Ditado pelo Caboclo Sete Estrelas.
Estava andando por uma extensa rua de uma localidade em que nunca estive anteriormente quando uma cena inusitada chamou minha atenção: um homem branco, com aproximadamente trinta anos de idade, cabelos castanho-claros, 1,85mts de altura, olhos azul-esverdeados e barbudo estava a fitar com o olhar marejado e num estado contemplativo uma residência em específico.
Numa incontida vontade de entender o que estava acontecendo procurei me aproximar da pessoa em questão:
— Olá amigo, você me desculpe à interrupção em seu momento contemplativo, mas será que eu poderia lhe oferecer alguma ajuda?
— Ajuda?
— Sim, por que eu estou vendo estas lágrimas em seu olhar e penso que a causa delas deve ser pelo seu desejo de entrar na casa, é isso?
— Não. Na verdade eu e mais milhares e milhares de amigos somos os zeladores desta residência à nossa frente.
— Zeladores?
— É. Nós procuramos dar manutenção a ela da maneira que nos for permitido.
— Os moradores da casa não permitem que você faça a manutenção da casa é isso?
— De forma alguma. Na realidade nós, os zeladores, somos sempre bem-vindos neste lar.
— Então você poderia me explicar por que esta residência se encontra sem acabamento e proteção externa como muros e portões?
— Companheiro é como eu lhe disse antes, nós zeladores procuramos realizar uma manutenção nesta casa da forma que nos for permitido. Entenda que a função nossa não é construir, mas sim cuidar e zelar por tudo que foi ou venha a ser construído.
— Entendo.
— Penso que você não deveria se espantar com o fato de eu estar contemplando esta casa de maneira tão embevecida.
— Não? Acontece que eu esperei cerca de uma hora antes de vir aqui conversar contigo e, durante todo este tempo, você não desviou o olhar desta residência uma vez sequer.
— Uma hora?
— Exatamente.
— Penso que você não deveria se espantar com este fato.
— Mas, por quê?
— Por que estou há muito tempo fazendo isto.
— Observando esta casa?
— Exatamente.
— E há quanto tempo você está a observar esta casa?
— Há quase um século.
— Olha amigo você me desculpe pela intromissão, por favor, volte a fazer o que você estava fazendo por que eu vou continuar a minha caminhada, tudo bem?
— Você não acredita não é companheiro?
— Em que? No fato de que você está a quase um século observando este lar? Você me desculpe, mas eu tenho de ser sincero e lhe falar que não.
— Tudo bem você não é o primeiro a duvidar deste fato.
— Sério?
— Certamente, mas se você quiser uma prova do que lhe digo, eu teria imensa satisfação em oferecê-la.
— Eu aceito tua proposta.
— Tudo bem, mas antes permita que eu me apresente: meu nome é Horácio!
— Muito prazer e o meu nome é.....
— Desculpe-me interrompe-lo, mas acredite-me quando digo que lhe conheço muito bem.
Quando Horácio proferiu estas últimas palavras eu tive a nítida sensação de que ele era algum tipo de Ser espiritual evoluído, mas não me fiz de rogado e procurei escutar um pouco mais de sua conversa antes de chegar a alguma opinião conclusiva, lhe respondendo:
— Tudo bem Horácio, você não precisa se desculpar.
— Agradeço pelo voto de confiança, mas agora procure sentar no chão que eu vou lhe fornecer a prova da veracidade de minha história.
Segundos após me sentar e fechar os olhos, Horácio pousou a destra em minha fronte e eu passei a ver a construção daquela residência desde o seu principio: vi a construção de sapatas e vigas, o surgimento das paredes e do teto, instalação de dutos de água e fiação para energia elétrica e a fixação de portas e janelas; então, de repente, quando pensei que iria presenciar a realização do acabamento da residência eu fiquei a observar o tempo passar, ano após ano, e a casa a permanecer sem reboco, sem pintura, calçamento, água, energia elétrica e, para meu desespero, sem muro e sem portão.
