quarta-feira, 14 de novembro de 2007

A verdade absoluta

Ditado pelo Caboclo Sete Estrelas.



Estava andando por uma extensa rua de uma localidade em que nunca estive anteriormente quando uma cena inusitada chamou minha atenção: um homem branco, com aproximadamente trinta anos de idade, cabelos castanho-claros, 1,85mts de altura, olhos azul-esverdeados e barbudo estava a fitar com o olhar marejado e num estado contemplativo uma residência em específico.
Numa incontida vontade de entender o que estava acontecendo procurei me aproximar da pessoa em questão:
— Olá amigo, você me desculpe à interrupção em seu momento contemplativo, mas será que eu poderia lhe oferecer alguma ajuda?
— Ajuda?
— Sim, por que eu estou vendo estas lágrimas em seu olhar e penso que a causa delas deve ser pelo seu desejo de entrar na casa, é isso?
— Não. Na verdade eu e mais milhares e milhares de amigos somos os zeladores desta residência à nossa frente.
— Zeladores?
— É. Nós procuramos dar manutenção a ela da maneira que nos for permitido.
— Os moradores da casa não permitem que você faça a manutenção da casa é isso?
— De forma alguma. Na realidade nós, os zeladores, somos sempre bem-vindos neste lar.
— Então você poderia me explicar por que esta residência se encontra sem acabamento e proteção externa como muros e portões?
— Companheiro é como eu lhe disse antes, nós zeladores procuramos realizar uma manutenção nesta casa da forma que nos for permitido. Entenda que a função nossa não é construir, mas sim cuidar e zelar por tudo que foi ou venha a ser construído.
— Entendo.
— Penso que você não deveria se espantar com o fato de eu estar contemplando esta casa de maneira tão embevecida.
— Não? Acontece que eu esperei cerca de uma hora antes de vir aqui conversar contigo e, durante todo este tempo, você não desviou o olhar desta residência uma vez sequer.
— Uma hora?
— Exatamente.
— Penso que você não deveria se espantar com este fato.
— Mas, por quê?
— Por que estou há muito tempo fazendo isto.
— Observando esta casa?
— Exatamente.
— E há quanto tempo você está a observar esta casa?
— Há quase um século.
— Olha amigo você me desculpe pela intromissão, por favor, volte a fazer o que você estava fazendo por que eu vou continuar a minha caminhada, tudo bem?
— Você não acredita não é companheiro?
— Em que? No fato de que você está a quase um século observando este lar? Você me desculpe, mas eu tenho de ser sincero e lhe falar que não.
— Tudo bem você não é o primeiro a duvidar deste fato.
— Sério?
— Certamente, mas se você quiser uma prova do que lhe digo, eu teria imensa satisfação em oferecê-la.
— Eu aceito tua proposta.
— Tudo bem, mas antes permita que eu me apresente: meu nome é Horácio!
— Muito prazer e o meu nome é.....
— Desculpe-me interrompe-lo, mas acredite-me quando digo que lhe conheço muito bem.
Quando Horácio proferiu estas últimas palavras eu tive a nítida sensação de que ele era algum tipo de Ser espiritual evoluído, mas não me fiz de rogado e procurei escutar um pouco mais de sua conversa antes de chegar a alguma opinião conclusiva, lhe respondendo:
— Tudo bem Horácio, você não precisa se desculpar.
— Agradeço pelo voto de confiança, mas agora procure sentar no chão que eu vou lhe fornecer a prova da veracidade de minha história.
Segundos após me sentar e fechar os olhos, Horácio pousou a destra em minha fronte e eu passei a ver a construção daquela residência desde o seu principio: vi a construção de sapatas e vigas, o surgimento das paredes e do teto, instalação de dutos de água e fiação para energia elétrica e a fixação de portas e janelas; então, de repente, quando pensei que iria presenciar a realização do acabamento da residência eu fiquei a observar o tempo passar, ano após ano, e a casa a permanecer sem reboco, sem pintura, calçamento, água, energia elétrica e, para meu desespero, sem muro e sem portão.
O tempo ainda continuou a passar por muito tempo diante de meus olhos e eu também pude verificar a casa ser submetida a terríveis tempestades e ventanias. Vi, ainda, várias pessoas com rostos inidentificáveis a atirarem pedras na vidraçaria da casa ( única benfeitoria realizada nela ) e nada acontecer com esta: nem mesmo um mínimo trincado.
Vi, então, os anos se passarem até os dias atuais e foi neste momento que Horácio retirou sua destra de minha fronte e, segurando-me pela mão direita, convidou-me a levantar e adentrar àquela residência.
