quinta-feira, 30 de maio de 2013

SEMENTES DA UMBANDA



Em uma cidade interiorana localizada na região sudeste do Brasil e bastante freqüentada por turistas que praticam a pesca vivia, já há dois anos, um sujeito de 42 anos e cujo nome era Antônio.

Apesar do seu modo de vida pacato Antônio não era bem visto pela comunidade local. Nada era falado abertamente, mas Antônio sabia que isto acontecia pelo fato dele e da esposa professarem a fé umbandista.

Toda quarta-feira a noite, das 20:00 as 22:30 horas, o Caboclo Urubatão da Guia incorporava em seu médium e realizava os trabalhos pertinentes a cada reunião.

Apesar dos convites de Antônio e de sua esposa Neusa nenhum morador jamais participara das reuniões que aconteciam em cômodo amplo e localizado nos fundos da residência.

Antônio recebera uma promoção em seu trabalho e mudaria daquela cidade com sua companheira em quinze dias.

O tempo correu célere e no dia anterior a mudança Antônio, ao despertar e após a refeição matinal, preparou juntamente à esposa o cômodo para manifestação espiritual que ocorreria e da qual fora alertado durante o sono físico.

Após toda a ritualística eis que a entidade incorporou em Antônio dizendo a Neusa, sua cambone:

− Quando vocês se mudaram para cá nós dissemos que iríamos plantar sementes!

− É verdade Sr. Urubatão mas, com todo o respeito, acho que esta “terra” não deve ser muito fértil.

− Engano seu filha! Foram dois anos de arado, mas hoje é o dia da semeadura!

− Hoje? Como assim? Nós vamos embora amanhã!

− Vocês vão, mas as sementes, na força de deus, aqui permanecerão e germinarão.

− Não entendo Sr. Urubatão! Assim como não entendo porque hoje o senhor incorporou tão cedo no Antônio.

− O bom semeador é aquele que respeita o tempo da semente! O tempo filha é agora!

− O senhor poderia explicar?

− Filha prepare minhas folhas e meu terço! Temos que preparar tudo porque logo os convidados vão chegar!

− Convidados? Ninguém nunca veio aqui!

− Mas as portas sempre estiveram abertas, certo?

− Sim, certamente!

− Então hoje alguém virá!

− Quem senhor Urubatão?

− A família do curumim Manoela!

− A famíla da Manu? Como? Eles estão há mais de mês em São Paulo em busca de cuidados médicos para aquela menina que mal tem dois anos de idade.

− Os doutor de jaleco branco não acharam nada filha e nenhum médico jamais poderia achar por que a doença da criança nada mais é do que fruto de feitiçaria.

− Creio em deus pai!

− Eu também creio filha, vamos trabalhar?

E durante muito tempo ela cambonou a entidade na realização de todos os procedimentos necessários para a prática da caridade.

A família de Manoela era vista como a mais rica daquela localidade; eram pessoas simples e corretas, mas que devido à condição social ainda se deixavam iludir pelo poder do dinheiro. Chegavam de viagem, desesperançados e desesperados, pois sentiam o fôlego de vida de sua primogênita se esvair a cada dia.

A tarde estava prestes a iniciar quando a mãe de Manoela, vencendo todo o preconceito presente no local, adentrou o terreiro. Ela estava transtornada quando falou a entidade:

− Disse ao meu esposo que traria minha filha até aqui, mas ele deu de ombros e disse que aqui não poria os pés.Não sei bem que tipo de trabalho vocês fazem por aqui, mas a saúde de minha filha vem em primeiro lugar, por favor ajude-a por que eu já não agüento mais....

− Calma filha! Primeiro dê um abraço neste Caboclo e ponha o seu pranto pra fora. Entendo o seu sofrer, mas a paz deve reinar em seu coração para que o poder de Deus possa afugentar as nuvens de desespero e fazer brilhar o sol da esperança.

Abraçada a entidade ela disse:

− Estivemos em São Paulo, com os melhores médicos, e eles desenganaram nossa garotinha, não conseguiram descobrir o que ela tem! Temos a nossa fé e por meio dela também tentamos a cura de nossa filha, mas também sem sucesso! Os médicos disseram que ela não tem mais do que dois meses de vida.

Todos choravam copiosamente, incluindo a cambone da entidade.

