Em uma madrugada de quarta-feira, em meio à orla marítima, Pai Benedito preparava-se para o último atendimento fraterno daquela noite.
A lua cheia brilhava esplendorosa no céu quando o perispirito de uma senhora de aproximadamente sessenta anos de idade, mas de mente jovial, sentou-se à frente da entidade.
— Como vai suncê zifia?
— Apesar de preocupada eu até que vou bem, mas qual é o nome do senhor?
— Zifia o nome deste nêgo é Benedito, mas nêgo deve pedir licença a suncê pra dizer que o senhor tá no céu.
— Vovô desculpe-me, mas eu só o chamei de senhor para demonstrar respeito.
— Nêgo véio sabe zifia, mas para que fique tudo certo é que nêgo pergunta: eu também posso tratá-la respeitosamente chamando-a de senhora?
— Ah não vovô, se for possível eu gostaria que o senhor me chamasse apenas de Mercedes.
— Então tá tudo certo zifia: nêgo chama suncê de Mercedes e suncê chama nêgo de Benedito.
Respondendo com um sorriso nos lábios Mercedes disse a entidade:
— Está certo vovô!
— Mas conte pra nêgo o que trouxe suncê até ele minha filha!
— Vovô, veja bem, eu conversei com o meu filho e ele disse que na próxima gira do terreiro ele vai estar sentado lá na assistência.
— Que bom zifia! Muito formoso suncê levar mais um zifio pra conhecer uma das casas de caridade onde nóis trabalha em nome da umbanda.
— Nem me fale vovô, pois eu não vejo a hora de chegar o dia da próxima gira no terreiro!
— Mas por que tanta ansiedade zifia Mercedes? O filho de suncê tá com algum problema?
— Foi bom o senhor ter tocado neste assunto vovô, por que, na realidade, quem está com um problema sou eu!
— Conta pra nêgo véio zifia!!!
— Bem, é que nos últimos meses eu tenho me sentido muito só lá na casa onde eu vivo com meu filho, minha nora e meu netinho.
— Como assim zifia?
— A solidão que eu sinto é mais por parte do meu filho, que quase não tem tempo para estar comigo. O meu esposo faleceu há poucos meses, mas eu o sinto muito mais presente na minha vida do que o meu filho que eu tanto amo!
— Zifia Mercedes, nêgo inté que entende suncê; só o que nêgo não entende é o porquê da sua ansiedade em que o seu filho vá à assistência do terreiro.
— Olha vovô a minha ansiedade é por que eu não vejo a hora de o senhor conversar com o meu filho Ramon sobre toda esta solidão que eu já venho sentindo há um bom tempo. O senhor poderia fazer isto?
— Zifia antes, por caridade, responde uma coisa pra nêgo.
— Sim senhor!
— Zifia se o seu filho Ramon, ao invés de morar junto com suncê, residisse numa terra bem distante como suncê haveria de fazer pra conversar com ele?
— Bem vovô, eu poderia usar o telefone.
— Telefone?
— É vovô! O senhor não conhece?
— Ver nêgo já viu só que nêgo não sabe como funciona; suncê pode explicar pra ele?
— Certamente vovô! O telefone é um aparelho de comunicação onde eu posso fazer contato com outras pessoas, tanto como emissora quanto como receptora de mensagens.
— Nossa zifia Mercedes esse tal de telefone é mesmo um aparelho muito importante, não é?
— É sim vovô!
— Zifia pelo que este nêgo tá entendendo o telefone é um aparelho que encurta a distância aproximando pessoas, é isto?
— Exatamente vovô!
— Zifia, se uma pessoa que suncê gosta muito e sente muito a falta de comunicação com ela morasse do lado da sua casa suncê ia preferir entrar em contato com ela pelo telefone ou pessoalmente?
— Olha vovô eu preferiria pessoalmente.
— Suncê pode contar por quê?
— Perfeitamente. Para mim nada é mais importante do que o contato pessoal com aqueles que são tão caros ao nosso afeto. O telefone é importante, mas não deve substituir o carinho, a troca de energia e afeto que só o contato pessoal sabe proporcionar inigualavelmente.
— Deixa nêgo ver se entendeu: suncê tá dizendo que o telefone serve para encurtar distâncias em relação às pessoas que estão longe de nós, porque para pessoas que estão próximas nada é melhor do que o contato pessoal é isto?
— Exatamente isso vovô!
— Zifia Mercedes, nêgo véio entende que suncê veio até aqui pedir auxílio, mas, por caridade, será que Benedito pode fazer mais uma pergunta pra suncê?
— Puxa vovô, não precisa nem pedir!
— Zifia, como suncê mesma pode ver este nêgo véio não é muito chegado a beleza, mas mesmo assim ele pergunta: será que Nêgo Dito é tão feio, mas tão feio que parece um telefone?
Completamente atônita Mercedes respondeu:
— Como é vovô?
— Nêgo véio parece um telefone zifia?
— Claro que não vovô! O senhor é completamente diferente!
— Completamente diferente?
— Completamente vovô!
— Então porque zifia Mercedes deseja transformar este nêgo véio num telefone de suncê?
— Não entendo vovô!
— Não é suncê que mora na mesma casa com o seu filho Ramon?
— Sim senhor.
— Ele não lhe é muitíssimo caro?
— É sim senhor.
— E se ele mora na sua casa isso não quer dizer que ele lhe é próximo?
— Exatamente!
— Suncê quer que ele saiba que suncê se sente só em relação a ele, não é isto?
— Exatamente!
