Séculos e séculos atrás, em território
norte-americano próximo ao rio Colorado, viveu um povo de pele vermelha que
precedeu a tribo dos Navajos.
Recordo que o inverno preparava-se para encerrar suas
atividades e a neve despedia-se do solo e das formações rochosas quando escutei
pela primeira vez a história que lhes apresento a seguir. Este povo não veste
mais a roupa da carne, o clima e a Mãe-terra também não se encontram da mesma
forma de quando eles andaram entre nós. Muita coisa mudou e outras tantas ainda
estão para se modificar em meio ao desenvolvimento cíclico com que o Grande
Espírito*(Deus) designou para aprimoramento de sua criação e criaturas. Esta
história inicia-se com o chefe Pedra-roxa chamando ao seu pupilo para dar
início ao aprendizado de uma nova atribuição:
“− Venha filho,
pois hoje será o primeiro dia de sua preparação para tornar-se um atravessador.
Você ficará aos cuidados de um dos nossos mais experientes atravessadores: o
irmão Pedra Branca.
− O grande
chefe Pedra Branca?!? Será uma honra!
− Não filho, de
inicio é só trabalho mesmo! Se você o desempenhar corretamente teu próprio
trabalho será tua honra!
Ao entregar o
aprendiz para o atravessador o chefe Pedra Roxa tornou às suas obrigações.
− Chefe Pedra
Branca como devo proceder no aprendizado de hoje?
− Sente-se e
observe como é o trabalho, as dúvidas serão esclarecidas posteriormente.
− Sim grande
chefe, mas...
− Diga!
− É que eu
tenho uma dúvida.
− Diga!
− É que entendo
a importância da presença do atravessador na Grande Travessia*(desencarne),
pois bem poucos estão em condições de realizá-la sozinhos ao deixarem o corpo
de carne, mas acredito que o mesmo não acontece na travessia a que serei
iniciado a partir de hoje, que é justamente na direção oposta.
− Antes de
entender a importância você primeiro tem que entender a necessidade.
− Como assim?
− Observando
filho! Sente-se e observe como é a travessia no Grande Rio da Vida!
O chefe entrou
no rio e solicitou que a primeira alma a passar para a outra margem fizesse o
mesmo.
Quando a jovem
pele vermelha entrou o rio, que estava calmo tornou-se tormentoso devido a uma
forte e inexplicável correnteza que de repente se formou.
A jovem receou
em prosseguir e intencionou retornar, mas o chefe estendeu-lhe a destra com
segurança tão intensa que ela seguiu adiante.
As águas estavam
real e terrivelmente caudalosas e o aprendiz não entendia como a correnteza não
os carregava rio abaixo.
Quando estavam
exatamente na metade do rio o grande chefe pediu que ela fechasse os olhos. Confiando
na segurança daquele ser ela assim o fez. O chefe a segurava pelo braço
esquerdo e levantou o direito aos céus.
Realizou
profunda oração, mas o aprendiz observou que o rio continuava caudaloso. Então,
de uma só vez, o chefe desceu o braço direito e o mergulhou nas águas. Pegou um
pouco da água com a mão, ergueu aos céus mais uma vez e derramou seu conteúdo
na cabeça da jovem.
Neste instante,
como se fosse mágica, o rio tornou a ficar calmo e o chefe Pedra Branca
terminou a travessia da jovem até a outra margem.
Retornando a
margem da Grande Pátria*( plano espiritual ) o chefe perguntou ao pupilo:
− Esta começando a entender sobre necessidade?
− Sobre a
necessidade acho que sim, mas estou com muitas dúvidas.
− Acalme-se
filho, pois ainda tenho mais uma travessia a realizar. Depois conversaremos.
−Sim senhor!
O chefe Pedra
Branca solicitou que a outra alma a ser atravessada entrasse no rio e um jovem
pele-vermelha assim o fez. O rio tornou-se caudaloso, mas nem tanto como
ocorrera na travessia da jovem. O chefe realizou os mesmos procedimentos que
fizera com a jovem, atravessou-o e tornou a margem da Grande Pátria para
conversar com seu pupilo.