O Caboclo Urubatão clamou por fé e oração a todos os presentes e disse a mãezinha da criança:

− Filha percebo que você está um pouquinho mais calma, mas antes que eu possa realizar qualquer procedimento eu devo lhe dizer que aqui é uma casa de oração que realiza ações em favor do próximo sem cobrar coisa alguma em troca. Somos uma casa de Umbanda, sou falangeiro de Deus, da Justiça, do amor e da verdade: sou o Caboclo Urubatão da Guia. Trabalhamos respeitando a lei do livre arbítrio e por isto devo esclarecer que só poderemos tratar de seu curumim se você estiver certa disto, entende?

− Entendo sim senhor! Este local vibra a paz e sinto que muito deste sentimento é irradiado por você. Que seja feita a vontade de Deus!!!

A entidade esboçou um leve sorriso de emoção nos lábios quando escutou esta última frase e disse a ela:

− Então filha, por caridade, entregue-me a criança!

Após a realização de todos os procedimentos necessários a entidade colocou a criança deitada no chão em local onde estavam forradas várias folhas de mamona.

Assim que fora disposta no local a criança adormeceu.

A genitora contou que a filha mal conseguia se alimentar, pois regurgitava a maior parte dos alimentos que ingeria independente de sua consistência.

Contou ainda muitos outros fatos pertinentes ao caso e receberam a orientação necessária da entidade amiga.

O Caboclo Urubatão evocou a Deus e realizou a purificação de energias perniciosas que provocavam a enfermidade na criança, além de outros procedimentos necessários para sua convalescença.

Por volta das 15:00horas ela despertou pedindo biscoitos a mãe. Manoela parecia outra criança, pois sua pele voltara à coloração normal e ela possuía outro ânimo.

A entidade disse a mãe:

− Seu curumim está curado pelo poder de Deus! Agora é só você iniciar o tratamento com as ervas que passamos para ela.

− O que ela tinha?

− Não se preocupe! Preocupe-se apenas em ter uma vida mais harmoniosa com todos ao seu redor! Classe social, raça e dinheiro não tornam ninguém melhor que o outro, pois tudo que é matéria se iguala na hora da Grande travessia!

− Grande travessia?

− Sim! Aquilo que vocês chamam de morte!

− Entendo! Não tenho nem como lhe agradecer!

− E nem precisa! Só agradeça a Deus! Somente Ele merece toda a honra!

A família foi embora, mas não a entidade. Neusa estava preocupada, pois Antônio se alimentara pela última vez as 09:00 horas da manhã. Ela externou sua preocupação a entidade que disse-lhe:

− Não se preocupe filha Neusa, pois o cavalinho está bem! Para a segurança dele nós só subiremos após pitar o último charuto!

− Mas nós vamos nos mudar amanhã! O senhor trabalhou o dia inteiro! Os charutos acabaram!

− Charuto de Caboclo está na cachoeira filha! Está na cachoeira!

Somente por volta das 17:00 horas a entidade disse a sua cambone;

− Vamos filha! Este caboclo precisa buscar o pito dele!

− Mas Senhor Urubatão a cachoeira fica a dez minutos de distância daqui e isto andando a pé!

− Qual a dificuldade filha?

− A cidade inteira vai ver o senhor, o senhor vai chamar a atenção!

− Está tudo nos planos de Deus filha, vamos?

− Sim senhor!

Ainda no início da caminhada alguns vizinhos aproximaram-se de Neusa e perguntaram:

− Aonde vocês vão?

Procurando calar o espanto com o inusitado da pergunta, ela respondeu:

− Até a cachoeira!

− Mas, por quê?

− O Senhor Urubatão precisa do charuto dele e disse que estará lá.

− Na cachoeira!?!

− Isto!

A incredulidade os fez perguntar:

− Podemos ir com vocês?

Neusa olhou para a entidade que consentiu.

Outros moradores juntaram-se àqueles e quando todos chegaram ao local contava-se por volta de quarenta pessoas. A cachoeira encontrava-se vazia.

A entidade chamou Neusa e disse-lhe:

− Filha, este Caboclo vai trabalhar nas matas e perto das 18:00 horas volta para pegar o pito dele.

A entidade embrenhou-se na mata e os moradores incrédulos aguardavam seu retorno.

Exatamente por volta das 18:00 horas o caboclo Urubatão deu um forte brado que ecoou nas matas e saiu do local, mas ninguém ali tinha charuto algum.

A entidade deu mais alguns passos para fora da mata e eis que no local surgiram três turistas que iriam praticar a pesca noturna. Aproximaram-se curiosos com a aglomeração de pessoas presentes. Um deles era umbandista e achegou-se da entidade. Esta disse-lhe;

− Este Caboclo estava aguardando você filho!