O tempo ainda continuou a passar por muito tempo diante de meus olhos e eu também pude verificar a casa ser submetida a terríveis tempestades e ventanias. Vi, ainda, várias pessoas com rostos inidentificáveis a atirarem pedras na vidraçaria da casa ( única benfeitoria realizada nela ) e nada acontecer com esta: nem mesmo um mínimo trincado.
Vi, então, os anos se passarem até os dias atuais e foi neste momento que Horácio retirou sua destra de minha fronte e, segurando-me pela mão direita, convidou-me a levantar e adentrar àquela residência.
Ao entrar naquela casa um fato espantoso chamou minha atenção por que se por fora parecia uma casa simples de três quartos, por dentro ela parecia, em termos de extensão e número de quartos, uma verdadeira mansão com uma quantidade de cômodos infindáveis.
Pude perceber também que a grande maioria de seus residentes encontrava-se acordada enquanto apenas alguns poucos estavam dormindo àquelas altas horas da noite. Vi, ainda, que apesar de não ter energia elétrica e água encanada a casa possuía várias lamparinas e velas a iluminá-la e um poço artesiano com o qual eles obtinham água.
Após todas estas observações Horácio convidou-me a retornar para o lado externo da casa e perguntou se eu possuía alguma dúvida em relação ao que observara e eu, assim, lhe respondi:
— Olhe Horácio, de fato, eu tenho algumas dúvidas: Primeiramente eu gostaria de saber por que a casa, tirando a vidraçaria, não tem nenhum tipo de acabamento e proteção que a guarde de vândalos e de intempéries climáticas; depois, eu gostaria de saber quem são os vândalos que eu observei, ao longo dos anos, atirarem pedras e mais pedras em direção à vidraçaria e, por ultimo, ficaria imensamente ditoso se você me dissesse por que a vidraçaria da casa não se espatifou uma única vez até hoje apesar do tamanho e da intensidade das pedras que são atiradas contra ela.
— Muito bem, vamos por partes! Esta casa encontra-se sem acabamento e proteção externa devido ao fato de, desde o momento de sua fundação até os dias atuais, seus moradores não chegarem a um acordo sobre qual é o melhor tipo de acabamento para ela.
— Como? Toda esta demora é devido à indecisão?
— Não. O atraso é devido aos egos extravasados de seus moradores por que, para que a casa possa ser acabada e protegida, é importante à concordância dos moradores e é pelo fato disto não ter acontecido até hoje que você vê, atualmente, as condições em que esta residência se encontra.
— Entendo.
— Os vândalos que você notou a atirarem pedras na casa são, pasmem, os seus próprios moradores.
— O que? Mas, por quê?
— É como eu lhe disse: egos extravasados!!! Como os moradores têm pontos de vista diferentes entre si no que diz respeito ao acabamento e proteção externa da casa é que grande parte deles procura destruir a vidraçaria da casa, julgando-se o único dono da casa e dizendo que se ela não pode ficar do jeito que lhes cabe, que não ficará do jeito de mais ninguém; entretanto, como a vidraçaria foi colocada nas janelas com o consentimento de todos os moradores e como a casa conta com a proteção Divina é que eles não conseguem danifica-la, nem destruí-la.
— Meu Deus Horácio, mas isto é um grande equivoco!!! Os moradores deveriam se unir para efetuarem o acabamento e proteção externa do lar a fim de resguardá-la de tempestades e ventanias.
— Penso que os moradores realmente deveriam fazer o que você sugere, mas não por causa do clima.
— Hein?
— Entenda companheiro que o clima é um fator natural, corriqueiro e divino sendo, justamente por isto, incontrolável ao homem. Muitas vezes uma tempestade é até mesmo necessária seja para testar a resistência da estrutura da casa, seja para unir seus moradores, pelo menos momentaneamente, tendo em vista que a tempestade, ao os impedirem de sair do lar, acaba oportunizando condições para que se conheçam ainda mais. Na verdade, penso que os moradores deveriam fazer o acabamento da casa e protegê-la a fim de que todos, juntos, possam encontrar melhores condições de nela viver, usufruindo de seu conforto com sinergia.
