quinta-feira, 30 de maio de 2013

SEMENTES DA UMBANDA



Em uma cidade interiorana localizada na região sudeste do Brasil e bastante freqüentada por turistas que praticam a pesca vivia, já há dois anos, um sujeito de 42 anos e cujo nome era Antônio.

Apesar do seu modo de vida pacato Antônio não era bem visto pela comunidade local. Nada era falado abertamente, mas Antônio sabia que isto acontecia pelo fato dele e da esposa professarem a fé umbandista.

Toda quarta-feira a noite, das 20:00 as 22:30 horas, o Caboclo Urubatão da Guia incorporava em seu médium e realizava os trabalhos pertinentes a cada reunião.

Apesar dos convites de Antônio e de sua esposa Neusa nenhum morador jamais participara das reuniões que aconteciam em cômodo amplo e localizado nos fundos da residência.

Antônio recebera uma promoção em seu trabalho e mudaria daquela cidade com sua companheira em quinze dias.

O tempo correu célere e no dia anterior a mudança Antônio, ao despertar e após a refeição matinal, preparou juntamente à esposa o cômodo para manifestação espiritual que ocorreria e da qual fora alertado durante o sono físico.

Após toda a ritualística eis que a entidade incorporou em Antônio dizendo a Neusa, sua cambone:

− Quando vocês se mudaram para cá nós dissemos que iríamos plantar sementes!

− É verdade Sr. Urubatão mas, com todo o respeito, acho que esta “terra” não deve ser muito fértil.

− Engano seu filha! Foram dois anos de arado, mas hoje é o dia da semeadura!

− Hoje? Como assim? Nós vamos embora amanhã!

− Vocês vão, mas as sementes, na força de deus, aqui permanecerão e germinarão.

− Não entendo Sr. Urubatão! Assim como não entendo porque hoje o senhor incorporou tão cedo no Antônio.

− O bom semeador é aquele que respeita o tempo da semente! O tempo filha é agora!

− O senhor poderia explicar?

− Filha prepare minhas folhas e meu terço! Temos que preparar tudo porque logo os convidados vão chegar!

− Convidados? Ninguém nunca veio aqui!

− Mas as portas sempre estiveram abertas, certo?

− Sim, certamente!

− Então hoje alguém virá!

− Quem senhor Urubatão?

− A família do curumim Manoela!

− A famíla da Manu? Como? Eles estão há mais de mês em São Paulo em busca de cuidados médicos para aquela menina que mal tem dois anos de idade.

− Os doutor de jaleco branco não acharam nada filha e nenhum médico jamais poderia achar por que a doença da criança nada mais é do que fruto de feitiçaria.

− Creio em deus pai!

− Eu também creio filha, vamos trabalhar?

E durante muito tempo ela cambonou a entidade na realização de todos os procedimentos necessários para a prática da caridade.

A família de Manoela era vista como a mais rica daquela localidade; eram pessoas simples e corretas, mas que devido à condição social ainda se deixavam iludir pelo poder do dinheiro. Chegavam de viagem, desesperançados e desesperados, pois sentiam o fôlego de vida de sua primogênita se esvair a cada dia.

A tarde estava prestes a iniciar quando a mãe de Manoela, vencendo todo o preconceito presente no local, adentrou o terreiro. Ela estava transtornada quando falou a entidade:

− Disse ao meu esposo que traria minha filha até aqui, mas ele deu de ombros e disse que aqui não poria os pés.Não sei bem que tipo de trabalho vocês fazem por aqui, mas a saúde de minha filha vem em primeiro lugar, por favor ajude-a por que eu já não agüento mais....

− Calma filha! Primeiro dê um abraço neste Caboclo e ponha o seu pranto pra fora. Entendo o seu sofrer, mas a paz deve reinar em seu coração para que o poder de Deus possa afugentar as nuvens de desespero e fazer brilhar o sol da esperança.

Abraçada a entidade ela disse:

− Estivemos em São Paulo, com os melhores médicos, e eles desenganaram nossa garotinha, não conseguiram descobrir o que ela tem! Temos a nossa fé e por meio dela também tentamos a cura de nossa filha, mas também sem sucesso! Os médicos disseram que ela não tem mais do que dois meses de vida.

Todos choravam copiosamente, incluindo a cambone da entidade.

O Caboclo Urubatão clamou por fé e oração a todos os presentes e disse a mãezinha da criança:

− Filha percebo que você está um pouquinho mais calma, mas antes que eu possa realizar qualquer procedimento eu devo lhe dizer que aqui é uma casa de oração que realiza ações em favor do próximo sem cobrar coisa alguma em troca. Somos uma casa de Umbanda, sou falangeiro de Deus, da Justiça, do amor e da verdade: sou o Caboclo Urubatão da Guia. Trabalhamos respeitando a lei do livre arbítrio e por isto devo esclarecer que só poderemos tratar de seu curumim se você estiver certa disto, entende?

− Entendo sim senhor! Este local vibra a paz e sinto que muito deste sentimento é irradiado por você. Que seja feita a vontade de Deus!!!