O turista, sem conseguir explicar o porquê, mas emocionado, tirou um dos charutos do bolso da jaqueta e ofertou a entidade sem que esta nada precisasse lhe dizer.

A entidade o reverenciou e foi pitar o seu último charuto.

Havia muitos tipos de pessoas que estavam ali naquele momento: os céticos disseram que o ocorrido foi fruto da coincidência; os preconceituosos que era obra do demônio, mas muitos e muitos mansos de coração sentiram naquele fim de tarde a brotarem em seu intimo a inigualável sensação de paz de uma semente que Deus, por meio do caboclo Urubatão da Guia, plantara em seus corações: a simpatia pela simples, mágica e linda religião de Umbanda sagrada.

Hoje, quarenta e cinco anos após o ocorrido, Antônio e Neusa já se encontram desencarnados.

Manoela é sacerdotisa do único terreiro de Umbanda no local. A corrente mediúnica é composta por dezesseis médiuns, mas todos são filhos de fé, incluindo seus dois filhos e esposo. A caridade é o fruto mais doce e suculento que nasceu da semente plantada pelo caboclo Urubatão da Guia ao respeitar o tempo certo da semeadura: o tempo de Deus.



domingo, 14 de abril de 2013

Entendendo o carma: palavras de preto-velho




Dona Isabel caminhava em direção a Pai Antônio. Chegara a hora de seu atendimento e ela estava para comunicar-lhe sua decisão: pediria afastamento do terreiro.
− Oi zifia! Como vai suncê? Ah quanto tempo hein?!?
− Boa noite Pai Antônio! O senhor já sabe o que eu vim fazer aqui hoje, não sabe?
− Filha se este preto-velho tivesse este poder ele não seria Pai Antônio: seria o próprio Deus, pois só Ele sabe de todas as coisas.
− Como assim vovô?
− Nós não somos advinhos zifia! Se suncê veio aqui é por que tem algo a dizer e este nêgo velho aqui se encontra, de coração aberto, só para te escutar!
− Então acho que tenho que dizer de uma vez, não é vovô?
− Da forma que suncê achar melhor, minha filha!
− É que eu vou pedir desligamento do terreiro! O que o senhor acha disto?
− Filha toda decisão sinaliza um caminho que envolve pensamentos e sentimentos. Onde este caminho vai dar, abaixo de Deus, só teu pensar e sentir é que poderão dizer.
− Como assim Pai Antônio?
− Bom senso minha filha! Toda decisão, de todo ser humano, deve ser pautada pelo bom senso!
− O senhor está dizendo que esta minha decisão não está baseada no bom senso?
− Longe de mim zifia, pois este preto-velho não faz julgamento de valor! Só estou tentando explicar para a filha que a ilusão obscurece o bom senso.
− Ilusão? Como assim?
− Só um instantinho minha filha!
A entidade solicitou que seu cambone lhe trouxesse água gelada. Somente quando ele retornou foi que Pai Antônio disse a Isabel:
− Filha, por caridade, estique sua mão direita e diga se este líquido está quente ou frio.
A entidade derramou um pouco de água mineral, que estava em temperatura ambiente, na mão dela que respondeu-lhe:
− Nem quente, nem fria: está em temperatura ambiente!
− Continue com sua mão esticada.
Pai Antônio derramou a água gelada, que seu cambone trouxera, na destra de sua consulente que falou-lhe:
− Este líquido está gelado!
− Permaneça com sua mão esticada!
O preto-velho tornou a derramar a água mineral em temperatura ambiente na mão de Isabel que disse:
− Esta água está quente!
− Suncê viu de onde nêgo tirou esta água que suncê falou que estava quente?
− Vi sim senhor. O senhor a tirou da garrafa de água mineral!
− E como a mesma água que suncê respondeu que estava em temperatura ambiente, de repente ficou quente?
− É que a água que o senhor jogou na minha mão antes dela estava muito gelada.
− Muito bem minha filha! Suncê é muito sabida! Percebe o que a ilusão dos sentidos pode fazer com seu julgamento? Seu pensamento? Seu sentimento?
− Não totalmente.
− Não se preocupe minha filha! Continue a prosear com este velho que Deus, em sua infinita misericórdia, há de fazê-la compreender certas coisas!
− Vovô eu não consigo mais ver sentido em ficar aqui: o senhor sabe que minha filha, que assim como eu era médium desta casa, acabou de desencarnar fulminantemente por conta de uma enfermidade que ninguém pôde diagnosticar a tempo de salvá-la.
− Salvá-la de que zifia?
− Da morte!
− Mas não existe morte zifia: só existe vida, ainda que em outro plano da existência!
− Nenhuma entidade contou nada para mim ou para ela que só foi saber da doença quando passou mal e os médicos a diagnosticaram como enferma após realização de vários exames.
− Suncê se sentiu traída por nós, minha filha?
− Vocês sabiam da doença?
− Sim minha filha!
− Então, eu me senti traída, porque vocês não me alertaram!
− Filha, e de que adiantaria nosso alerta se a doença começara a se desenvolver em sua filha há dez meses? Se a situação da saúde de sua filha era irreversível há cinco meses e se vocês entraram para corrente mediúnica do terreiro há três meses?
− Mas vocês poderiam ter nos alertado, nos preparado!
− Preparar? Desculpe a franqueza zifia, mas a preparação, a ser realizada com sabedoria e humildade, para a verdade imutável que é o desencarne deve acontecer todo dia e a todo o momento, pois só Deus sabe a hora de cada um.
− Eu vou sair por que acho que vocês podiam ter nos preparado!
− Filha há muito tempo, quando suncê tinha dezesseis anos, seu pai faleceu da mesma moléstia que sua filha apresentou!
