Sentia em meu mental, enquanto descia, como se estivesse a discutir com certo alguém no sentido de estar querendo afirmar minhas convicções como únicas e absolutas. Na realidade, eu estava irredutível em minhas opiniões.
Percebendo este meu estado mental, senti como se algo me estivesse aterrisando na região central daquela extensa floresta.
Notei então ao pisar no solo e olhar para o alto que a maior parte da vegetação daquela floresta era composta por árvores tão altas e frondosas que a luz solar parecia brigar com as folhagens para ter a oportunidade de brilhar no solo. Ao olhar ao redor a sensação que tinha é que toda a floresta estava sendo iluminada por uma luz verde, que na verdade era o reflexo da luz forte do sol refletido pelas folhagens ao redor.
Olhei para a enorme vegetação e apesar de saber de sua enorme extensibilidade e de não ter muita afinidade com a região de matas eu sentia algo bastante estranho e inconfundível como se tivesse a plena certeza de como sair dali.
Na verdade eu estava me sentindo como se estivesse sendo submetido a algum tipo de prova espiritual, onde se eu conseguisse encontrar a saída da mata conseguiria minha aprovação.
Posso dizer que não me fiz de rogado e comecei a caminhar na direção que tinha a plena certeza de que era a mais apropriada para conseguir meu objetivo. Andei, andei e andei e apesar de sentir que o tempo passava, eu percebia como se isto não estivesse ocorrendo porque a sombra das folhas no chão não mudava de posição apesar de estar fazendo pelo menos umas três horas que eu já estava caminhando.
Andei ainda mais umas duas horas e fiquei estupefato ao perceber que eu inexplicavelmente havia retornado ao meu local de partida. Já estava com muita sede ( e apesar de sentir o tempo passar o sol no céu não mudava de posição ), e com as pernas pesadas mas não dei o braço a torcer e, após um breve intervalo, pus-me a caminhar novamente a procura de uma saída e de, mais imediatamente, algum coqueiro carregado de frutos para tentar saciar a minha sede.
Só não conseguia entender o porquê de uma sensação estranha ficar rondando o meu emocional desde a primeira vez que eu me pus a caminhar para tentar achar a saída da mata, que era uma sensação como se eu sentisse que, apesar de achar que sabia o caminho que levava a saída, fosse um erro em eu assim fazer.
Eu já estava sentindo um cansaço muito grande e misturado a ele um enorme calor que se confundia com a estranha sensação emocional que descrevi anteriormente e que me deixava ainda mais cansado e provavelmente deve ter sido por tudo isso que eu, ao me deparar com vários pés de guiné, pus-me de joelhos em frente deles e comecei a fazer uma prece fervorosa a Deus pedindo, ainda sem entender muito bem o motivo, primeiramente o Seu perdão e depois que me mostrasse o caminho até um local onde pudesse matar a minha sede.
Curiosamente após esta prece eu olhei para uma determinada região da mata e senti como se alguém invisível aos olhos estivesse a me indicar que aquele era o caminho que eu deveria seguir para ter minha prece atendida. Sem mais demoras eu me levantei de um salto e passei a caminhar em passos acelerados na direção indicada; andei, andei e andei até ter uma visão que me fez sentir o homem mais rico do mundo: um extenso rio caudaloso, de correnteza forte, cheio de pedras e mediamente largo de uma margem a outra. Na verdade nem pensei duas vezes e corri com toda velocidade até começar a saciar a minha sede na maior voracidade.
Somente após acabar com minha sede ( me sentindo o mais feliz dos homens ) foi que eu percebi que se quisesse encontrar a saída daquela mata, deveria tentar atravessar o rio a minha frente e, na realidade, foi o que eu tentei fazer, mas ao lembrar a enorme quantidade de pedras dos mais variados tamanhos e a força da correnteza além de, principalmente, o fato de eu não saber nadar, cheguei a conclusão de que não conseguiria passar para a outra margem. Já estava mesmo começando a ficar desesperado quando me lembrei de fazer uma nova prece, com todo o meu coração, pedindo forças ao Criador para alcançar o meu intento.
Passado alguns instantes após o término da prece eu, já sentado e recostado a uma árvore, passei a ficar olhando toda a extensão daquele rio quando, de repente, senti como se aquele alguém invisível estivesse à beira do rio a indicar o caminho até a outra margem; e foi com certo medo e muita prudência que me pus a pisar passo a passo onde eu percebia que deveria colocar os meus pés para, não me perguntem como, de fato, alcançar a outra margem.
A adrenalina na travessia do rio foi tão intensa que a minha fome chegou a um nível praticamente insuportável; engraçado que se antes eu reclamava do sol pelo fato dele nunca sair de sua posição no meio do céu, apesar de eu sentir a passagem do tempo; agora eu agradecia a Deus por tudo estar acontecendo desta forma porque se assim não fosse, naquele exato momento, eu estaria perdido porque certamente seria tarde da noite e eu não enxergaria um palmo a frente do nariz e foi daí que eu notei, mais uma vez, o fato de que, com certeza, Deus sabe o que faz.