− Grande chefe
eu posso falar?
− Estou aqui só
para te escutar filho!
− Chefe por que
as águas do Grande Rio da Vida ficam tormentosas quando as almas a serem
atravessadas nelas adentram?
− Filho, uma
existência humana não deve ser pautada pelo erro, mas pelo acerto. Um erro só
tem valor, se for servir como guia ao caminho do acerto, se não é só um erro. É
muito importante que o ser humano procure sempre o caminho do acerto, mas
acontece que na outra margem do Grande Rio da Vida, não é nada fácil o homem encarnado
acertar o caminho da paz, do amor, da solidariedade e da alegria.
− Por que
chefe?
− Por que
quando o homem está na carne lembra muito de comer bem, vestir bem, morar bem,
andar bem e aparentar estar bem, mas se esquece que a vida plena está aqui: na
Grande Pátria!
− Bem me
recordo disto!
− E para comer
bem, vestir bem, morar bem e andar bem eles geralmente olvidam os valores do
espírito e, assim, cometem os primeiros erros. Se não se corrigem e se
espiritualizam voltam a cometer erros, mas não se engane: os erros que se
seguem são apenas para justificar o primeiro! Assim ocorre desde que o Grande
Espírito colocou o homem para andar sobre a Mãe-terra.
− Acho que
começo a entender Grande chefe: quanto maior for a significação de um erro ou
dos erros cometidos por uma alma que fará a travessia para a carne, mais
tormentosa torna-se a água do rio.
− Muito bom
aprendiz! Fico satisfeito por seu entendimento!
− Na verdade
acho que não sou nem eu. O senhor explica com tanta paciência que tudo parece
mais fácil de ser entendido!
− Pode não
parecer aprendiz, mas tudo que hoje digo já está aí dentro de você. Só estou,
aos poucos, reavivando sua memória!
− É mesmo? E
para que?
− Para você
recordar daquilo que é e sempre foi: um atravessador!
− Eu?!?
− Sim! Por que
o espanto? Uma fruta será sempre uma fruta, um animal será sempre um animal e um atravessador será
sempre um atravessador!
− Não recordo
de já haver sido um atravessador!
− Então,
responda-me àquilo que somente um atravessador pode saber!
− Mas não sou
atravess...
− Responda-me
filho!
− Mas o senhor
nem fez a pergunta!
− Responda-me!
− Na realidade
eu tenho é uma dúvida a solucionar, pois se as águas do Grande Rio da Vida
ficam tormentosas pela significação que as almas a fazerem a travessia dão aos
erros praticados quando estavam na carne, como tornam a ficarem serenas?
− Responda-me e
a si próprio, pois a resposta está dentro de você!
− Então era
essa a pergunta que o senhor queria que eu respondesse? Àquela que só um
atravessador sabe a resposta?
− Pergunte-se
como você poderia saber da pergunta a que eu estava solicitando que você
respondesse se eu mesmo nem não a fiz!
− Coincidência
não pode ser.
− Nem tem como,
pois àquele que já foi considerado por seu povo como sábio líder espiritual não
tem que acreditar em coincidências!
A memória do
pupilo voltou no tempo em que havia sido líder espiritual de seu povo.
Recordou-se de seus atributos e atribuições àquela época e, sem conseguir
explicar o porquê, focou nos procedimentos de cura. Assim, resgatou em suas
lembranças os mais variados tipos de rituais de cura e lembrou de um complexo,
mas que se finalizava de forma simples: dentro de um rio.
Neste instante
ele abriu os olhos e viu o Chefe Pedra Branca sentado, de olhos fechados e com
discreto sorriso nos lábios. Estranhamente ele entendeu que o Grande Chefe
compartilhava de seus pensamentos.