− É verdade.
− Seu pai lutou contra a moléstia por quase treze meses!
− Isto também é verdade!
− E foi justamente durante estes treze meses que suncê, somatizando todo o sofrimento pela condição de saúde de seu paizinho, desenvolveu uma úlcera gástrica que tanto lhe incomoda até os dias de hoje!
− É verdade!
− Agora minha filha, abrindo seu coração com honestidade, responda:
− Em que lhe ajudou saber sobre a doença do seu pai à época em que ele estava doente?
− Acho que começo a entender o senhor!
− Zifia Isabel, este nêgo véio fala a suncê que nós, que suncês chamam de entidades, não somos advinhos! Somos falangeiros que militam pela Lei Maior e pela Justiça Divina!
− Eu entendo.
− Para Deus o bem maior está acima das individualidades dos seus humanos filhos e foi por isso que ao mundo Ele enviou Jesus.
Isabel chorou sentidamente ao lembrar-se do sofrimento a que Jesus fora submetido quando encarnado e reconheceu que o sofrimento de sua filha nada foi em comparação ao dele.
Pai Antônio esperou o estado emocional de Isabel tornar a normalidade e disse-lhe:
− Nêgo-velho gostou da sinceridade do seu coração, mas aqui no dia de hoje nós não estamos trabalhando o sofrimento de sua filha; até mesmo porque ela não sofre mais onde se encontra, já que está disposta em repouso e recebendo tratamento adequado para que venha a despertar em momento oportuno!
− Verdade?
− Sim zifia! No dia de hoje trabalhamos o seu sofrimento!
− É vovô! Cada um com seu karma!
− Filha karma não é sofrimento: é libertação!
− Como assim?
− Karma, zifia Isabel, é ter humildade de clamar sabedoria a Deus diante dos desafios que são apresentados na vida de cada um, pois uma vez aprendido o ensinamento, com fé e resignação, evolui-se  em direção a Deus-Nosso-Pai!
− Como assim?
− A vida é um karma não pelos sofrimentos que surgem na jornada, mas pela possibilidade de libertação que proporciona se tivermos sabedoria para vencer os desafios no caminho.
− Creio que entendi! A morte de um ente querido é um desafio natural da existência humana. O karma não é sofrer com a perda, uma vez que o sofrimento é natural nesses casos, mas sim alcançar a liberdade incondicional ao vencermos tal desafio.
− Filha tempos atrás suncê contou que a entidade que lhe assiste nas incorporações, o Caboclo Araribóia, apareceu duas vezes em sonho para você e pedia-lhe que continuasse a andar numa estrada, não é verdade?
− Isto vovô! Ele aparecia e me mostrava uma estrada em que eu devia voltar a caminhar!
− Pois então zifia saiba que tal estrada não é necessariamente este terreiro, mas sim a Umbanda Sagrada!
− Verdade?
− Certamente zifia! Se suncê quiser sair do terreiro as portas vão estar abertas assim como se encontravam quando você por elas adentrou neste terreiro pela primeira vez. O importante na sua vida não é o terreiro zifia, seja ele qual for, o importante é a Umbanda!
− Isto é verdade mesmo Pai Antônio porque antes de entrar neste terreiro há três meses, eu fiquei cinco anos afastada da umbanda.
− Nêgo velho entende zifia! Foi quando seu esposo faleceu, não foi?
− Foi isto mesmo vovô!
− Após vinte e cinco anos de casados o seu esposo desencarnou pelo câncer e você, como forma de homenagear o amor que sempre houve entre vocês, decidiu prestar trabalho voluntário em alas hospitalares onde se encontram crianças que possuem câncer, não é verdade?
− Como o senhor sabe disto vovô? Eu nunca contei para ninguém!
− Foi o Caboclo Araribóia zifia!
− Ah é? E porque vovô?
− Por que para Deus o bem maior está acima da individualidade do ser humano.
− Como assim? O senhor poderia explicar?
− Filha o câncer em sua história familiar não é sofrimento apenas: é karma! Possibilidade de libertação em direção a Deus!
− Isto eu estou entendendo!
− Karma é cumprimento da Lei Maior e da Justiça Divina na vida de suas humanas criaturas! Quando estas se envolvem consistentemente em labores caritativos o Pai envia sua Misericórdia como um bálsamo na vida na vida destes Seus filhos.
− Entendo!
− O teu trabalho voluntário em favor das criancinhas fez com que você recebesse a oportunidade de ter a tua filha tratada e assistida pelos médicos do astral a fim de que viesse a ter um desencarne sereno e indolor!
− Meu Deus eu jamais poderá imaginar!
− Posso lhe dizer ainda mais zifia: sabendo que você somatiza com muita facilidade o sofrimento dos que lhe são muito próximos, foi que o Caboclo Araribóia providenciou formas para lhe resgatar de volta para a Umbanda, como um modo de evitar que isto ocorresse!
− Meu Pai Deus é muito bom!
− Até mesmo por que se isto ocorresse as crianças assistidas por você voluntariamente ficariam sem ter como receber o lenitivo que você mais consegue lhes proporcionar: o sorriso!
Dona Isabel chorava copiosamente a cada vez que dizia:
− Deus é bom! Obrigada meu Deus! Obrigada!
Pai Antônio aguardou sua consulente serenar as emoções e, para encerrar aquele atendimento, disse-lhe:
− Foi o que este preto-velho lhe disse zifia: Para Deus o bem maior está acima das individualidades dos seus humanos filhos, mas a misericórdia Dele é, de fato, infinita!Suncê não está sozinha minha filha, nunca se esqueça disto! Vá com a força e a luz de Deus-Nosso-Pai!