— Então por que suncê não aproveita esta oportunidade de ouro que é viver ao lado dele e não lhe diz o quanto a ausência dele a está fazendo sentir-se sozinha, triste, com medo de ser abandonada? Quem é nêgo véio pra substituir suncê no coração do seu filho? Se suncê souber quando, como e o que falar as suas palavras terão muito mais valia no coração do filho Ramon, do que qualquer palavra que este nêgo disser a ele, pois aos olhos daquele zifio nêgo véio seria apenas um telefone.
Talvez seja pelo fato do preto-velho falar das coisas que vão ao coração de um jeito tão humilde, talvez seja pelas palavras daquela entidade terem ampliado a consciência de Mercedes, ou talvez seja mesmo pelo fato dela ter carregado aquele sentimento de abandono por tempo demais dentro do seu ser: a realidade é que nenhuma destas teorias é mais importante do que o pranto transmutador que brotou dos olhos de Mercedes, desafogando o peito dela do medo e clareando o seu mental.
Após alguns instantes, e já se sentindo bem melhor, Mercedes disse a entidade:
— Vovô, o senhor me disse que se eu souber quando, como e o que falar com o meu filho o resultado será benéfico para nós dois, mas como é que eu vou saber o que quando e como comunicar-me com o meu filho?
— Simples zifia: é só suncê fazer um telefonema antes de conversar pessoalmente com o filho Ramon!
— Telefonema? Mas o senhor não acabou de dizer que é melhor falar pessoalmente?
— Este telefonema que suncê vai fazer num é pro fio Ramon!
— Não!?!?
— Não! É pra Zambi-Nosso-Pai!
— Telefonar para Deus? Vovô, o senhor está falando sério?
— Claro zifia Mercedes!
— E como é que se telefona pra Deus?
— Um telefone não serve pra comunicação?
— Sim.
— E como comunicar-se com Deus?
— Ah, entendi vovô! Eu devo fazer uma prece a Deus, não é isso?
— Exatamente zifia!
— Só que eu já fiz inúmeras preces a Deus e até agora não consegui encontrar forças para falar da minha dificuldade com o meu filho, por isto é que eu fui trazida até aqui para falar com o senhor!
— Nêgo véio sabe disto zifia: os filhos de fé são os emissores dos pedidos de auxilio divino, Zambi é o receptor destes pedidos, a oração é o telefone e nós, que suncês chamam de entidades, somos os impulsos telefônicos!
— Pois é vovô a sua definição é, mais uma vez, brilhante em tanta simplicidade, mas o que o senhor quer me dizer, na realidade, é que eu devo fazer mais preces antes de conversar com o Ramon?
— Zifia, por caridade, cite pra nêgo pelo menos dois problemas que podem atrapalhar ou impossibilitar a comunicação num telefonema entre duas pessoas aqui na terra.
— Bem, quando o telefone está mudo isto impossibilita a ligação telefônica; já quando esta é estabelecida os chiados podem atrapalhar a comunicação.
— Muito bom zifia! Foi suncê que acabou de ser brilhante!
— Eu?
— É zifia! Suncê mesma acabou de responder por que não conseguiu forças pra conversar com o seu filho apesar de sua reiterantes rogativas a Zambi.
— Eu respondi vovô?
— É zifia! Suncê até hoje não obteve a resposta de Zambi em relação aos “telefonemas” que suncê faz a Ele por conta das interferências no telefone.
— Não entendi vovô!
— Zifia Mercedes suncê mesma respondeu pra nêgo: quando o telefone está mudo a ligação fica impossibilitada.
— Desculpe, mas ainda não entendi vovô!
— Zifia muitas vezes quando suncê pega o telefone da oração pra fazer rogativas a Zambi ele está mudo e daì Zambi não recebe a mensagem de suncê!
— Quando é que isto acontece vovô?
— Quando sunce, por exemplo, faz a prece, mas se julga imerecedora de receber a benção, nêgo véio tá mentindo?
— Não senhor!
— O fato de emitir a oração com algum juízo de valor é o suficiente, por si só, pra torná-la muda, pois só Zambi-Nosso-Pai pode julgar o merecimento ou não de cada um em suas orações.
— Estou entendendo vovô, mas será que o senhor também poderia contar-me a interferência que faz a minha oração ficar com “chiados” aos ouvidos de Deus?
— Perfeitamente zifia! É quando suncê faz preces com outros desequilíbrios nos campos da fé!
— O desequilíbrio nos campos da fé provoca chiados na oração a Deus: é isto?
— Exatamente, pois a oração é por si só, um ato de fé, não é verdade?
— É verdade, agora estou entendendo Pai Benedito!
— No seu caso, como suncê bem sabe, o desequilíbrio nos campos da fé que produz os chiados em suas orações é originário do medo que suncê tem que Deus lhe dote de forças pra conversar com o seu filho e de que você, depois de conversar com ele, seja tratada de forma indesejada pelo Ramon devido à incompreensão dele.
— Não vou negar o senhor tem razão, é verdade!!!
— Pois então minha filha mudar sua postura, seu estado consciencial, continuar a ter fé em Deus sem duvidar de seu próprio merecimento e capacidade são as condições que farão a qualidade dos seus telefonemas ser a melhor possível aos ouvidos de Zambi-Nosso-Pai, suncê entendeu?
— Sim senhor!
— Então vá na força e na luz de Zambi-Nosso-Pai!
— Que assim seja e muito obrigado vovô!
— Nêgo véio é que agradece zifia Mercedes, nêgo veio é que agradece!!!
Mensagem de Pai Benedito recebida por Pedro Rangel.