— Puxa vida Horácio, percebo que você tem grande sabedoria!!! Rogo a Deus que todos os moradores possam se conscientizar do fato de que tudo o que você acabou de me dizer é impreterível e incontestável e, enfim, possam deixar suas idiossincrasias de ladoeiro e divino sendo, justamente por isto, incontrolr para efetuarem o acabamento e proteçdr da pessoa em quest e realizarem o acabamento e proteção desta casa!
— Você quis dizer nossa casa, não é?
— Nossa?
— Claro! Minha, sua e de todos quantos dela precisarem.
E, ao dizer esta frase, percebi o corpo de Horácio se transformando e entendi que ele não era tão somente um Ser espiritual evoluído, mas também um Senhor Caboclo que milita na Lei de Umbanda. Ao perceber este fato fiz menção de me ajoelhar aos seus pés e reverenciá-lo, mas Ele percebendo minhas intenções disse:
— Não precisa se ajoelhar1
— Mas...
— ...acredite-me quando digo que sei de seu respeito por mim, mas não duvide quando eu lhe determino que não se ajoelhe à minha frente por que sei que isto poderia bloquear todo o seu mental e impedir que eu continue a lhe passar esta mensagem sobre nossa casa.
— Sim senhor!!!
— Em relação à casa você nada percebeu, não é companheiro?
— Como assim?
— Esta casa que você vê a sua frente ainda não acabada representa a religião de umbanda, companheiro!!!
— Meu Deus!!!!
— Esta casa e todas as visões que você teve quando pus minha destra em sua fronte são representações simbólicas para que todos vocês, umbandistas, entendam a nossa mensagem!!!
— Acho que estou começando a entender!
— Os detratores desta louvável religião que vocês professam e que, muitas vezes, são vossos irmãos de jornada de outras denominações religiosas estão representados, em sua visão, pelos ventos, chuvas e tempestades que, na verdade, simbolizam a oportunidade dada por Deus para que os moradores da casa possam se unir com o objetivo único de finalizar sua construção e proteção a fim de que venham a ganhar força e melhor defesa contra estes “fenômenos climáticos”.
Já começando a compreender as analogias, simbologias e sabedoria daquela entidade espiritual eu, então, ousei lhe fazer mais uma pergunta:
— Irmão Horácio, desculpe a interrupção, mas o senhor poderia responder uma pergunta?
— Certamente, companheiro!
— É que eu gostaria de saber quem eram as pessoas com rostos inidentificáveis que eu, em minha visão, observei apedrejando a vidraçaria da casa. Por acaso estas pessoas também seriam estes irmãos de jornada pertencentes a outras denominações religiosas?
— Você pode não se lembrar, mas esta pergunta eu já lhe respondi anteriormente!
— Como assim?
— Estas pessoas companheiro, são os próprios moradores da casa!
— O que? Os próprios umbandistas? Mas, por quê?
— Esta pergunta eu também já lhe respondi antes, mas posso repetir: cada um dos moradores da casa quer que ela, ou seja, a umbanda, tenha o acabamento e proteção que lhes convém como melhor e, como não chegam num acordo e julgando-se os únicos donos dela, passam a afirmar que se ela, a casa, não pode ficar “do jeito” deles, que também não ficara de jeito algum. Muitos destes moradores, inclusive, ficam num estado de ânimo tão alterado que passam a jogar pedras na vidraçaria da própria casa onde residem.
— Meu Deus!!!!
— Mas como a vidraçaria foi colocada de comum acordo entre todos os moradores e, principalmente, como a casa é protegida por Deus, nenhum destes objetos arremessados consegue destruí-la.
— Puxa, a proteção de Deus é maravilhosa! Mas esta atitude dos moradores da casa é terrível, não é verdade irmão Horácio?
— Nem tanto!!! Terrível mesmo é vê-los habitarem a residência há quase cem anos sem fazer muito esforço para realizarem benfeitorias e proteção essenciais a fim de que possam crescer verdadeiramente enquanto religiosos que são.
— Além de terrível, também é incompreensível, não é irmão Horácio?
— Na verdade companheiro, eu posso compreendê-los!
— Sério!?!?
