segunda-feira, 16 de março de 2009

LIÇÕES DE SABEDORIA


Certa vez eu estava incorporado com um preto-velho que, naquele momento, prestava consulta a um jovem casal.
Conversa vai e conversa vem quando ele determinou que a companheira do jovem à frente dele passasse por um determinado tratamento espiritual a fim de resolver os problemas que afligiam o casal.
Acontece que enquanto o pai-velho explicava para a jovem os procedimentos do tratamento espiritual ele mesmo esclarecia-me mentalmente dizendo que o jovem também se encontrava com um problema espiritual que estava atrapalhando a vida afetiva do casal.
Quando perguntei sobre o que ele faria para tentar resolver o problema do jovem em questão, assustei-me quando ele respondeu:
— Nada!
Ainda estupefato ousei repetir a pergunta para ele:
— Desculpe vovô, mas como?
— Nada!
— O senhor por acaso poderia explicar o por quê?
— O que Nêgo véio pode fazer ele já tá fazendo, concentre-se no tratamento espiritual que Nêgo tá prescrevendo pra fia.
— Mas o senhor acabou de me dizer que o cônjuge dela também se encontra com problemas espirituais e eu não entendi o por que.
— Num entendeu o porquê de que, fio?
— O porquê de o senhor dizer-me que o jovem está com problemas se o senhor não vai fazer nada para tentar resolve-lo!
— Suncê quer aprender né fio?
— Com certeza!
— Mas muitas vezes fio, o aprendizado só vem com o tempo e se suncê se diz um eterno aprendiz da umbanda Nêgo num entende o porque da pressa.
— Mas...
—..... Fio, se Nêgo pudesse ele inté se estendia nessa prosa, mas é que os dois “fiados” na sua frente tão precisando muito de sua concentração para que Nêgo possa passar pra eles, através de suncê, um tratamento formoso para ajudar os dois “fiados” a resolver os problemas que os afligem.
— Sim senhor!
— Concentre-se fio, o importante é a caridade!
— Sim senhor!
E assim o preto-velho prescreveu o tratamento e pouco tempo depois ( a gira estava prestes a acabar ) desincorporou.
A gira terminou, os dias foram passando e aquele questionamento não saía de minha mente: por que o preto-velho dissera mentalmente a mim que o jovem atendido possuía problemas espirituais e nada fez para tentar solucioná-los?
Fiquei pensando porque, afinal, umbanda não é caridade? Então por que não exercer esta caridade para auxiliar a um irmão de jornada que necessite? Por que, tratando-se de um casal, só a mulher seria merecedora de caridade, se o homem também estava com problemas?
Os dias foram passando e eu, segundo minha forma de pensar, cheguei a duas conclusões: ou eu estava mistificando, ou os preto-velhos não faziam à caridade do jeito que deveriam, e como esta segunda alternativa é muito improvável conclui que, apesar de meus esforços para ser um bom médium, eu estava mistificando.
Esta conclusão estava deixando-me até mesmo deprimido, mas em certa noite tive um encontro que me emociona profundamente a cada vez que dele me recordo.
Neste encontro eu me vi andando por um campo enorme onde o gramado era tão perfeito que passava a impressão de ser um carpete.
Neste campo havia um único pé de arvore ( uma jabuticabeira ) e junto a ela, desfrutando de sua sombra e sentado em um toco também havia um preto-velho que estava a acenar para mim.
Procurei andar na direção dele e quando estava na sua frente eu o ouvi dizer:
— Pode sentar zifio.
— Obrigado vovô!
Assim eu o respondi procurando atender prontamente sua determinação.
— Suncê nem sabe como foi trazido aqui, né zifio?
— É vovô, como sempre não é?
— Suncê sabe onde está?
— Não senhor!
— Sabe o que veio fazer aqui?
— Não senhor!
— Quem sabe hoje num é o dia de suncê descobrir, né zifio?
— Descobrir o que vovô? O porquê de eu estar aqui?
— Não zifio, descobrir o porquê de suncê ser um eterno aprendiz!
— Desculpe, não entendi!
— Não se preocupe não zifio, imagine só com Nêgo uma determinada situação:
Imagine que suncê é um empregado doméstico responsável pela limpeza de uma residência.