Ao entrar naquela casa um fato espantoso chamou minha atenção por que se por fora parecia uma casa simples de três quartos, por dentro ela parecia, em termos de extensão e número de quartos, uma verdadeira mansão com uma quantidade de cômodos infindáveis.
Pude perceber também que a grande maioria de seus residentes encontrava-se acordada enquanto apenas alguns poucos estavam dormindo àquelas altas horas da noite. Vi, ainda, que apesar de não ter energia elétrica e água encanada a casa possuía várias lamparinas e velas a iluminá-la e um poço artesiano com o qual eles obtinham água.
Após todas estas observações Horácio convidou-me a retornar para o lado externo da casa e perguntou se eu possuía alguma dúvida em relação ao que observara e eu, assim, lhe respondi:
— Olhe Horácio, de fato, eu tenho algumas dúvidas: Primeiramente eu gostaria de saber por que a casa, tirando a vidraçaria, não tem nenhum tipo de acabamento e proteção que a guarde de vândalos e de intempéries climáticas; depois, eu gostaria de saber quem são os vândalos que eu observei, ao longo dos anos, atirarem pedras e mais pedras em direção à vidraçaria e, por ultimo, ficaria imensamente ditoso se você me dissesse por que a vidraçaria da casa não se espatifou uma única vez até hoje apesar do tamanho e da intensidade das pedras que são atiradas contra ela.
— Muito bem, vamos por partes! Esta casa encontra-se sem acabamento e proteção externa devido ao fato de, desde o momento de sua fundação até os dias atuais, seus moradores não chegarem a um acordo sobre qual é o melhor tipo de acabamento para ela.
— Como? Toda esta demora é devido à indecisão?
— Não. O atraso é devido aos egos extravasados de seus moradores por que, para que a casa possa ser acabada e protegida, é importante à concordância dos moradores e é pelo fato disto não ter acontecido até hoje que você vê, atualmente, as condições em que esta residência se encontra.
— Entendo.
— Os vândalos que você notou a atirarem pedras na casa são, pasmem, os seus próprios moradores.
— O que? Mas, por quê?
— É como eu lhe disse: egos extravasados!!! Como os moradores têm pontos de vista diferentes entre si no que diz respeito ao acabamento e proteção externa da casa é que grande parte deles procura destruir a vidraçaria da casa, julgando-se o único dono da casa e dizendo que se ela não pode ficar do jeito que lhes cabe, que não ficará do jeito de mais ninguém; entretanto, como a vidraçaria foi colocada nas janelas com o consentimento de todos os moradores e como a casa conta com a proteção Divina é que eles não conseguem danifica-la, nem destruí-la.
— Meu Deus Horácio, mas isto é um grande equivoco!!! Os moradores deveriam se unir para efetuarem o acabamento e proteção externa do lar a fim de resguardá-la de tempestades e ventanias.
— Penso que os moradores realmente deveriam fazer o que você sugere, mas não por causa do clima.
— Hein?
— Entenda companheiro que o clima é um fator natural, corriqueiro e divino sendo, justamente por isto, incontrolável ao homem. Muitas vezes uma tempestade é até mesmo necessária seja para testar a resistência da estrutura da casa, seja para unir seus moradores, pelo menos momentaneamente, tendo em vista que a tempestade, ao os impedirem de sair do lar, acaba oportunizando condições para que se conheçam ainda mais. Na verdade, penso que os moradores deveriam fazer o acabamento da casa e protegê-la a fim de que todos, juntos, possam encontrar melhores condições de nela viver, usufruindo de seu conforto com sinergia.
— Puxa vida Horácio, percebo que você tem grande sabedoria!!! Rogo a Deus que todos os moradores possam se conscientizar do fato de que tudo o que você acabou de me dizer é impreterível e incontestável e, enfim, possam deixar suas idiossincrasias de ladoeiro e divino sendo, justamente por isto, incontrolr para efetuarem o acabamento e proteçdr da pessoa em quest e realizarem o acabamento e proteção desta casa!
— Você quis dizer nossa casa, não é?
— Nossa?
— Claro! Minha, sua e de todos quantos dela precisarem.
E, ao dizer esta frase, percebi o corpo de Horácio se transformando e entendi que ele não era tão somente um Ser espiritual evoluído, mas também um Senhor Caboclo que milita na Lei de Umbanda. Ao perceber este fato fiz menção de me ajoelhar aos seus pés e reverenciá-lo, mas Ele percebendo minhas intenções disse:
— Não precisa se ajoelhar1
— Mas...
— ...acredite-me quando digo que sei de seu respeito por mim, mas não duvide quando eu lhe determino que não se ajoelhe à minha frente por que sei que isto poderia bloquear todo o seu mental e impedir que eu continue a lhe passar esta mensagem sobre nossa casa.
— Sim senhor!!!