— Certamente. Vocês seres humanos na carne ainda estão bastante longe da perfeição e é justamente uma de suas maiores imperfeições que os fazem ver como verdade absoluta aquilo que vocês julgam verdade e afirmar que é mentira aquilo que para outros é verdade absoluta. Na verdade companheiro a única verdade absoluta existente é Deus e a luz de seu arco-íris sagrado que reflete em sete cores os sete sentidos da Sua criação que vocês devem fazer brilhar na terra em forma de caridade. Vocês, umbandistas, deveriam se unir em torno em torno deste brilho supremo para que possam adquirir sinergia e serem um foco de irradiação deste Setenário sagrado.
— Nossa!!! Irmão Horácio, que palavras lindas!!! Estou profundamente emocionado!!!
— Fico feliz com tua emoção, pois isto significa que minhas palavras encontraram eco em sua consciência e em seu coração; entretanto, infelizmente, só se emocionar não basta!!! É vital o entendimento entre vocês umbandistas para que possa ser realizado o acabamento e proteção da casa!!!
— Entendo. Mas, diga-me irmão Horácio, é esse o motivo de eu estar percebendo o vosso olhar marejado de lágrimas: o desentendimento entre nós umbandistas? São lágrimas de tristeza?
— Pelo contrario companheiro: são lagrimas da mais profunda e sincera alegria!
— Como? Alegria? Mas, por quê?
— Você se recorda quando esteve comigo, no interior da casa, do fato de que apenas a minoria de seus moradores encontrava-se dormindo?
— Sim, lembro.
— Sabe por que eles estavam dormindo?
— Não.
— Pois eu lhe digo que eles estavam dormindo o afamado “sono dos justos”.
— Hein? Não entendi!!!
— Então entenda que foram aqueles poucos moradores os únicos que procuraram cavar o poço artesiano para que, não somente eles, mas todos os moradores da casa tivessem algo para beber e fazerem o seu asseio.
— Verdade?
— Certamente. Também foram estes poucos moradores que providenciaram lamparinas e velas para que a casa não ficasse na mais profunda penumbra.
— E os demais moradores, por que não os ajudaram?
— Por que se encontram tão ensimesmados em seus egos e vontade de que a casa tenha o acabamento por eles desejados que acabam ignorando qualquer tipo de benfeitoria paliativa que seja realizada na casa e que por eles não tenha sido idealizada. Na verdade companheiro, estes poucos moradores sofreram, e ainda sofrem, ataques terríveis por parte dos demais.
— Mas, por quê?
— Foram e são acusados de demagogos, de “quererem aparecer”.
— Que horror!!!
— Mas mesmo com tudo contra ou nada a favor estes moradores valorosos não desistiram de seu intento e, com muita fé e determinação, conseguiram realizar benfeitorias paliativas que acabaram tornando-se vitais para todos os moradores da casa.
— Impressionante!!!
— Pois então, minhas lagrimas de alegria são motivadas por estes filhos de fé que priorizam o bem-estar geral dos moradores e da casa em detrimento de suas idiossincrasias em querer apontar qual é o melhor acabamento para ela. Entenda que enquanto houver pelo menos um filho de fé que pense e procure agir desta forma, sempre haverá o brilho de uma lagrima de alegria no olhar deste caboclo!!!
— Meu Deus!!! O senhor acabou de dizer mais uma coisa muito linda!!!
— Pode até ser companheiro, mas é extremamente importante que vocês moradores desta casa lutem com todas as forças para combaterem, primeiramente, dentro de vocês mesmos a terrível imperfeição da vaidade a fim de que também não seja transformada em verdade absoluta um dito bastante disseminado entre os umbandistas.
— Irmão Horácio nós umbandistas, de fato, falamos muitas coisas. Nós costumamos dizer: “Saravá!”, “Salve Jesus!”, “ Salve a vossa força!”e muitas outras coisas, mas sobre qual dito em especifico o senhor está falando?
E Ele, antes de colocar sua destra novamente em minha fronte e me fazer despertar, no plano físico, em cima de minha cama, ainda pôde dizer:
— “O maior adversário da umbanda é o próprio umbandista!”
Eu acordei em minha cama e fiquei a meditar profundamente, na época do ocorrido, em tudo o que Ele havia dito para mim. Aliás, para falar a mais pura verdade, eu estou a meditar até hoje!!!!!!!!