sexta-feira, 20 de abril de 2012

CARIDADE É AÇÃO




Reginaldo era um promissor advogado trabalhista que praticava a caridade em um centro de umbanda como cambone há onze meses, entretanto aquela gira estava sendo a primeira oportunidade dele cambonar um preto-velho conhecido como Pai Antônio.
No final da reunião, quando estava defronte ao gongá e prestes a desincorporar de seu médium, a entidade amiga disse a Reginaldo:
− Filho. Não é falando e nem perguntando, mas sim dando que recebe. Nêgo agradece por todo seu auxilio ao próximo através dos trabalhos nesta casa de caridade. Que Deus dê em dobro na sua vida por toda boa ação praticada! Fique na força e na luz de Deus Nosso Pai!
− Que assim seja!
No final de semana seguinte podemos encontrar Reginaldo cambonando a mesma entidade em mais uma gira de umbanda. Ele não entendera claramente qual a mensagem que Pai Antônio quis lhe passar no fim da última reunião e, meio sem jeito, disse a ele:
− Vovô, eu poderia perguntar uma coisa?
− Claro zifio, os trabalhos ainda estão longe de começar!
− É que gostaria de entender melhor o motivo do senhor ter me falado na última gira que não é falando e nem perguntando, mas sim dando que se recebe.
− Filho, faz quanto tempo que suncê botou o branco?
− Quase um ano!
− Na gira passada foi quando te vi mais concentrado neste terreiro, sem o pensamento fixo em suas dificuldades particulares, mas sim em auxiliar e aliviar o sofrimento do próximo. Eu até que tinha algumas coisas a falar com suncê, mas suncê estava tão formoso que não foi preciso!
− Estou entendendo vovô. De fato eu costumo mesmo ficar perguntando as coisas para as entidades durante as giras.
− Então deixa Nêgo velho explicar melhor por que suncê ainda não está entendendo!
− Não?
− Não zifio! As dúvidas foram feitas para serem esclarecidas na medida do entendimento e do merecimento daquele que pergunta. Entenda meu filho, que é felicidade muito grande quando este Nêgo pode contribuir no esclarecimento das dúvidas e questionamentos de suncês médiuns, mas um terreiro de umbanda é prioritariamente um hospital.
− Como?
− Um hospital zifio! Um hospital para os que aqui vêm buscar ajuda, para o corpo mediúnico e mesmo para nós, que suncês chamam de entidades. Em um hospital deve-se buscar prioritariamente a cura, já em uma escola a prioridade é a promoção do conhecimento.
− A assistência está em primeiro lugar não é vovô?
− O enfermo está em primeiro lugar zifio e às vezes quem está dodói são suncês mesmos: os cavalinhos de umbanda, já em outras são os filhos da assistência. Quando a enfermidade está companheira de suncês a prioridade de atendimento deve ser para suncês, quando o enfermo é um assistido da casa a prioridade do atendimento deve ser fornecida a ele e não aos problemas pessoais dos cavalinhos, pois numa gira de umbanda atende-se primeiro o que é mais urgente.
− Uma casa de umbanda, zifio Reginaldo, é uma casa de oração. O silêncio respeitoso, que vibra prece e amor ao próximo, deve ser prática constante. A firmeza na vibração harmônica dos pontos cantados deve ser realizada sempre que solicitada, mas sem gritos estridentes.
− É verdade vovô!
− Se as pessoas não quiserem ser reconhecidas como excêntricas ou inadequadas devem saber se comportar em adequação ao local e as regras de onde se encontram. Suncê já pensou se dentro das escolas os professores falassem palavrões com seus alunos? Ou se os funcionários de uma instituição bancária só trabalhassem quando sentissem vontade? Ou, ainda, se um estudante de direito, muito tímido e sem oratória, não corresse atrás de meios que o fizesse vencer suas limitações, haveria possibilidades deste ser um advogado tão promissor?
− O senhor está falando de mim, não é vovô?
− Suncê foi um estudante tímido entre milhares que existem no planeta. Nêgo velho está falando de forma geral e suncê se identificou com um dos meus exemplos, por tê-lo vivenciado mais intimamente.
− Entendi.
− Conta pra Nêgo zifio: existe forma de um advogado ganhar o seu pão de cada dia e crescer na carreira se não for de falar e nem perguntar nada as pessoas? Se não desenvolver sua capacidade argumentativa? Se não souber escrever direito ao fazer suas petições?