— Em relação à casa você nada percebeu, não é companheiro?
— Como assim?
— Esta casa que você vê a sua frente ainda não acabada representa a religião de umbanda, companheiro!!!
— Meu Deus!!!!
— Esta casa e todas as visões que você teve quando pus minha destra em sua fronte são representações simbólicas para que todos vocês, umbandistas, entendam a nossa mensagem!!!
— Acho que estou começando a entender!
— Os detratores desta louvável religião que vocês professam e que, muitas vezes, são vossos irmãos de jornada de outras denominações religiosas estão representados, em sua visão, pelos ventos, chuvas e tempestades que, na verdade, simbolizam a oportunidade dada por Deus para que os moradores da casa possam se unir com o objetivo único de finalizar sua construção e proteção a fim de que venham a ganhar força e melhor defesa contra estes “fenômenos climáticos”.
Já começando a compreender as analogias, simbologias e sabedoria daquela entidade espiritual eu, então, ousei lhe fazer mais uma pergunta:
— Irmão Horácio, desculpe a interrupção, mas o senhor poderia responder uma pergunta?
— Certamente, companheiro!
— É que eu gostaria de saber quem eram as pessoas com rostos inidentificáveis que eu, em minha visão, observei apedrejando a vidraçaria da casa. Por acaso estas pessoas também seriam estes irmãos de jornada pertencentes a outras denominações religiosas?
— Você pode não se lembrar, mas esta pergunta eu já lhe respondi anteriormente!
— Como assim?
— Estas pessoas companheiro, são os próprios moradores da casa!
— O que? Os próprios umbandistas? Mas, por quê?
— Esta pergunta eu também já lhe respondi antes, mas posso repetir: cada um dos moradores da casa quer que ela, ou seja, a umbanda, tenha o acabamento e proteção que lhes convém como melhor e, como não chegam num acordo e julgando-se os únicos donos dela, passam a afirmar que se ela, a casa, não pode ficar “do jeito” deles, que também não ficara de jeito algum. Muitos destes moradores, inclusive, ficam num estado de ânimo tão alterado que passam a jogar pedras na vidraçaria da própria casa onde residem.
— Meu Deus!!!!
— Mas como a vidraçaria foi colocada de comum acordo entre todos os moradores e, principalmente, como a casa é protegida por Deus, nenhum destes objetos arremessados consegue destruí-la.
— Puxa, a proteção de Deus é maravilhosa! Mas esta atitude dos moradores da casa é terrível, não é verdade irmão Horácio?
— Nem tanto!!! Terrível mesmo é vê-los habitarem a residência há quase cem anos sem fazer muito esforço para realizarem benfeitorias e proteção essenciais a fim de que possam crescer verdadeiramente enquanto religiosos que são.
— Além de terrível, também é incompreensível, não é irmão Horácio?
— Na verdade companheiro, eu posso compreendê-los!
— Sério!?!?
— Certamente. Vocês seres humanos na carne ainda estão bastante longe da perfeição e é justamente uma de suas maiores imperfeições que os fazem ver como verdade absoluta aquilo que vocês julgam verdade e afirmar que é mentira aquilo que para outros é verdade absoluta. Na verdade companheiro a única verdade absoluta existente é Deus e a luz de seu arco-íris sagrado que reflete em sete cores os sete sentidos da Sua criação que vocês devem fazer brilhar na terra em forma de caridade. Vocês, umbandistas, deveriam se unir em torno em torno deste brilho supremo para que possam adquirir sinergia e serem um foco de irradiação deste Setenário sagrado.
— Nossa!!! Irmão Horácio, que palavras lindas!!! Estou profundamente emocionado!!!
— Fico feliz com tua emoção, pois isto significa que minhas palavras encontraram eco em sua consciência e em seu coração; entretanto, infelizmente, só se emocionar não basta!!! É vital o entendimento entre vocês umbandistas para que possa ser realizado o acabamento e proteção da casa!!!
— Entendo. Mas, diga-me irmão Horácio, é esse o motivo de eu estar percebendo o vosso olhar marejado de lágrimas: o desentendimento entre nós umbandistas? São lágrimas de tristeza?
— Pelo contrario companheiro: são lagrimas da mais profunda e sincera alegria!
— Como? Alegria? Mas, por quê?
— Você se recorda quando esteve comigo, no interior da casa, do fato de que apenas a minoria de seus moradores encontrava-se dormindo?
— Sim, lembro.
— Sabe por que eles estavam dormindo?
— Não.
— Pois eu lhe digo que eles estavam dormindo o afamado “sono dos justos”.
— Hein? Não entendi!!!
— Então entenda que foram aqueles poucos moradores os únicos que procuraram cavar o poço artesiano para que, não somente eles, mas todos os moradores da casa tivessem algo para beber e fazerem o seu asseio.