E vislumbrar toda essa infinita sapiência Divina e o “roncar” de meu estômago ( que insistentemente não me deixava esquecer a fome que estava sentindo ), além de observar o fato de que toda a vez que eu dirigia uma sentida e verdadeira prece a Deus, Ele de alguma forma ( e de acordo com meus merecimentos ) acabava por me atender, foi o que me deu uma enorme força para, mais uma vez, dobrar meus joelhos no chão e Lhe direcionar uma prece pedindo que me indicasse um caminho onde eu pudesse aplacar a minha fome.
Pode parecer incrível, mas novamente senti um alguém invisível a me direcionar os passos e eu, apesar de já estar com as pernas fadigadas, recomecei a caminhar até ter uma visão que, para um faminto como eu, parecia um verdadeiro manjar dos deuses: inúmeras bananeiras completamente carregadas com frutos maduros.
Ainda senti este mesmo alguém invisível a me pedir que antes de me alimentar agradecesse ao Divino criador pela graça recebida, mas a minha fome foi maior e eu comecei a andar em direção aos frutos de meu desejo até visualizar, a poucos centímetros da bananeira mais próxima, algo que fez o meu sangue gelar por completo: era a materialização de meu medo de cobras representada na figura de uma temível cascavel. Fiquei imóvel e boquiaberto olhando para sua língua colocada para fora e observando o som do seu chocalho já extremamente arrependido por não ter ouvido a determinação da espiritualidade me pedindo para agradecer a Deus por ter encontrado as bananeiras antes de procurar me alimentar.
Sabia que se fosse picado ali seria certamente o meu fim e percebi finalmente que para mim não haveria outra solução a não ser pedir perdão a Deus pela minha intolerância e assim eu fiz com toda a fé de minha alma para, ao descerrar os olhos, notar que a cobra ainda estava a minha frente a me fitar; mas foi nesse instante que, de repente, escutei um estranho e arrepiante assovio para assustadoramente observar ( como se ela também tivesse escutado ) a cascavel sair de minha frente e mover-se em direção ignorada como se nada tivesse acontecido.
Muito provavelmente sensibilizado por este fato e por tudo que já acontecera até ali eu, antes de agradecer a Deus pelo banquete que estava prestes a degustar, primeiramente agradeci (com a face completamente banhada por lágrimas de alívio), pelo livramento recebido.
Após alimentar-me eu, com um medo extremamente terrível de encontrar algumas outras cobras pelo caminho, coloquei-me novamente de joelhos e fiz ardorosa prece a Deus dizendo a Ele que eu não sabia o caminho que me fizesse sair da mata e que justamente por isso, de onde eu estava não teria condições nem físicas, nem racionais e nem emocionais de me mover em direção alguma se não fosse com o Seu divino auxílio.
Alguns instantes após a prece ouvi em minha mente uma voz a responder o meu apelo:
— Que sem o auxílio divino você não consegue achar o rumo de sua vida e a saída de seus problemas nós já sabíamos e tentamos lhe explicar quando fomos buscá-lo esta noite durante o seu sono físico, mas infelizmente você não nos escutou. Pelo fato de estar acostumado com nossas companhias nos rituais de umbanda você nos desrespeitou ao desprezar nossas determinações e nos tratar como espiritualmente e moralmente iguais a você. Agora você quer sair da mata e nós vamos auxiliá-lo como sempre estivemos a fazer a cada vez que você, com extrema humildade, fazia uma prece ao Divino criador; acontece que você terá que sair de onde está com suas próprias pernas.
— Sim senhor.
— Entenda que nada disso teria acontecido se você não tivesse sido intransigente, prepotente e até mesmo arrogante.
— Sim senhor.
— Comece a caminhar e você encontrará o caminho da saída e, no final deste, nós estaremos a te esperar.
— Sim senhor.
E assim eu comecei a caminhar com toda a fé do meu ser e, estranhamente, após instantes que me pareceram breves, eu consegui vislumbrar a saída da mata e acelerei os meus passos até deixar a última das árvores para trás.
Olhei então para minha frente e vi que estava diante de um campo revestido inteiramente por gramas como se fosse um estádio de futebol em perfeita qualidade de preservação; coloquei, então, a destra por cima de minhas vistas para eliminar a interferência dos raios do sol e pude perceber que logo adiante de mim, sentados debaixo da sombra de vários pés de carvalhos que estavam muito próximos entre si, havia vários espíritos que eu, de alguma forma, sabia que eram as entidades que trabalham comigo na religião de umbanda.