− Seria praticamente impossível vovô!
− Nêgo véio sabe disto meu filho!
− Como Pai Antônio, o senhor foi advogado em alguma encarnação passada?
− Não zifio, mas é por que nós, entidades, temos um advogado a trabalhar por nós!
Espantado com a revelação Reginaldo perguntou:
− Os senhores têm um advogado? Mas por quê?
− Precisa ficar espantado não zifio, pois Nêgo explica. De forma geral, o advogado não é um intercessor entre o cliente e uma autoridade, um juiz?
− Sim.
− Pois então zifio, quando nós vemos que um cavalinho de umbanda está fraquejando na fé recorremos a este advogado, quando um cavalinho está com dificuldades para engravidar a ponto de estremecer o sagrado matrimônio também é a ele que recorremos, assim como em muitos outros casos.
− E o que este advogado faz, o senhor poderia esclarecer?
− Posso sim meu filho, o advogado leva o nosso pedido até o juiz e este, por meio da análise do merecimento despacha uma sentença que é direcionada a uma ou mais das sete linhas de umbanda.
− Nossa que interessante todo este trâmite jurídico-religioso! Mas de que merecimento o senhor está falando?
− Do merecimento marcado na ficha cármica do encarnado em questão, mas como este Nêgo véio estava dizendo, quando a sentença chega à linha ou linhas de umbanda o Trono ou os Tronos que as regem se encarregam do cumprimento desta sentença juntamente com os espíritos e entidades que estão ligadas ao encarnado em questão.
−Pai Antônio se o juiz determinar que a moça citada como exemplo pelo senhor não deve engravidar nesta encarnação, isto significa uma decisão em última instância?
− Filho, o grande apóstolo Pedro ensinou: “ o amor cobre uma multidão de pecados”. Este preto-velho só complementa: a caridade também!
− E em quanto tempo o encarnado tem atendido o seu pedido, se a sentença do juiz lhe for favorável?
− O tempo do merecimento de cada um zifio, pois só o tempo é o senhor da razão.
− É verdade vovô, mas....
− Pode perguntar meu filho!
− Eu estou percebendo que o senhor está falando por meio de parábolas em que o juiz é Deus e os Tronos são os Orixás, mas ainda não consegui descobrir quem é este advogado, o senhor poderia esclarecer?
− Posso sim zifio é Jesus, mestre, irmão, amigo e maior advogado do mundo.
Reginaldo vibrou emoção e disse:
− É verdade mesmo, não é Pai Antônio? Não esqueço nunca de como, com pouquíssimas palavras e vasto amor no coração, conseguiu interceder pela mulher adúltera livrando-a de morte por apedrejamento.
− Zifio?
− Pode falar vovô!
− Não precisa ficar acanhado não! Faça a última pergunta que suncê está ai matutando pra este Nêgo véio!
− Bem vovô eu só gostaria de saber o que o senhor disse que gostaria de conversar comigo na última gira, seria possível?
− Claro zifio! Na última gira suncê observou que tinha três cavalinhos querendo conversar com Nêgo, não é?
− Isto, exatamente.
− Então zifio, Nêgo véio só ia pedir a suncê pra deixar nóis conversar primeiro com aqueles três filhos que estavam muito esculhambados antes de prosear com suncê, mas graças a Deus não foi necessário, pois suncê sentiu tal necessidade com o tamanho da generosidade do seu coração.
Reginado segurou a emoção para responder a entidade:
− Somente o senhor vovô para fazer com que eu me sinta um ser humano melhor do que realmente sou.
− Somente Deus meu filho! Somente sua fé em Deus para fazê-lo endereçar seus pedidos prioritariamente a Ele antes de qualquer entidade. E como suncê percebeu na última gira que não haveria tempo hábil para conversar com este Nêgo sobre as dificuldades de relacionamento com seu filho adolescente, suncê acabou por endereçar seus pedidos tão somente a Ele.
− É verdade. Não sei como o senhor poderia saber disto, mas é verdade!
− Suncê observou como o relacionamento de suncês melhorou na última semana?
− Era o que eu mais queria vovô!
− E suncê nem precisou falar com este Nêgo, nem precisou pedir, só precisou usar a caridade e ceder a sua vez para outros mais necessitados conversarem com este véio e foi neste instante que Zambi abençoou suncê meu filho, pois como reza ditado famoso entre suncês encarnados: “ Uma ação vale mais do que mil palavras”!





Mensagem recebida por Pedro Rangel