— Verdade?
— Certamente. Também foram estes poucos moradores que providenciaram lamparinas e velas para que a casa não ficasse na mais profunda penumbra.
— E os demais moradores, por que não os ajudaram?
— Por que se encontram tão ensimesmados em seus egos e vontade de que a casa tenha o acabamento por eles desejados que acabam ignorando qualquer tipo de benfeitoria paliativa que seja realizada na casa e que por eles não tenha sido idealizada. Na verdade companheiro, estes poucos moradores sofreram, e ainda sofrem, ataques terríveis por parte dos demais.
— Mas, por quê?
— Foram e são acusados de demagogos, de “quererem aparecer”.
— Que horror!!!
— Mas mesmo com tudo contra ou nada a favor estes moradores valorosos não desistiram de seu intento e, com muita fé e determinação, conseguiram realizar benfeitorias paliativas que acabaram tornando-se vitais para todos os moradores da casa.
— Impressionante!!!
— Pois então, minhas lagrimas de alegria são motivadas por estes filhos de fé que priorizam o bem-estar geral dos moradores e da casa em detrimento de suas idiossincrasias em querer apontar qual é o melhor acabamento para ela. Entenda que enquanto houver pelo menos um filho de fé que pense e procure agir desta forma, sempre haverá o brilho de uma lagrima de alegria no olhar deste caboclo!!!
— Meu Deus!!! O senhor acabou de dizer mais uma coisa muito linda!!!
— Pode até ser companheiro, mas é extremamente importante que vocês moradores desta casa lutem com todas as forças para combaterem, primeiramente, dentro de vocês mesmos a terrível imperfeição da vaidade a fim de que também não seja transformada em verdade absoluta um dito bastante disseminado entre os umbandistas.
— Irmão Horácio nós umbandistas, de fato, falamos muitas coisas. Nós costumamos dizer: “Saravá!”, “Salve Jesus!”, “ Salve a vossa força!”e muitas outras coisas, mas sobre qual dito em especifico o senhor está falando?
E Ele, antes de colocar sua destra novamente em minha fronte e me fazer despertar, no plano físico, em cima de minha cama, ainda pôde dizer:
— “O maior adversário da umbanda é o próprio umbandista!”
Eu acordei em minha cama e fiquei a meditar profundamente, na época do ocorrido, em tudo o que Ele havia dito para mim. Aliás, para falar a mais pura verdade, eu estou a meditar até hoje!!!!!!!!


























sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Consolação


“Conta-se que aproximadamente há cinco mil anos, em um reino muito distante, o rei de uma enorme nação resolveu colocar a mão de sua filha, com o consentimento desta, como troféu para aquele que primeiro conseguisse atravessar toda a extensão de um enorme deserto. Aqueles que não conseguissem cumprir a tarefa, entretanto, deveriam pagar com a própria vida.
Talvez tenha sido pelo temor à morte que apenas quatro pretendentes apareceram para tentar desempenhar a tarefa.
Ao comparecerem no local que seria o ponto de partida para a grande jornada o rei, em pessoa, explicou as três regras que deveriam ser impreterivelmente obedecidas ao longo de todo o percurso:
1) A travessia deveria ser realizada a pé.
2) Existiam quatro caminhos para se realizar a travessia e cada pretendente deveria escolher apenas um dentre estes.
3) A travessia só poderia ocorrer antes da chegada do período noturno, porque a noite cada pretendente deveria descansar visando à recuperação de forças para o dia seguinte.
Com as regras bem explicadas e entendidas cada pretendente procurou organizar de forma eficiente os instrumentos e apetrechos necessários para a realização da empreitada.
Sete dias depois, às sete horas da manhã, cada pretendente, com cada um de seus caminhos escolhidos através de um sorteio, pôs-se a caminhar para tentar alcançar seus objetivos.
O que cada um destes pretendentes não sabia era o fato de que não pagaria com a vida aquele que não conseguisse cumprir a tarefa; na verdade, este argumento já representava um teste de coragem e bravura realizado pelo rei com vistas a arranjar o melhor pretendente para a sua filha.
E assim para cada um dos pretendentes iniciou-se a grande jornada.
O pretendente que estava no primeiro caminho era o príncipe de um grande reino oriental que pretendia contrair laços de matrimônio junto à princesa com o objetivo meramente político de uniões de terras e ampliação de poderes.
O pretendente que estava no segundo caminho era um soldado do exército daquele reino que pretendia conseguir atravessar o deserto tão somente com o objetivo de tornar-se um homem extremamente rico e bem visto aos olhos do rei.