domingo, 10 de março de 2013

NA OUTRA MARGEM DO RIO





 Séculos e séculos atrás, em território norte-americano próximo ao rio Colorado, viveu um povo de pele vermelha que precedeu a tribo dos Navajos.
Recordo que o inverno preparava-se para encerrar suas atividades e a neve despedia-se do solo e das formações rochosas quando escutei pela primeira vez a história que lhes apresento a seguir. Este povo não veste mais a roupa da carne, o clima e a Mãe-terra também não se encontram da mesma forma de quando eles andaram entre nós. Muita coisa mudou e outras tantas ainda estão para se modificar em meio ao desenvolvimento cíclico com que o Grande Espírito*(Deus) designou para aprimoramento de sua criação e criaturas. Esta história inicia-se com o chefe Pedra-roxa chamando ao seu pupilo para dar início ao aprendizado de uma nova atribuição:



“− Venha filho, pois hoje será o primeiro dia de sua preparação para tornar-se um atravessador. Você ficará aos cuidados de um dos nossos mais experientes atravessadores: o irmão Pedra Branca.
− O grande chefe Pedra Branca?!? Será uma honra!
− Não filho, de inicio é só trabalho mesmo! Se você o desempenhar corretamente teu próprio trabalho será tua honra!
Ao entregar o aprendiz para o atravessador o chefe Pedra Roxa tornou às suas obrigações.
− Chefe Pedra Branca como devo proceder no aprendizado de hoje?
− Sente-se e observe como é o trabalho, as dúvidas serão esclarecidas posteriormente.
− Sim grande chefe, mas...
− Diga!
− É que eu tenho uma dúvida.
− Diga!
− É que entendo a importância da presença do atravessador na Grande Travessia*(desencarne), pois bem poucos estão em condições de realizá-la sozinhos ao deixarem o corpo de carne, mas acredito que o mesmo não acontece na travessia a que serei iniciado a partir de hoje, que é justamente na direção oposta.
− Antes de entender a importância você primeiro tem que entender a necessidade.
− Como assim?
− Observando filho! Sente-se e observe como é a travessia no Grande Rio da Vida!
O chefe entrou no rio e solicitou que a primeira alma a passar para a outra margem fizesse o mesmo.
Quando a jovem pele vermelha entrou o rio, que estava calmo tornou-se tormentoso devido a uma forte e inexplicável correnteza que de repente se formou.
A jovem receou em prosseguir e intencionou retornar, mas o chefe estendeu-lhe a destra com segurança tão intensa que ela seguiu adiante.
As águas estavam real e terrivelmente caudalosas e o aprendiz não entendia como a correnteza não os carregava rio abaixo.
Quando estavam exatamente na metade do rio o grande chefe pediu que ela fechasse os olhos. Confiando na segurança daquele ser ela assim o fez. O chefe a segurava pelo braço esquerdo e levantou o direito aos céus.
Realizou profunda oração, mas o aprendiz observou que o rio continuava caudaloso. Então, de uma só vez, o chefe desceu o braço direito e o mergulhou nas águas. Pegou um pouco da água com a mão, ergueu aos céus mais uma vez e derramou seu conteúdo na cabeça da jovem.
Neste instante, como se fosse mágica, o rio tornou a ficar calmo e o chefe Pedra Branca terminou a travessia da jovem até a outra margem.
Retornando a margem da Grande Pátria*( plano espiritual ) o chefe perguntou ao pupilo:
  Esta começando a entender sobre necessidade?
− Sobre a necessidade acho que sim, mas estou com muitas dúvidas.
− Acalme-se filho, pois ainda tenho mais uma travessia a realizar. Depois conversaremos.
−Sim senhor!
O chefe Pedra Branca solicitou que a outra alma a ser atravessada entrasse no rio e um jovem pele-vermelha assim o fez. O rio tornou-se caudaloso, mas nem tanto como ocorrera na travessia da jovem. O chefe realizou os mesmos procedimentos que fizera com a jovem, atravessou-o e tornou a margem da Grande Pátria para conversar com seu pupilo.
− Grande chefe eu posso falar?
− Estou aqui só para te escutar filho!
− Chefe por que as águas do Grande Rio da Vida ficam tormentosas quando as almas a serem atravessadas nelas adentram?
− Filho, uma existência humana não deve ser pautada pelo erro, mas pelo acerto. Um erro só tem valor, se for servir como guia ao caminho do acerto, se não é só um erro. É muito importante que o ser humano procure sempre o caminho do acerto, mas acontece que na outra margem do Grande Rio da Vida, não é nada fácil o homem encarnado acertar o caminho da paz, do amor, da solidariedade e da alegria.
− Por que chefe?