Imagine também que sua patroa é uma fia extremamente rígida e ordenadora em relação ao cumprimento correto de suas funções enquanto doméstico.
Imagine ainda que essa patroa lhe faça uma única exigência em relação a suas atribuições na residência dela, dizendo que suncê nunca deveria varrer debaixo de um imenso tapete que fica na sala de estar.
Imagine por último que esta patroa do fio teria como saber, de uma forma ou de outra, se esta exigência estaria sendo cumprida a risca.
Eu estava com o pensamento firme nas suposições que o vovô passava para mim quando ele perguntou-me:
— Está imaginando zifio?
— Sim senhor!
— Então este Nêgo pergunta: suncê desobedeceria esta exigência?
— Não senhor!
— Por que não zifio?
— Por que ordens foram feitas para serem cumpridas!
— Muito formoso zifio!!! Nêgo gostou desta resposta sua!!!
— Verdade?
—Verdade. Agora continue a imaginar com Nêgo véio zifio:
Imagine que suncê um dia, só por curiosidade, resolva olhar debaixo do tapete e descubra muito lixo sobre ele. Nêgo então pergunta pro fio:
— E nessa condição, suncê desobedeceria à patroa e limparia debaixo do tapete?
— Não senhor!
— Mas imagine zifio: a casa toda limpa por suncê e com sujeira só embaixo do tapete; suncê não limparia a sujeira?
— Não senhor!!!
— Mas qualquer “fiado” que entrar neste casuá e olhar debaixo do tapete vai pensar que suncê num trabaia direito e pode até exigir que a sua patroa demita suncê. Suncê correria este risco?
— Sim senhor!
— E por que zifio?
— Por que a ordem foi dada por minha patroa e, certamente, ela deve saber o que está fazendo.
— Mas mesmo suncê cumprindo esta ordem ela lhe seria incompreensível, né zifio?
— Isto, de fato, eu não posso negar vovô!
— Mas esta incompreensão faria suncê, todos os dias de sua vida, ficar duvidando da capacidade de comando e de trabalho da sua patroa?
— Não senhor!
— E por que zifio?
— Justamente pela confiança que teria nesta capacidade de comando de minha patroa.
— Muito formoso zifio!!! Nêgo também gostou desta resposta sua. Agora Nêgo pede pra suncê imaginar uma última coisa:
Imagine que os únicos residentes desta casa que suncê trabaia como empregado doméstico sejam a patroa do zifio e o “ perna de calça” dela.
Imagine também que esta patroa, vendo toda dedicação e obediência de suncê em desempenhar suas tarefas, um belo dia resolva explicar pro zifio o porquê dela ter determinado a suncê que nunca limpasse sob o tapete.
Então zifio, imagine a patroa explicando a suncê que todo aquele lixo que suncê via debaixo do tapete era ali depositado exclusivamente pelo “perna de calça” dela e que ela sempre pedia a suncê pra nunca limpar ali embaixo por ela não achar justo que nem suncê e nem ela, que não produziram o lixo, limpasse a sujeira dos outros.
— Tá imaginado zifio?
— Sim senhor!
— Então Nêgo pergunta: suncê agora veria lógica na determinação de sua patroa a suncê em relação ao tapete?
— Sim senhor?
— Suncê limparia o casuá da patroa até mais satisfeito por ter entendido a exigência dela em relação ao tapete, né?
— Sim senhor!!!
— Mas entenda zifio que a explicação da patroa em relação a tal determinação só foi possível quando ela viu em suncê dedicação e confiança em relação ao seu trabalho, certo?
— É verdade vovô!!!
— Suncê tá entendendo aonde Nêgo quer chegar?
Penso que sim. Creio que quando o senhor atendeu àquele casal naquele dia e passou um tratamento espiritual apenas para a mulher eu deveria ter tido mais confiança em Deus e na forma de trabalho do senhor.
— Fio, entenda que Nêgo num sabe tudo, mas aquele pouquinho que Nêgo sabe ele sempre há de ir ensinando um bocadinho a suncê à medida que o zifio for evoluindo em moral e disciplina.
— Sim senhor!!!