O pretendente que estava no terceiro caminho era considerado o maior poeta do reino e estava com o propósito firme de ser o primeiro a concluir a travessia exclusivamente por ser conhecedor da fama esplendorosa no que dizia respeito à beleza da princesa.
Já o pretendente que estava no quarto caminho era um pastor de ovinos considerado até mesmo um maluco desde o momento em que explicou ao chefe do clã de que era membro o motivo que o levou a querer seguir aquela caminhada: havia tido um sonho onde um vulto que ele não conseguia ver, mas que lhe irradiava uma grande paz, determinara-lhe que aceitasse o desafio do rei e atravessasse o deserto.
Desde o momento do relato do sonho ao seu clã até o momento de sua partida para a travessia no deserto ele tornara-se o motivo de chacota de sua comunidade; entretanto, sua grande fé no Divino criador e suas experiências anteriores com estes tipos de sonho fizeram com que ele desse pouca importância às provocações.
Dizem que o período total para a travessia deste deserto, a pé, é de dez dias, mas já no sétimo dia os três primeiros pretendentes ficaram sem água e apenas com raríssimos mantimentos; o quarto pretendente, por sua vez, devido ao fato de já estar acostumado a viver com pouca água e alimentos e também por estar acostumado a andar, a pé, grandes distâncias por dia, ainda estava com sua quantidade de água e alimentos pela metade.
Na manhã do oitavo dia os três primeiros pretendentes caminhavam com as últimas forças que possuíam em seus músculos, sendo que os dois primeiros sinalizavam um principio de desidratação. Quando chegou o período vespertino deste dia, os quatro caminhos estranhamente converteram-se em um só e quando começou a despontar no céu os primeiros orbes celestes do período noturno os quatro pretendentes se encontraram na convergência dos quatro caminhos; neste instante, os dois primeiros pretendentes desmaiaram e o terceiro caiu de joelhos ao chão implorando água. O pastor de ovelhas, então, correu de encontro ao terceiro pretendente e começou, pouco a pouco, a derramar água em seus lábios para, em seguida, socorrer aos dois primeiros pretendentes também com a água. Mas o verdadeiro socorro que o pastor prestou aos seus colegas de ventura foi uma intensa e fervorosa prece a Deus pedindo auxílio e direcionamento sobre a forma como ele deveria fazer para resolver o problema que se apresentara à sua frente.
Conta-se que alguns poucos minutos após esta oração, repentinamente, apareceu um cavalo que galopou a curtos passos em direção ao pastor até parar em sua frente.
O pastor de ovelhas, a estas horas, já tinha ignorado até a regra que proibia a caminhada no período noturno e a regra que só os permitia andar a pé durante o percurso, para colocar os dois pretendentes desidratados em cima da montaria e enlaçar os braços do terceiro pretendente às suas costas pondo-se a caminhar com o intuito único de chegar ao final da travessia e procurar uma ajuda mais efetiva para seus companheiros de jornada.
E assim passaram-se a manhã, à tarde e a noite do nono dia.
No período vespertino do décimo dia o pastor, ao ver que para concluir a travessia deveria escalar uma enorme pedreira que estava em seu caminho, desanimou severamente e prostrou-se de joelhos no chão. Lágrimas pesadas e copiosas vieram a sua face como se aquela pedreira representasse o fracasso na sua intenção de salvar a vida de seus irmãos e a sua própria.
O pastor, assim, procurando encontrar as últimas forças de seus músculos, levantou-se e retirou de cima da montaria os corpos, ainda com vida, dos dois primeiros pretendentes e juntou-os ao corpo também vivente do terceiro para, após, ajoelhar-se ao chão, junto destes, e fazer uma última prece ao Criador ( por que ele já estava sentindo a vida esvair-se aos poucos de sua carne ) com o intuito de Lhe agradecer por, ao menos, ter chegado até ali na companhia de seus colegas de provação.
Mas ao ajoelhar-se, e antes de fechar os olhos, o pastor viu um homem alto, muito musculoso e com a pele de tom avermelhado como fogo descendo do alto da montanha e aproximando-se, a passos largos, de onde estava. Já quase sem forças o pastor ainda conseguiu perguntar:
— Quem é você?
— Sou um enviado do rei.
— Mas....
— Por favor, irmão eu estou observando que você e seus companheiros estão quase mortos. Antes de tentar esclarecer suas dúvidas eu gostaria que você bebesse um pouco dessa água, tudo bem?
— Sim.
E respondendo a pergunta o pastor pôs-se a tomar, de olhos fechados e sôfregos, daquela água que lhe foi ofertada. Somente após estar saciado e sentir-se estranhamente revigorado mental, emocional e fisicamente foi que ele abriu os olhos para ver qual “ tipo” de água era aquela. Qual não foi sua surpresa ao observar que o líquido que havia ingerido apesar de temperatura e “gosto” de água, era, na realidade, lava incandescente. E, após este fato, o pastor desmaiou.