− Por que quando o homem está na carne lembra muito de comer bem, vestir bem, morar bem, andar bem e aparentar estar bem, mas se esquece que a vida plena está aqui: na Grande Pátria!
− Bem me recordo disto!
− E para comer bem, vestir bem, morar bem e andar bem eles geralmente olvidam os valores do espírito e, assim, cometem os primeiros erros. Se não se corrigem e se espiritualizam voltam a cometer erros, mas não se engane: os erros que se seguem são apenas para justificar o primeiro! Assim ocorre desde que o Grande Espírito colocou o homem para andar sobre a Mãe-terra.
− Acho que começo a entender Grande chefe: quanto maior for a significação de um erro ou dos erros cometidos por uma alma que fará a travessia para a carne, mais tormentosa torna-se a água do rio.
− Muito bom aprendiz! Fico satisfeito por seu entendimento!
− Na verdade acho que não sou nem eu. O senhor explica com tanta paciência que tudo parece mais fácil de ser entendido!
− Pode não parecer aprendiz, mas tudo que hoje digo já está aí dentro de você. Só estou, aos poucos, reavivando sua memória!
− É mesmo? E para que?
− Para você recordar daquilo que é e sempre foi: um atravessador!
− Eu?!?
− Sim! Por que o espanto? Uma fruta será sempre uma fruta, um animal  será sempre um animal e um atravessador será sempre um atravessador!
− Não recordo de já haver sido um atravessador!
− Então, responda-me àquilo que somente um atravessador pode saber!
− Mas não sou atravess...
− Responda-me filho!
− Mas o senhor nem fez a pergunta!
− Responda-me!
− Na realidade eu tenho é uma dúvida a solucionar, pois se as águas do Grande Rio da Vida ficam tormentosas pela significação que as almas a fazerem a travessia dão aos erros praticados quando estavam na carne, como tornam a ficarem serenas?
− Responda-me e a si próprio, pois a resposta está dentro de você!
− Então era essa a pergunta que o senhor queria que eu respondesse? Àquela que só um atravessador sabe a resposta?
− Pergunte-se como você poderia saber da pergunta a que eu estava solicitando que você respondesse se eu mesmo nem não a fiz!
− Coincidência não pode ser.
− Nem tem como, pois àquele que já foi considerado por seu povo como sábio líder espiritual não tem que acreditar em coincidências!
A memória do pupilo voltou no tempo em que havia sido líder espiritual de seu povo. Recordou-se de seus atributos e atribuições àquela época e, sem conseguir explicar o porquê, focou nos procedimentos de cura. Assim, resgatou em suas lembranças os mais variados tipos de rituais de cura e lembrou de um complexo, mas que se finalizava de forma simples: dentro de um rio.
Neste instante ele abriu os olhos e viu o Chefe Pedra Branca sentado, de olhos fechados e com discreto sorriso nos lábios. Estranhamente ele entendeu que o Grande Chefe compartilhava de seus pensamentos.
Tornou a fechar os olhos e voltou a lembrar do ritual complexo que se finalizava no rio: após todos os procedimentos realizados com barro, água de rio, cânticos, rezas, encantamentos e defumações que duravam semanas e ás vezes meses, o membro da tribo já curado de seu estado vegetativo, era levado até o rio onde fora colhida a água para trabalhar o barro.
Primeiramente o líder espiritual entrava até a metade do rio e após chamava aquele que recebera tratamento. Após as últimas rezas o líder jogava o barro trabalhado na direção da correnteza do rio para que o mal fosse diluído e a saúde, principalmente mental, emocional e espiritual, fosse renovada na vida do enfermo.
Por último, e talvez o ritual mais importante, o líder espiritual conversava com o enfermo sobre os comportamentos, pensamentos e sentimentos que o levaram àquele deplorável estado de saúde e tornava a perguntar se, enquanto vivesse, ele seria um guerreiro que lutaria para combatê-los dentro de si.
Diante da resposta positiva o líder levantava a destra aos céus e pedia ao grande Espírito que a imantasse com a energia renovadora. Após, e de uma só vez, descia a mão para dentro do rio para também entronizá-la com a energia renovadora das águas.
Com a destra em forma de concha ele colhia a água e tornava a levantá-la aos céus para só depois derrama-la na cabeça do enfermo. Recordou-se que este ritual significava que o enfermo estava deixando não só a sua moléstia, mas também os comportamentos, emoções e pensamentos que a provocaram serem levados pela correnteza do rio. A partir daquele momento o enfermo tornava-se um novo ser, uma nova criatura.
Tornou a abrir os olhos e viu o grande chefe Pedra Branca já de pé e visivelmente emocionado diante dele. Este disse-lhe;    