— Entenda que muitas vezes nós, que suncês chamam de entidades, dá o peixe, mas o que nós prefere mesmo é ensinar suncê a pescar.
— Estou entendendo!
— Quando Nêgo passou o tratamento espiritual pra fia e não passou pro “perna de calça” dela, mas disse mentalmente a suncê que ele também precisava de tratamento, Nêgo só queria que suncê orasse por este “perna de calça” em todos os momentos que suncê fosse fazer uma prece a Zambi- Nosso-Pai.
— Acho que estou entendendo vovô!
— Este Nêgo tava tentando ensinar suncê a pescar, tentando ensinar pro fio que antes, durante e depois dos nossos atendimentos aos consulentes, suncês também devem ter responsabilidades para com eles, suncês também devem rezar por eles, suncês também devem exercer a tarefa de suncês na prática de fazer a caridade e ajudar os zifios que foram atendidos por nóis a encontrar o equilíbrio e a paz.
— O senhor tem razão vovô!!
— Nêgo pergunta com todo carinho: suncê fez isso alguma vez?
— O que vovô? Orar por aquele rapaz necessitado de auxilio espiritual?
— Isto zifio!
E eu, de olhos marejados, respondi:
— Não senhor!
— Não precisa chorar de tristeza por não ter entendido Nêgo antes, zifio. Se suncê tiver que chorar que sejam lágrimas que enquanto deslizam por seu rosto possam fazer subir a Zambi o seu desejo sincero de sempre crescer em sabedoria e humildade.
E eu, já transbordando emoção, respondi àquela entidade tão carinhosa e humilde:
— Sim senhor, vovô!!!
— Agora que suncê entendeu Nêgo véio, Nêgo pergunta pra suncê: suncê ainda quer saber por que Nêgo não prescreveu nenhum tratamento espiritual pro “perna de calça” daquela filha?
— Não senhor!
— Olha zifio, Nêgo inté que ia acreditar em suncê se não conhecesse um bichinho que vive no coração do zifio e que, algumas vezes, tanto dodói causa a suncê.
— Bichinho?
Perguntei eu preocupado e já pensando em alguma doença física.
— É zifio, um bichinho!
— Que bichinho vovô?
— O bichinho da curiosidade.
Deus do céu, como eu sorri neste momento!!! Engraçado é que o sorriso saia de meus lábios enquanto lágrimas de gratidão ainda caiam de meus olhos. Mas eu, é claro, não tive como negar e respondi ao preto-velho:
— É verdade vovô! Para ser sincero, sou mesmo bastante curioso!!!
— Nêgo sabe zifio, e é também por isso que Nêgo vai explicar pra suncê por que não passou tratamento espiritual pro “perna de calça” daquela fia.
— Sou todo ouvidos vovô!!
— Fio, voltando praquela história da patroa que Nêgo pediu a suncê pra imaginar é que Nêgo pergunta: que mérito o “perna de calça” da suposta patroa do fio teria se ela ou então suncê retirasse o lixo que ele acumulou debaixo do tapete?
— Nenhum!
— E com o passar do tempo o “perna de calça” da patroa do fio ia colocar mais lixo debaixo do tapete, né?
— É verdade!!!
— Ou seja, ele não ia aprender o valor da limpeza, né?
— Sim senhor!
—E ficaria a repetir o mesmo erro, certo?
— Certo!!!
— Então zifio, é por isso que Nêgo não passou tratamento espiritual pro “perna de calça” daquela fia que Nêgo atendeu: tratamento espiritual é para a limpeza dos fios que precisam e dele se façam merecedores. O “perna de calça” daquela fia ainda não entende o valor da limpeza espiritual e vive a empurrar pra debaixo do tapete do próprio coração dele as impurezas da infidelidade conjugal.
— Meu Deus!!!!
— O tratamento espiritual que Nêgo passou praquela zifia foi no sentido de estar isolando do espírito dela e do espírito do curumim que está no ventre dela ( e que ela ainda não sabe) as energias deletérias que o “perna de calça” dela constantemente traz pra elas e pro lar deles devido a essas companhias femininas nada edificantes.
— Deus do céu!!!!
— Este “lixo” da infidelidade é um lixo que nem suncê e nem este Nêgo pode tirar debaixo do tapete do coração daquele zifio.