A entidade esboçou um leve sorriso de emoção nos lábios quando escutou esta última frase e disse a ela:

− Então filha, por caridade, entregue-me a criança!

Após a realização de todos os procedimentos necessários a entidade colocou a criança deitada no chão em local onde estavam forradas várias folhas de mamona.

Assim que fora disposta no local a criança adormeceu.

A genitora contou que a filha mal conseguia se alimentar, pois regurgitava a maior parte dos alimentos que ingeria independente de sua consistência.

Contou ainda muitos outros fatos pertinentes ao caso e receberam a orientação necessária da entidade amiga.

O Caboclo Urubatão evocou a Deus e realizou a purificação de energias perniciosas que provocavam a enfermidade na criança, além de outros procedimentos necessários para sua convalescença.

Por volta das 15:00horas ela despertou pedindo biscoitos a mãe. Manoela parecia outra criança, pois sua pele voltara à coloração normal e ela possuía outro ânimo.

A entidade disse a mãe:

− Seu curumim está curado pelo poder de Deus! Agora é só você iniciar o tratamento com as ervas que passamos para ela.

− O que ela tinha?

− Não se preocupe! Preocupe-se apenas em ter uma vida mais harmoniosa com todos ao seu redor! Classe social, raça e dinheiro não tornam ninguém melhor que o outro, pois tudo que é matéria se iguala na hora da Grande travessia!

− Grande travessia?

− Sim! Aquilo que vocês chamam de morte!

− Entendo! Não tenho nem como lhe agradecer!

− E nem precisa! Só agradeça a Deus! Somente Ele merece toda a honra!

A família foi embora, mas não a entidade. Neusa estava preocupada, pois Antônio se alimentara pela última vez as 09:00 horas da manhã. Ela externou sua preocupação a entidade que disse-lhe:

− Não se preocupe filha Neusa, pois o cavalinho está bem! Para a segurança dele nós só subiremos após pitar o último charuto!

− Mas nós vamos nos mudar amanhã! O senhor trabalhou o dia inteiro! Os charutos acabaram!

− Charuto de Caboclo está na cachoeira filha! Está na cachoeira!

Somente por volta das 17:00 horas a entidade disse a sua cambone;

− Vamos filha! Este caboclo precisa buscar o pito dele!

− Mas Senhor Urubatão a cachoeira fica a dez minutos de distância daqui e isto andando a pé!

− Qual a dificuldade filha?

− A cidade inteira vai ver o senhor, o senhor vai chamar a atenção!

− Está tudo nos planos de Deus filha, vamos?

− Sim senhor!

Ainda no início da caminhada alguns vizinhos aproximaram-se de Neusa e perguntaram:

− Aonde vocês vão?

Procurando calar o espanto com o inusitado da pergunta, ela respondeu:

− Até a cachoeira!

− Mas, por quê?

− O Senhor Urubatão precisa do charuto dele e disse que estará lá.

− Na cachoeira!?!

− Isto!

A incredulidade os fez perguntar:

− Podemos ir com vocês?

Neusa olhou para a entidade que consentiu.

Outros moradores juntaram-se àqueles e quando todos chegaram ao local contava-se por volta de quarenta pessoas. A cachoeira encontrava-se vazia.

A entidade chamou Neusa e disse-lhe:

− Filha, este Caboclo vai trabalhar nas matas e perto das 18:00 horas volta para pegar o pito dele.

A entidade embrenhou-se na mata e os moradores incrédulos aguardavam seu retorno.

Exatamente por volta das 18:00 horas o caboclo Urubatão deu um forte brado que ecoou nas matas e saiu do local, mas ninguém ali tinha charuto algum.

A entidade deu mais alguns passos para fora da mata e eis que no local surgiram três turistas que iriam praticar a pesca noturna. Aproximaram-se curiosos com a aglomeração de pessoas presentes. Um deles era umbandista e achegou-se da entidade. Esta disse-lhe;

− Este Caboclo estava aguardando você filho!

O turista, sem conseguir explicar o porquê, mas emocionado, tirou um dos charutos do bolso da jaqueta e ofertou a entidade sem que esta nada precisasse lhe dizer.

A entidade o reverenciou e foi pitar o seu último charuto.

Havia muitos tipos de pessoas que estavam ali naquele momento: os céticos disseram que o ocorrido foi fruto da coincidência; os preconceituosos que era obra do demônio, mas muitos e muitos mansos de coração sentiram naquele fim de tarde a brotarem em seu intimo a inigualável sensação de paz de uma semente que Deus, por meio do caboclo Urubatão da Guia, plantara em seus corações: a simpatia pela simples, mágica e linda religião de Umbanda sagrada.

Hoje, quarenta e cinco anos após o ocorrido, Antônio e Neusa já se encontram desencarnados.

Manoela é sacerdotisa do único terreiro de Umbanda no local. A corrente mediúnica é composta por dezesseis médiuns, mas todos são filhos de fé, incluindo seus dois filhos e esposo. A caridade é o fruto mais doce e suculento que nasceu da semente plantada pelo caboclo Urubatão da Guia ao respeitar o tempo certo da semeadura: o tempo de Deus.