Tornou a fechar
os olhos e voltou a lembrar do ritual complexo que se finalizava no rio: após
todos os procedimentos realizados com barro, água de rio, cânticos, rezas,
encantamentos e defumações que duravam semanas e ás vezes meses, o membro da
tribo já curado de seu estado vegetativo, era levado até o rio onde fora
colhida a água para trabalhar o barro.
Primeiramente o
líder espiritual entrava até a metade do rio e após chamava aquele que recebera
tratamento. Após as últimas rezas o líder jogava o barro trabalhado na direção
da correnteza do rio para que o mal fosse diluído e a saúde, principalmente
mental, emocional e espiritual, fosse renovada na vida do enfermo.
Por último, e
talvez o ritual mais importante, o líder espiritual conversava com o enfermo
sobre os comportamentos, pensamentos e sentimentos que o levaram àquele
deplorável estado de saúde e tornava a perguntar se, enquanto vivesse, ele
seria um guerreiro que lutaria para combatê-los dentro de si.
Diante da
resposta positiva o líder levantava a destra aos céus e pedia ao grande
Espírito que a imantasse com a energia renovadora. Após, e de uma só vez,
descia a mão para dentro do rio para também entronizá-la com a energia
renovadora das águas.
Com a destra em
forma de concha ele colhia a água e tornava a levantá-la aos céus para só
depois derrama-la na cabeça do enfermo. Recordou-se que este ritual significava
que o enfermo estava deixando não só a sua moléstia, mas também os
comportamentos, emoções e pensamentos que a provocaram serem levados pela
correnteza do rio. A partir daquele momento o enfermo tornava-se um novo ser,
uma nova criatura.
Tornou a abrir
os olhos e viu o grande chefe Pedra Branca já de pé e visivelmente emocionado
diante dele. Este disse-lhe;
− Parabéns!
− Por que
Grande chefe?
− Por
responder-me e, desta forma, começar a recordar-se que, de fato, é aquilo que
nunca deixou de ser: um atravessador!
− Acredito que
ainda não entendi completamente, mas se este é o começo imagine até o final!
− Um passo de
cada vez atravessador-aprendiz, mas agora me responda: em seus tempos de líder
espiritual qual sentimento você observava como o maior responsável pelo
aparecimento de enfermidades nos membros da tribo? Aquele que se desenvolve
silenciosamente?
− Deixe-me ver:
o ódio é terrível, mas nada silencioso, com a tristeza sucede a mesma coisa...
− Reflita meu
pupilo! Reflita!!!
− Creio que o
maior agente de enfermidades na tribo era o neto do orgulho e do egoísmo: o
remorso.
− E quais são
os pais do remorso, meu aprendiz?
− A culpa e o
arrependimento.
− Quando você
realizava o ritual no rio, em benefício de um enfermo, notava a imediata
mudança de padrão vibracional na vida dele?
− Não. A
conquista era gradual desde que a batalha do homem consigo mesmo fosse
constante.
− E qual
atitude era grande facilitadora da cura?
− O Grande
Espírito trabalhou e fez a grande Mãe-terra para nela dispor suas criaturas.
Estas trabalham para a sobrevivência de toda a coletividade. Assim deve ser com
a criatura humana também filha Dele: ela também deve trabalhar para o sustento
e sobrevivência de toda sua coletividade. Trabalho chefe Pedra Branca: quem
trabalha não só fisicamente, mas também mental e emocionalmente, tem grandes
chances de curar-se do remorso. O trabalho é a resposta: principalmente em
favor do outro.
− Muito bom
aprendiz-atravessador! Agora percebo germinar em você as condições necessárias
para entender o significado do porque das águas do Grande Rio da Vida tornarem
ao seu estado natural após o atravessador usá-las para banhar a cabeça da alma
que fará a travessia para a carne.
− Fico grato
por sua consideração.
− Quando o
atravessador convida uma alma que fará a travessia para a carne a adentrar o
Grande Rio da Vida, esta o faz trazendo entre a fé e a esperança de sucesso na
nova jornada, o sentimento do medo e do remorso.
− Estou
entendendo.