— Compreendo!
— Aquele zifio tá precisando de tratamento espiritual não por que é infiel, mas sim por que esta infidelidade está trazendo companhias espirituais indesejáveis para o equilíbrio energético do zifio. Agora enquanto o zifio não desejar e procurar mudar, de fato, este comportamento espiritualmente inadequado de nada ia adiantar nóis passar tratamento espiritual, por que este ia restabelecer o equilíbrio energético do zifio, mas o zifio logo ia tratar de trazer mais sujeira pra debaixo do coração dele justamente por não valorizar a limpeza espiritual.
— Meu Deus, é impressionante!!!
— Então zifio, como Nêgo já disse antes, quando ele falou pra suncê que o “perna de calça” daquela fia que Nêgo atendeu tava precisando de ajuda espiritual, mas que não podia fazer nada, era simplesmente pra suncê orar pedindo as bênçãos de Zambi praquele fio, suncê não precisava saber necessariamente o porquê daquele fio estar precisando de ajuda, suncê só precisava fazer prece sincera a Zambi-Nosso-Pai pedindo por aquele fio e deixar a espiritualidade agir.
— Entendi.
— Então também entenda que serão as suas preces um, entre vários fatores, que ajudará àquele zifio a desejar limpar a sujeira do espírito dele.
— Sério?
— Claro zifio! Obrigação de rezar suncê num tem nenhuma, mas saiba que se suncê assim desejar agir acabará beneficiando por demais a vida daquele fio e a suncê mesmo, pois suncês só podem receber de volta apenas daquilo que ofertarem; além do mais zifio suncê não deve desprezar a força e o poder de alcance de uma prece equilibrada realizada com o coração.
E eu, boquiaberto, respondi:
— É verdade!!!
— Pois é zifio, Nêgo agradece a presença sua aqui neste dia tão lindo e neste campo tão formoso que inté parece um tapete.
— Vovô, eu é que lhe agradeço do fundo do meu coração, mas como o senhor tocou no assunto eu pergunto: que campo é este em que estamos?
— Essa será a última coisa que Nêgo vai responder pro fio, antes Nêgo precisa saber que pergunta é essa que tá fomentando aí na cabeça do fio.
E eu, mais uma vez boquiaberto pelo fato do meu íntimo ser tão aberto para aquela entidade, perguntei:
— O senhor tem algum recado?
— Nêgo tem sim zifio! Diga a todos os umbandistas que já trabalham com a mediunidade de incorporação que os “manos” são responsáveis pelos trabalhos pertinentes a eles, mas que suncês, os “cavalinhos”, também são responsáveis pelo bom andamento dos trabalhos que são realizados com todos os consulentes atendidos por esses manos!!!
— Sim senhor!!!
— Responsáveis não só pela concentração na hora em que os “manos” tão realizando estes trabalhos, mas também pelas orações em favor de todos os assistidos pela espiritualidade maior após o encerramento das giras.
— Sim senhor!!! Fique certo que transmitirei o vosso recado!!!
— Quanto a este campo em que nóis estamos zifio, Nêgo véio tem a dizer que não é suncê que tá visitando Nêgo em alguma esfera distante da terra, é Nêgo véio que veio ter com o fio numa localidade próxima a suncê.
— Como?
— Na verdade zifio, Nêgo véio fala que este campo pertence a suncê.
— O que? Este campo que parece um carpete pertence a mim?
— Claro zifio, Nêgo véio num ia mentir pra suncê!!! Nêgo só pede que pra debaixo deste “tapete” suncê nunca esconda nenhum tipo de lixo, certo zifio?
E eu, meio atônito, respondi apenas:
— Sim senhor!
— Então Nêgo já vai zifio, mas não sem antes esclarecer que este toco de carvalho e esta jabuticabeira são presentes que Zambi deu a Nêgo e que, portanto, são de Nêgo já este campo em que estamos é o campo que religiosamente representa o seu coração. Fique na força e na luz de Zambi-Nosso-Pai!!!!!
— Que assim seja!!!
Acordei, aos prantos, repetindo está última frase em cima do meu leito
.


Mensagem ditada por um amigo espiritual e recebida por Pedro Rangel em 08/01/2008