− Parabéns!
− Por que Grande chefe?
− Por responder-me e, desta forma, começar a recordar-se que, de fato, é aquilo que nunca deixou de ser: um atravessador!
− Acredito que ainda não entendi completamente, mas se este é o começo imagine até o final!
− Um passo de cada vez atravessador-aprendiz, mas agora me responda: em seus tempos de líder espiritual qual sentimento você observava como o maior responsável pelo aparecimento de enfermidades nos membros da tribo? Aquele que se desenvolve silenciosamente?
− Deixe-me ver: o ódio é terrível, mas nada silencioso, com a tristeza sucede a mesma coisa...
− Reflita meu pupilo! Reflita!!!
− Creio que o maior agente de enfermidades na tribo era o neto do orgulho e do egoísmo: o remorso.
− E quais são os pais do remorso, meu aprendiz?
− A culpa e o arrependimento.
− Quando você realizava o ritual no rio, em benefício de um enfermo, notava a imediata mudança de padrão vibracional na vida dele?
− Não. A conquista era gradual desde que a batalha do homem consigo mesmo fosse constante.
− E qual atitude era grande facilitadora da cura?
− O Grande Espírito trabalhou e fez a grande Mãe-terra para nela dispor suas criaturas. Estas trabalham para a sobrevivência de toda a coletividade. Assim deve ser com a criatura humana também filha Dele: ela também deve trabalhar para o sustento e sobrevivência de toda sua coletividade. Trabalho chefe Pedra Branca: quem trabalha não só fisicamente, mas também mental e emocionalmente, tem grandes chances de curar-se do remorso. O trabalho é a resposta: principalmente em favor do outro.
− Muito bom aprendiz-atravessador! Agora percebo germinar em você as condições necessárias para entender o significado do porque das águas do Grande Rio da Vida tornarem ao seu estado natural após o atravessador usá-las para banhar a cabeça da alma que fará a travessia para a carne.   
− Fico grato por sua consideração.
− Quando o atravessador convida uma alma que fará a travessia para a carne a adentrar o Grande Rio da Vida, esta o faz trazendo entre a fé e a esperança de sucesso na nova jornada, o sentimento do medo e do remorso.
− Estou entendendo.
− O atravessador ergue a destra aos céus e clama ao Grande Espírito a imantação dela com energia renovadora, depois a mergulha no rio para entronizá-la com a energia renovadora das águas.
− A água colhida com a destra neste instante já é uma água encantada e encanta a alma que tem a sua cabeça molhada por ela com a benção do esquecimento das existências pretéritas que ela apresentar. Renovar não é criar do zero, mas tornar novo outra vez e isto só é possível com o esquecimento das existências vivenciadas na carne preteritamente.
− Fantástico!
− Como a turbulência da água no rio é causada basicamente pelo medo e pelo remorso, trazidos principalmente pelas lembranças das existências passadas, e como estas são apagadas antes do fim da travessia a turbulência cessa, uma vez que sua causa é eliminada.
− Impressionante! E o que acontece com a alma quando consegue realizar a viagem para a carne?
− Não sei!
− Não sabe? Mas o senhor é um atravessador!
− Exatamente. Assim como você já o foi e tornará a ser: um atravessador! Aquele que atravessa!
− Como assim chefe?
− Quem traz as almas até a margem do Grande Rio da Vida que ladeia nossa terra espiritual para que sejam atravessadas a outra margem são os Grandes Chefes Encaminhadores; quem as recebe na margem que ladeia a terra dos seres de carne, são os Grandes Chefes Concebedores, você já viu tanto a uns quanto a outros?
− Não senhor!
− Já se perguntou por quê?
− Por que sou um atravessador e esta é minha função: atravessar!
− Você aprende rápido jovem aprendiz atravessador! Em breve será um laborioso servidor da Mãe-terra! Aliás, assim como o é todo atravessador: um filho do Grande Espírito e servidor do elemento terra.
O ensinamento terminou, mas o aprendiz solicitou ao grande chefe Pedra Branca que lhe permitisse alguns instantes de reflexão, à beira do rio, sobre a lição aprendida.
Com o consentimento do Chefe o aprendiz sentou-se à beira do Grande Rio da Vida. Enquanto isto, na contraparte física daquele plano etérico e na margem oposta, um índio pele-vermelha encarnado e que acabara de receber sua primeira iniciação para tornar-se futuramente líder espiritual de sua tribo refletia sobre os ensinamentos aprendidos, mas sem conseguir deixar de pensar sobre o que de fato existia lá: na outra margem do rio.”
 