− O
atravessador ergue a destra aos céus e clama ao Grande Espírito a imantação
dela com energia renovadora, depois a mergulha no rio para entronizá-la com a
energia renovadora das águas.
− A água
colhida com a destra neste instante já é uma água encantada e encanta a alma
que tem a sua cabeça molhada por ela com a benção do esquecimento das
existências pretéritas que ela apresentar. Renovar não é criar do zero, mas
tornar novo outra vez e isto só é possível com o esquecimento das existências
vivenciadas na carne preteritamente.
− Fantástico!
− Como a
turbulência da água no rio é causada basicamente pelo medo e pelo remorso,
trazidos principalmente pelas lembranças das existências passadas, e como estas
são apagadas antes do fim da travessia a turbulência cessa, uma vez que sua
causa é eliminada.
−
Impressionante! E o que acontece com a alma quando consegue realizar a viagem
para a carne?
− Não sei!
− Não sabe? Mas
o senhor é um atravessador!
− Exatamente.
Assim como você já o foi e tornará a ser: um atravessador! Aquele que
atravessa!
− Como assim
chefe?
− Quem traz as
almas até a margem do Grande Rio da Vida que ladeia nossa terra espiritual para
que sejam atravessadas a outra margem são os Grandes Chefes Encaminhadores;
quem as recebe na margem que ladeia a terra dos seres de carne, são os Grandes Chefes
Concebedores, você já viu tanto a uns quanto a outros?
− Não senhor!
− Já se
perguntou por quê?
− Por que sou
um atravessador e esta é minha função: atravessar!
− Você aprende
rápido jovem aprendiz atravessador! Em breve será um laborioso servidor da
Mãe-terra! Aliás, assim como o é todo atravessador: um filho do Grande Espírito
e servidor do elemento terra.
O ensinamento
terminou, mas o aprendiz solicitou ao grande chefe Pedra Branca que lhe
permitisse alguns instantes de reflexão, à beira do rio, sobre a lição
aprendida.
Com o
consentimento do Chefe o aprendiz sentou-se à beira do Grande Rio da Vida.
Enquanto isto, na contraparte física daquele plano etérico e na margem oposta,
um índio pele-vermelha encarnado e que acabara de receber sua primeira
iniciação para tornar-se futuramente líder espiritual de sua tribo refletia
sobre os ensinamentos aprendidos, mas sem conseguir deixar de pensar sobre o
que de fato existia lá: na outra margem do rio.”
Eu, assim como
alguns outros de minha tribo,fui este índio encarnado e devo esclarecer que não
entendi muito bem quando escutei tal história pela primeira vez e que me foi
narrada como forma de fixar os ensinamentos aprendidos pelo líder espiritual da
tribo a que pertencia. Somente a prática e o passar das luas foi que me
trouxeram esclarecimento. Passo-a para vocês para que também se tornem
atravessadores:
Vocês que têm ódio atravessem o rio do perdão e
passem para a margem do amor, vocês que estão aflitos atravessem o rio da paz e
encontrem a mansuetude na outra margem, vocês que estão tristes atravessem o
rio da alegria e alcancem a margem da felicidade, vocês que estão descrentes
atravessem o rio da esperança e cheguem a margem da fé.
Vocês não precisam
de iniciação para realizar tal tarefa, apenas de boa-vontade. Nós precisamos de
vocês! Precisamos que vençam seus medos e limitações na tarefa de auxiliar ao
próximo e atravessem o rio da sinceridade para alcançarem a confiança. O mundo
passa por um grande processo de transformação energética, eletromagnética,
psíquica e vibratória e necessitamos que confiem no Grande Espírito e tornem-se
atravessadores de si mesmos para que tenham paz de espírito e, assim, alcancem
condições de auxiliar ao próximo da melhor forma possível.
Façam isto e, com a permissão do Grande Espírito, nós
teremos a honra de os atravessarem quando chegarem vossos momentos de realizar
a Grande Travessia no Grande Rio da Vida.
Ao trabalho aprendizes!!!!
Mensagem do Chefe Águia Branca