Alguns instantes depois e, já explodindo de curiosidade, o pastor questionou a quem lhe oferecera a “água”.
— Mas que brincadeira é essa? Que coisa foi essa que você me deu?
— Não fiz nenhuma brincadeira contigo companheiro. Reparaste como esta água o revigorou de todas as formas possíveis, instantaneamente?
— Sim.
— Sabe por que isto aconteceu assim?
— Não.
— Porque você bebeu de “minha” água.
— “Sua” água?
— Exatamente.
— E que água seria essa?
— A água do fogo vivo que purifica com amor todos os desequilíbrios e equilibra amando tudo o que é purificado.
— Ou seja?
— A “água” da justiça divina.
E o pastor pensando estar na frente de alguma divindade ajoelhou-se e estava prestes a fazer um ritual de adoração quando foi interrompido por seu interlocutor.
— Levante-se companheiro eu não sou nenhum tipo de divindade e, além do mais, sou eu quem deve reverenciá-lo.
E dizendo isto o homem de pele avermelhada ajoelhou-se e fez reverência ao pastor, mas também foi por este interrompido.
— Levante-se meu irmão, se você não se julga digno de receber uma reverência minha, como posso eu pensar que seja digno acontecer o contrário?
— Mas eu não estou a reverenciá-lo!
— Como não?
— Entenda companheiro que ao prostrar-me de joelhos à sua frente eu estou a reverenciar as suas atitudes.
— Mas, como assim?
— Não foi você quem abdicou de sua própria água e de seu próprio alimento em favor de seus companheiros de jornada?
— Sim.
— Não foi você que, ao realizar este gesto, salvou a vida deles?
— Sim.
— Também não foi você que ao avistar uma montaria, ao invés de tomá-la para si e deixar os demais companheiros para trás, fez o oposto e a doou para os dois companheiros que se encontravam desidratados?
— Sim.
— E,ainda, não foi você que já no final da jornada, quando viu uma pedreira,apesar de estar com poucas forças, ao invés de deixar os companheiros de jornada para trás e tentar salvar-se, procurou ficar junto deles?
— Sim.
— E por último, e não menos importante, não foi você que, pensando estar em seus últimos momentos de vida, ao invés de se desesperar, prostrou os joelhos no chão e fez uma prece ao Divino criador não só por sua alma, mas também pela de seus companheiros?
— Sim.
— Então, são essas suas atitudes que hoje eu estou aqui a reverenciar.
— Mas quem ouve você falar assim pensa que eu sou algum tipo de grande herói abnegado, quando na verdade eu só estou aqui presente no dia de hoje.....
— .....devido a orientação que recebeu de um vulto através de um sonho seu.
— Mas como você sabe de tudo isto?
— Olhe bem dentro de meus olhos!
— Meu Deus!!! Agora estou percebendo, você é o vulto que me passou a orientação através do sonho!!!
— Isto mesmo.
— Mas por quê?
— Para ver se você estava pronto.
— Pronto para que?
— Pronto para me ajudar a mover pedreiras.
— Como?
— Exatamente como você ouviu: mover pedreiras.
— Mas isto é impossível.
— É? Então apenas observe.
E dizendo isto o homem de pele avermelhada fechou os olhos e levantou as duas mãos ao alto para logo após, num tipo de evocação, retirar a pedreira do lugar original e, movendo os braços, colocá-la em outro lugar. E foi então que o pastor de ovinos, boquiaberto, disse:
— Meu Deus, mas só tendo muitos poderes para se fazer isto.
— Engano seu, companheiro, um só poder basta para se fazer o que fiz.
— Qual tipo de poder é esse?
— O poder da fé. Se você tiver fé poderá mover toda e qualquer pedreira, independente do material de que seja feita.
— Verdade?
— Certamente, e você, por ter o filho da fé bastante enraizado na sua mente e no seu coração, em breve, e com muita disciplina e dedicação também estará trabalhando junto comigo no auxílio à remoção de pedreiras.
— Filho da fé?
— Exatamente: o amor ao próximo. Mas agora venha filho meu, já está na hora de você vir comigo para iniciar o seu aprendizado.
— Ir contigo? Mas como, se estou percebendo que somos de planos de existência diferentes?
— Diferentes?
— E não somos?
— Filho meu, passado alguns momentos, sinto que já é hora de você conhecer a verdade. Feche os olhos!
E dando esta ordem o homem de pele vermelha colocou sua destra na fronte do pastor por alguns momentos para logo em seguida determinar:
— Agora vire-se lentamente e observe atrás de si.