Estes espíritos estavam a sorrir como se estivessem a me esperar, mas à medida que eu deles me aproximava isto estranhamente fazia com que os seus semblantes ficassem cada vez mais sérios.
Quando eu me aproximei efetivamente deles o espírito que aparentava ter mais idade falou para mim:
— Conseguiu né fio?!?! Não foi fácil, mas fio conseguiu.
Pelo timbre de voz eu percebi que era o mesmo espírito que havia se comunicado comigo mentalmente quando estava na mata, mas havia dentro de mim uma dúvida tão grande sobre tudo aquilo que eu acabara de vivenciar que, apesar de todo o respeito que eu devoto a estes irmãos do plano maior eu sentia que tinha o dever de buscar algum esclarecimento antes que enlouquecesse, e foi o que fiz:
— É meu irmão, graças ao bom Deus eu consegui sair, só que na verdade eu estou com algumas dúvidas que eu gostaria de esclarecer, o senhor me permitiria?
— Pode falar fio.
— É que quando eu ainda estava na mata o senhor me disse que veio me buscar no momento do sono para me trazer a uma região de mata que, por sinal, é o ponto de forças da natureza com o qual eu tenho menos afinidade, e eu ainda não consegui entender o que o senhor gostaria de alcançar com tudo isso.
— Eu posso te explicar fio. Foi assim: eu junto com alguns companheiros espirituais afins fui buscá-lo em espírito esta noite e lhe explicamos que o que queríamos com a nossa visita é ensiná-lo como deve ser o procedimento mental, emocional e espiritual de todo médium enquanto uma entidade estiver se utilizando de seu corpo físico durante a incorporação; só que ao invés de tentar realizar o nosso intento em algum tipo de sala de aula, nós julgamos por melhor ensina-lo através de um ponto de forças da natureza que, no caso, é a região de mata, entendeu?
— Sim senhor, mas porque eu fui deixado sozinho em um ponto de forças da natureza com o qual eu não tenho afinidades?
— Engano seu companheiro, a região de mata pela qual você passou lhe é intimamente afim e particular; e lhe digo mais: você é a única pessoa no mundo que já viu e que poderá ver a região de mata pela qual atravessou.
— Verdade???
— Verdade e sabe por quê?
— Não senhor.
— Pois então eu lhe explico: é porque esta região de mata não existe no plano físico, ela é, antes, uma representação da essência vegetal que existe dentro de todo ser humano, e esta noite eu achei por melhor tentar faze-lo conhecer qual é o estado mental, físico e espiritual que todo médium deve ter enquanto está incorporado através da essência vegetal que lhe é particular. Acontece que no momento que você ouviu de nós que a lição da noite de hoje seria “Comportamento ideal de um médium durante a incorporação” e que para realizá-la nós plasmaríamos uma região de matas que representasse sua essência vegetal você, pela excessiva empolgação e por achar que já está bastante acostumado com o processo de incorporação, não quis escutar nossas orientações e passou a dizer que, se a região de matas seria plasmada a partir de sua essência vegetal, você então seria capaz de sair da região de matas de olhos fechados. Nós não lhe fechamos os olhos, mas devido ao seu terrível ato de intolerância e até mesmo de vaidade, nós lhe deixamos na região de mata por conta de suas próprias forças. Quando você, aos poucos, começou a recobrar a divina virtude da humildade ao longo de sua jornada, pôde, assim, sentir nossa presença e encontrar a saída da mata que, na realidade, como já dissemos, lhe é infinitamente particular.
— Meu Deus isto é inacreditável. Chegaria a dizer que é até mesmo impossível ou loucura se não tivesse vivenciado por mim mesmo.
— Nunca se esqueça de se lembrar fio e nem de falar a seus irmãos de religião que mesmo que vocês tenham décadas e mais décadas de contato com o mundo espiritual através da incorporação, na hora deste divino momento, o mais importante é vocês esquecerem toda impetuosidade desmedida, toda vaidade descabida e toda interferência indevida nos trabalhos e falas que as entidades incorporadas tenham a realizar. Toda vez que uma entidade incorpora é como se vocês e ela estivessem entrando em uma região de matas onde, se vocês quiserem extrair dela todos os sumos, sucos, ungüentos, benefícios e ensinamentos possíveis e saírem de seu território bem tanto fisicamente, quanto emocionalmente e mentalmente ao final de cada incorporação, devem seguir o humilde conselho que este caboclo como porta-voz de uma coletividade de espíritos com quem você tem afinidades, está a lhe comunicar: a incorporação é um momento divino que exige dos médiuns humildade, tolerância, sabedoria, disciplina e paciência. Sigam este singelo conselho e vocês terão todos os instrumentos para serem bons médiuns.
E como se já houvesse falado tudo que havia para ser dito o amigo espiritual bateu as mãos duas vezes e eu, na mesma hora, acordei espantado em cima da minha cama.
Postado por Pedro Rangel T. Sá