uma iniciação a ponto de visualizarem o trabalho de fazer o bem ao próximo como repetitivo se isto não ocorre ou demora para acontecer?
Pensei, pensei e pensei, mas só consegui responder:
— Não sei senhor Exu!
— Mas eu já lhe disse hoje mesmo!
— A ilusão?
— Exatamente! Muitos médiuns vêem a iniciação de uma forma que não é a real.
— Como?
— Cabra, o que é um iniciado?
— Seria alguém que sabe manipular um mistério?
— A resposta, em parte, é essa. Agora diga-me: o que é uma iniciação?
— O aprendizado de como manipular um mistério?
— A resposta, também em parte, é essa. Agora responda-me uma última questão: qual o objetivo providencial de uma iniciação e dever moral e ético de todo iniciado?
Talvez lendo os meus pensamentos e vendo que eu estava "viajando" foi que o Exu disse a mim:
— Dê-me a resposta cabra, só não se esqueça de que Deus é simplicidade, assim como as coisas dele.
Foi aí que imediatamente respondi ao senhor Exu:
— A caridade!
— Gostei de ver outra vez cabra, pois novamente você respondeu-me com uma afirmação ao invés de interrogação.
— Entendo.
— É uma ilusão um médium deixar o desejo de fazer o bem esmorecer por querer alcançar algo que os seus próprios merecimentos não lhe facultam. Por que um cambone vai ter pressa de incorporar e esmorecer no desejo de fazer o bem quando ou enquanto isto não acontece se o ato de cambonar também é caridade?
— O senhor tem razão!
— Querer é uma coisa poder é outra ou, como disse Jesus, muitos são os chamados, mas poucos são os escolhidos.
— Como assim?
— O suposto médium da história que estava a lhe contar, lembra-se dele?
— Sim senhor!
— Pois eu lhe digo que ele está entediado em fazer o bem por julgar que está sendo demorada a sua iniciação. Acontece que ele mesmo está atrapalhando a sua própria iniciação por ter perdido o foco de que o objetivo principal dela é a caridade, quando este problema for resolvido a iniciação dele poderá ser iniciada.
— Entendo.
— Este Exu vê com muito desgosto quando um médium se enche de empáfia e vaidade para se dizer um iniciado disto ou daquilo. Manipular um mistério qualquer iniciado aprende, agora manipula-lo com maestria é para poucos: muitos os chamados e poucos os escolhidos, entendeu?
— Sim senhor Exu!
— O principal objetivo na manipulação de qualquer mistério para qualquer iniciado deve ser a caridade. Na verdade entenda que há muitos seres leigos em magia, mas que manipulam certos mistérios melhor do que muitos iniciados.
— Sério?
— Certamente. Imagine um brilhante professor universitário e responda se este é ou não um habilíssimo manipulador de parte do mistério do saber?
— Meu Deus é verdade!!!
— Imagine uma excelente e devotada mãe a cuidar zelosamente de sua prole e responda se esta é ou não uma habilíssima manipuladora de parte do mistério do amor?
— É verdade senhor Exu e a lógica também é impressionante!!!
— Esta mensagem eu posso dizer que é para todos, mas como estou ditando-a a você, peço que coloque-a em prática a cada dia de sua vida: mediunidade não torna ninguém melhor e iniciação não faz ninguém evoluir se não houver a prática da caridade pois, como já disse um grande iniciado no amor e saber religioso: " fora da caridade não há salvação!"
— Estou entendendo!
— E um médium, um iniciado deve labutar para tornar-se não melhor que os outros, mas melhor que ele mesmo, pois quanto mais bem ao próximo ele equilibradamente fizer, mais ele conseguirá evoluir moral e espiritualmente em direção a Deus, entendeu?
— Sim senhor Exu!
— Então salve cabra!
— Salve senhor Exu!