E ao realizar a determinação que lhe fora passada, o pastor teve uma visão que o deixou vivamente impressionado: praticamente aos pés da pedreira ele via o seu corpo físico já sem vida, ao mesmo tempo em que se tocava querendo encontrar algum tipo de explicação para o que vivenciava.
— Entendeu filho meu? Você encontra-se desencarnado!
— É eu estou vivo mesmo sabendo que para o mundo físico eu esteja morto, é isso?
— Exatamente.
— Meus três companheiros de jornada estão vivos? Será que eu poderia fazer algo por eles?
— Com esta pergunta, que demonstra profundo altruísmo, vejo que você realmente passou em sua prova. Posso lhe dizer que em poucas horas eles despertarão e sairão daqui todos com vida.
— Verdade?
— Certamente. A hora deles ainda não chegou. Mas agora, filho meu, já é momento de você vir comigo.
— Antes eu poderia lhe fazer uma pergunta?
— Sim.
— Você poderia me dizer o seu nome e como é seu trabalho?
— Nomes terrenos eu já tive vários e ainda terei muitos; entretanto, posso lhe passar um nome com o qual serei conhecido daqui a cinco milênios: sou O Senhor Caboclo Sete Pedreiras e trabalho nos campos da fé, removendo as pedreiras de problemas da vida daqueles que sejam merecedores, além de labutar também nos campos da justiça promovendo o equilíbrio nos sete sentidos da criação divina.
— Sete?
— Sim: conhecimento, amor, vida, evolução, lei, fé e justiça. Agora vamos filho meu!
— Sim senhor!
— Mas antes eu lhe peço que jamais, em toda sua existência, se esqueça de que foi na frente de uma pedreira que você, pela última vez no plano físico, praticou o amor ao próximo e levou alívio aos corações e que, justamente por este fato, conheceu a verdade da vida eterna e venceu, com amor, as agruras do plano físico encontrando consolação para as dificuldades que o afligiam, certo?
— Sim senhor!
— Mas agora vamos que já está na hora de você iniciar seu trabalho em favor do próximo servindo a Deus por meio de meu pai, que também é rei, e ao lado de suas duas filhas, as princesas que você adquiriu o direito de chamar de suas enquanto se fizer merecedor.
— Seu pai, minhas princesas?
— Sim, isto mesmo que você ouviu: o meu pai Xangô.
— E qual é o nome das princesas?
— Uma delas todos os seres humanos já viram pessoalmente e os que não viram, certamente, ainda verão.
— Verdade?
— Sim. Isto se dá por dois motivos: primeiramente por ela trabalhar diretamente a favor do Divino criador; depois pelo fato Deste tê-la dotado com a faculdade da onipresença.
— E qual o nome dela?
— O nome desta divina filha de meu pai Xangô é Justiça. A outra filha de meu pai, por sua vez, apesar de também trabalhar diretamente a favor de Deus, não recebeu deste a faculdade da onipresença, mas sim a da excelsa formosura e o dom de provocar a transmutação mental, emocional e espiritual em todos aqueles que a visualizarem e que por ela se encantarem sendo, talvez justamente por este fato, que raríssimos seres humanos puderam conhece-la verdadeiramente, apesar de sua rara beleza.
— E qual seria o nome desta flor que, apesar de me parecer tão bela, tenho a impressão de ser invisível aos olhos humanos?
— Realmente, esta filha de meu pai Xangô é uma linda flor; não obstante, ela não é invisível aos olhos humanos: são estes que não conseguem enxerga-la apesar de terem sidos dotados desta potencialidade pelo Criador.
— É mesmo?
— Infelizmente sim. E esta tão meiga, bela e perfumada flor responde pelo lindo nome de Caridade.”


Quando o caboclo acabou de me contar esta história, eu não pude conter toda a dor e tristeza que carregava dentro de meu ser e, sem me preocupar com quem estivesse ao redor no terreiro, desandei a chorar. Chorava tão intensamente que chegava mesmo a soluçar.
E o narrador de toda a história, o Senhor Caboclo das Sete Pedreiras, ao perceber a externalização de meu pranto tão sentido segurou as minhas mãos, olhou fundo nos meus olhos e disse:
— Chore filho, não se envergonhe, desabafe toda a sua dor, transforme em lágrimas todo o seu pesar. Sinta como elas irrompem de dentro de ti e escoam por sua face como se fossem lavas incandescentes saídas de um vulcão. Não seja tímido ao colocar essas lágrimas para fora: sinta a essência do fogo divino que há dentro de você e imagine esse fogo santo purificando a sua alma de todas as tristezas decorrentes de sua situação de desemprego.