  

 Eu, assim como alguns outros de minha tribo,fui este índio encarnado e devo esclarecer que não entendi muito bem quando escutei tal história pela primeira vez e que me foi narrada como forma de fixar os ensinamentos aprendidos pelo líder espiritual da tribo a que pertencia. Somente a prática e o passar das luas foi que me trouxeram esclarecimento. Passo-a para vocês para que também se tornem atravessadores:
Vocês que têm ódio atravessem o rio do perdão e passem para a margem do amor, vocês que estão aflitos atravessem o rio da paz e encontrem a mansuetude na outra margem, vocês que estão tristes atravessem o rio da alegria e alcancem a margem da felicidade, vocês que estão descrentes atravessem o rio da esperança e cheguem a margem da fé.
 Vocês não precisam de iniciação para realizar tal tarefa, apenas de boa-vontade. Nós precisamos de vocês! Precisamos que vençam seus medos e limitações na tarefa de auxiliar ao próximo e atravessem o rio da sinceridade para alcançarem a confiança. O mundo passa por um grande processo de transformação energética, eletromagnética, psíquica e vibratória e necessitamos que confiem no Grande Espírito e tornem-se atravessadores de si mesmos para que tenham paz de espírito e, assim, alcancem condições de auxiliar ao próximo da melhor forma possível.
Façam isto e, com a permissão do Grande Espírito, nós teremos a honra de os atravessarem quando chegarem vossos momentos de realizar a Grande Travessia no Grande Rio da Vida.

Ao trabalho aprendizes!!!!



Mensagem do Chefe Águia Branca