Após pronunciar estas últimas palavras o Senhor Caboclo ainda esperou alguns minutos até que minhas emoções serenassem por completo, para depois prosseguir:
— Muito bem filho, esse caboclo gostou de ver toda a sinceridade dos sentimentos do filho não só para falar, mas principalmente para chorar, por que até mesmo para chorar também tem que se ter extrema sinceridade para com Deus.
— Se o Senhor está dizendo eu acredito e agradeço.
— Pode acreditar filho; só não se esqueça de jamais desacreditar, primeiramente, que o Divino criador sabe de todas as coisas e, posteriormente, em suas próprias forças pois até mesmo em suas próprias forças Deus está presente haja visto que você é, como todo ser humano, um templo vivo de Deus.
— Sim Senhor.
— Este caboclo contou esta história para você com o objetivo de que você possa sempre encontrar forças para continuar trabalhando em favor do próximo e da caridade sem se preocupar com o peso da sua cruz. Procure trabalhar a favor do bem ao próximo e a você mesmo, pois só assim você receberá tudo de volta e em dobro. Entenda que o peso da sua cruz, no momento aumentado pelo seu problema de desemprego, é similar ao peso da cruz de muitos outros milhões de seus irmãos por paternidade Divina, que se encontram na mesma situação que você, tanto aqui no país onde você atualmente está encarnado quanto ao redor do mundo. Continue a fazer a caridade que sua hora vai chegar e isto não é promessa, é merecimento!
— Sim Senhor, eu lhe agradeço muito pelas palavras amigas e, principalmente, pela história.
— Este caboclo é que lhe agradece pela oportunidade que você está lhe dando de mais uma vez praticar a caridade e ir buscando a evolução.
— O senhor me permitiria lhe fazer mais duas perguntas.
— Seja breve filho por que a gira está para terminar.
— Primeiramente eu gostaria de saber se o senhor, por acaso, é o pastor de ovelhas da história que acabou de narrar para mim.
— Filho não perde a curiosidade, não é filho?
Devo dizer que fiquei absolutamente desconsertado e mesmo antes que eu o respondesse, ele retomou a palavra:
— Este caboclo não está brigando com você não, filho. Caboclo pede apenas que, para você achar a resposta, utilize o raciocínio e o bom senso.
— Sim Senhor. A outra pergunta que eu queria lhe fazer é se a história que o Senhor me contou é verídica?
— Certamente filho, ela serviu, inclusive, como inspiração para um filho de fé, alguns tempos atrás, criar um ponto de umbanda na linha de Xangô que é muito cantado nos terreiros.
E antes que eu lhe fizesse mais uma pergunta extra que já estava fomentando em minha mente ele, já se levantando e quase indo na direção do Gongá, me disse:
— Já sei até que pergunta o filho quer me fazer e eu lhe respondo pedindo que fique até o final da gira por que hoje, “inusitadamente”, o sacerdote ao invés de encerrar a gira cantando os pontos habituais, será inspirado “ não sei por quem” ( e ao dizer isto eu pude observar, no canto direito de sua boca, o esboço de um sorriso ) a cantar o ponto ao qual se refere a história que eu lhe contei.
E assim eu, ainda de boca aberta pelo fato Dele ter adivinhado a pergunta, pude ouvi-lo me endereçar uma última mensagem.
— Fique na força e na luz de Tupã nosso pai, Ele que lhe dê forças e lhe abençoe em sua jornada, a carregar sua cruz e a fazer a caridade.
Fiquei então esperando a gira acabar, mas de repente, quando dei por mim, estava acordado, deitado em minha cama e com a bexiga quase a explodir. Levantei-me, então, para esvaziá-la bastante aborrecido por ela não ter me permitido ficar na gira até o final.
Deitei-me e dormi de novo, só que desta vez não sonhei com mais nada. Inclusive, durante este segundo sono, para meu desespero, havia esquecido até o que havia sonhado antes.
A única coisa que posso dizer é que, ao me levantar de fato, na manhã seguinte, apesar de nem me lembrar que havia tido um sonho naquela noite, um ponto, estranhamente, não saiu de minha cabeça por todo aquele dia.
É um ponto que diz assim:


Eu estava nas pedreiras
conversando com Xangô,
Disse ele, à sua maneira,
Só se vence com amor.

Com amor se pratica a caridade,
com amor se alivia um coração,
com amor se conhece a verdade,
só o amor é que nos trás consolação.












Salve divino pai Olorum!!!!!!
Salve Pai Xangô!!!!!!
Salve as pedreiras!!!!!Salve o Senhor Caboclo das Sete Pedreiras!!!!!!!




Escrito sob inspiração mediúnica por Pedro Rangel Telles de Sá.


Ass: Caboclo Horácio.